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Muito se tem debatido sobre o ensino de língua inglesa em escolas públicas no Brasil: suas demandas, suas implicações e seus resultados — estes sempre considerados abaixo de uma expectativa criada. Deixa-se surgir e consolidar crenças diversas acerca disso, das quais uma é forte e difundida: seria impossível aprender inglês em escola pública. Desta se esperam resultados baseados, sobretudo, em expectativas voltadas mais ao mercado de trabalho. Essa preocupação com esse cenário considerado desfavorável ao ensino e à aprendizagem da língua inglesa em escolas públicas tem gerado pesquisas, estudos e reflexões no Brasil, em particular no âmbito da linguística aplicada.13

A linguística aplicada é fundamental por ser mediadora com tendência a criar interfaces com outras áreas do conhecimento; dialoga com a linguística e seus subcampos, assim como com áreas que compõem as ciências sociais como antropologia, sociologia, psicologia social e estudos culturais (CAVALCANTI, 2004).14

Quanto à Linguística Aplicada Crítica, a escolha se justifica porque aponta uma visão de prática problematizadora que, ao se basear em perspectivas pós-estruturalistas, pós- modernas e pós-coloniais, concebe a língua como inerentemente política e sempre relacionada com classe, etnia, gênero, sexualidade etc. (PENNYCOOK, 2001): pontos primordiais ao trabalho com o Letramento Crítico. Ensinar a aprender uma língua significa se posicionar ideológica e politicamente, pois a língua desempenha função de prática social e é compreendida como instrumento de ação, engajamento e resistência. Se for ela que produz a hegemonia e reproduz discursos coloniais, então será por meio dela que se deve lutar para subverter discursos e práticas hegemônicas do colonialismo (URZÊDA FREITAS; PESSOA, 2015). A proposta da linguística aplicada crítica converge aos princípios do Letramento Crítico porque trata de questões que ajudam a compreender a dimensão política e crítica de ensinar e aprender língua inglesa, além de propor uma atitude reflexiva, indagadora e

13 Estudos e reflexões no âmbito da linguística aplicada incluem os de Paiva (1997), Dudas (2002), Ribeiro

(2002), Pinhel (2003), Freire e Lessa (2003), Borges (2004), Gimenez, Jordão e Andreotti (2005), Barcelos (2006), Assis-Peterson e Cox (2007), Coelho (2006), Contin (2008), Jorge (2009), Oliveira (2009), Scheyerl (2009), Lima (2011), Sousa (2011a e b) e outros.

14 Neste trabalho, interajo com outros campos de conhecimentos a fim de atingir os objetivos propostos e manter

uma característica multidisciplinar. O curso de formação proporcionou contato com áreas variadas de estudo. A preparação dc atividades de Letramento Crítico possibilitou transitar por outras áreas que foram primordiais para ampliar conhecimentos acerca dos temas propostos para discussão sob o viés do Letramento Crítico. Foi necessário pesquisar assuntos diversos, trazer para a aula de Língua Inglesa um conjunto de saberes, questionamentos, buscas e conhecimentos. Mas caminhar em terrenos separados por áreas distintas impôs desafios que, por vezes, me deixou insegura por não poder me aprofundar com mais efetividade em tantos temas que surgiram no curso e na análise das aulas. Foi preciso correr riscos. Aceitar minhas limitações ante tantos assuntos complexos.

problematizadora quanto a práticas sociais contidas na sociedade (PENNYCOOK, 2001). Tal atitude crítica como proposta para as aulas de língua inglesa, a meu ver, aumenta a possibilidade de a disciplina ajudar na formação de alunos mais humanizados e preparados para lidar com práticas sociais hegemônicas que precisam ser amenizadas pelo engajamento político de discentes e docentes.

Para Pennycook (2010), a palavra crítico significa reconhecer a existência de outras vozes no mundo que são marginalizadas em detrimento de uma centralização que considera alguns saberes superiores a outros. Ser crítico significa uma forma de problematizar a prática pós-moderna, que percebe o poder operando nas relações micro e macro, questionando o naturalizado e se fundamentando em princípios éticos de cuidado com o outro (PENNYCOOK 2001; 2004; 2006; 2010). Nessa linha de pensamento, Monte Mór (2013) entende que a criticidade consiste em desenvolver a habilidade de percepção que os cidadãos precisam ter da sociedade em que vivem; e não é necessário ter níveis elevados de escolarização para isso: todos são críticos e possuem saberes a ser considerados e problematizados, em vez de excluídos.

Dito isso, compreendo que a Linguística Aplicada e a Linguística Aplicada Crítica contribuíram para este trabalho porque concebo a ideia de desfragmentação dos saberes, ou seja, busco unicidade e a construção de sentidos derivados de um olhar aberto e consciente de que cada ciência ajuda a edificar conhecimentos.

Há consenso quanto à situação de desencontros com relação à aprendizagem de inglês, em especial na educação pública. Fala-se de uma crise eterna, com professores, pais e alunos, muitas vezes, perguntando-se ora sobre a relevância e o significado de ensinar e aprender esse idioma na escola, ora sobre por que não vêm os resultados esperados.

Apesar de todos os questionamentos mencionados pelas pesquisas a ser enfrentados nesse âmbito, seja de desencontros nas formações docentes, seja de escassez de recursos no ambiente da escola pública, acredito que uma finalidade do ensino de inglês é ter comprometimento social com uma aprendizagem que vá além dos muros da escola. Nesse cenário que enxerga e valoriza a possibilidade de aprender inglês, vejo como não esgotadas as possibilidades de pesquisar em prol do processo de tornar esse idioma relevante e significativo a todos.

A fim de que essa possibilidade pudesse se tornar realidade, foi preciso apostar em seu funcionamento com a reconstrução de visões de língua e ensino já utilizadas e que, isoladamente, não têm ajudado a mudar o quadro. O ensino e a aprendizagem de inglês nas

escolas públicas podem, a meu ver, visualizar novos caminhos e buscar maneiras mais significativas, mais interessantes de ensinar que tenham relevância social ao aprendiz; mesmo com as dificuldades que circulam nesses espaços e na sociedade.

Dentre muitos autores que tratam do ensino de inglês, Lopes (1996b) e Scheyerl (2009) defendem a posição de que a escola estimule a consciência crítica. Desse modo, a língua inglesa pode deixar de ser vista como algo além de um fenômeno linguístico pelo qual se disseminam a inserção no mercado de trabalho e viagens ao exterior, atreladas ao discurso da globalização, para ser encarada como fenômeno, antes de tudo, social e cultural. Segundo Siqueira (2011, p. 134), “[...] um idioma que se desterritorializa e viaja pelo planeta, por natureza, vai muito além de necessidades utilitárias”.

Com efeito, é importante os docentes possibilitarem um ensino de idioma com outros propósitos; por exemplo, o de refletir, problematizar, desconstruir e reconstruir com base em objetivos emancipatórios e transformadores (LEFFA, 2007). Pennycook (2006) diz que os professores, ao lidarem com uma língua “glocal”,15 podem levar os alunos a ir além de estruturas e modos fixos de ensinar e aprender. Essa transgressão permite que a língua inglesa tenha funções sociais e políticas e não conste no currículo apenas como idioma da globalização que não tem sentido a grande parte dos alunos. Estes, embora vivam num mundo “globalizado”, ainda não veem a utilidade dessa língua em suas vidas. Daí a indiferença. Acredito que o ensino e a aprendizagem precisam ter sentido para os alunos cuja construção tem no professor um agente crucial a fim de solidificá-la como processo.

É importante salientar a importância de desenvolver uma educação promotora de cidadania, que possa levar os alunos à autonomia a fim de pensar e agir criticamente. Eis por que este trabalho se propôs a pensar em uma proposta, tendo em vista o nosso lócus, alinhada numa perspectiva crítica (PENNYCOOK, 2006; PESSOA, 2010; MONTE MÓR, 2008), a começar pelo sentido de língua que a ser evidenciado — aquele que promove a problematização e permite, ao aluno, experimentar situações de reflexão via idioma-alvo, as quais vão além do simples contato com esquemas disponíveis no sistema linguístico e do

15 Glocal é um “[...] neologismo usado para indicar a superposição de um conceito global a uma realidade local,

a partir de um meio de comunicação, prioritariamente (mas não exclusivamente) operando em tempo real. No ambiente glocalizado, o sujeito se vê em um contexto simultaneamente local (o espaço físico do acesso, mas também o seu meio cultural) e global (o espaço mediático da tela e da rede, convertido em experiência subordinativa da realidade). Sem o fenômeno da glocalização, suporte comunicacional das trocas em escala global, a derrubada das fronteiras para a circulação de produtos, serviços, formas políticas e ideias estaria prejudicada ou impossibilitada” (CAZELOTO, 2007, p. 49)

mercado de trabalho. Assim, proponho que é possível e mais significativo aprender línguas mediante temas problematizadores.

Concretizar tal proposta exigiu desconstruir a concepção de que ensinar e aprender inglês na escola pública seria o mesmo que aprender em cursos de língua inglesa privados. Os objetivos de formação nesses dois espaços de ensino são totalmente diferentes. Como enfatiza Monte Mór (2009a), os institutos de idiomas se voltam ao consumo de um bem. Logo, estão desobrigados — caso queiram — de formar o aluno como cidadão. Esse papel seria da escola formal: espaço coletivo que sugere aprendizagem para a vida, convivência em sociedade e compreensão da diversidade — ainda que não exclua a possibilidade de aprender a língua inglesa para outros fins.

Documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino fundamental, de 1998, e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), de 2006, não só apontam a importância de formar visando à cidadania; também sugerem como útil à autonomia e à capacidade de reflexão crítica a integração de conhecimentos de áreas diversas em um trabalho interdisciplinar. Aqui, busco colaborar para um ensino mais significativo nas escolas públicas do Tocantins; desconstruir práticas e filosofias voltadas apenas ao senso comum, que costuma enxergar o inglês e a escola pública como pontes ao “sucesso profissional”; isto é, busco desconsiderar os papéis sociais múltiplos da escola e considerar só os elencados pelo mercado de trabalho. Tal desconstrução — convém esclarecer — não pressupõe essa visão como a correta; trata-se de minha percepção e dos sentidos que construo como pesquisadora e formadora de professores de Língua Inglesa baseada na filosofia do Letramento Crítico.

Parte dessa percepção social sobre inglês e a escola pública não foi criada por acaso. Uma explicação de seu surgimento seria a visão neoliberal. Como esta tem o princípio de formar sujeitos em um modelo mercantilizado, voltado ao mercado de trabalho, tal princípio anula a escola como lugar de educar para uma mentalidade aberta, com que o aprendiz poderia criar seus significados, dependendo de seu contexto. Isso poderia possibilitar a construção de um conhecimento transformador ou colaborar para uma nova ordem social.

Conscientemente ou não, essa visão voltada ao mercado ajuda a manter desigualdades e exclusões (MORIN, 2000; MENEZES DE SOUSA, 2011a). Essas exclusões se apresentam de forma quase velada em relação à língua inglesa nas escolas públicas; ou seja, apresentam- se quando discursos desacreditados se tornam mais um entrave para que os alunos percebam suas possibilidades. Eles tendem a acreditar que não vão, de fato, aprender, pois só as

experiências de ensino que não se mostram bem-sucedidas são divulgadas diariamente — e apenas em relação às escolas públicas. As escolas privadas de ensino formal e os institutos de idiomas não costumam expor seus casos malsucedidos nem o número de desistentes ao longo do curso em comparação ao número de alunos que concluem o curso com êxito.

Atribuir à escola pública o mesmo papel dos institutos de idiomas supõe que ela terá papel utilitário e mercadológico; ou seja, escapa-lhe o papel problematizador, educador e de agência, que se espera dela e que, por consequência, priva os alunos de pensar criticamente, problematizar assuntos, aprender a língua e, ao mesmo tempo, adquirir valores de cidadania. Afinal, além do idioma em si, o que mais é importante aprender em uma aula de inglês? Vejo essa questão como ponto de reflexão importante aos cursos de formação.

Reitero o pensamento de Quirino de Sousa (2012) quando olho para a sala de aula de Língua Inglesa na escola pública com um foco específico de transpor para a prática conceitos das teorias de Letramento Crítico (LUKE; FREEBODY, 1997; DUBOC, 2013). Desenvolvê- lo no lócus significa incentivar a construção de conhecimento através de um olhar reflexivo acerca de questões sociais; contribuir para que a escola seja um lugar onde se propiciem percepções de outras realidades e outras maneiras de ver o mundo (MENEZES DE SOUZA, 2011b). Formas diversas de ler o mundo e a construção de sentidos podem — e devem — compor o contexto das escolas públicas; e tal composição se torna ainda mais viável caso os professores tenham formação para trabalhar a desconstrução de modos antigos de ensinar inglês e de ver seu ensino na escola pública.

Mesmo com essas inspirações relativas ao Letramento Crítico na escola pública, saliento não ser minha intenção propô-lo como solução de todos os conflitos presentes nessa instituição. Como diz Menezes de Souza (2011a), nenhuma teoria pode ser salvadora nem ser mais destacada do que outra; toda construção da realidade faz sentido apenas a quem compartilha do mesmo domínio de realidade. Portanto, não se pode afirmar como boa ou ruim; apenas que é uma possibilidade que pode fazer sentido a quem a vê como coerente com seu contexto específico.