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3 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

3.3 Segundo momento da análise de dados

No segundo momento da análise, identifico a presença de agência, criticidade e construção de sentidos nas ações do grupo de professoras. Não tomo esses três itens como categorias, mas faço a análise olhando para esses aspectos que vão orientar a análise. O foco incide na interação do grupo com temas propostos para o curso de formação “Thinking beyond the classroom”, a construção de atividades com foco no Letramento Crítico, a maneira como realizaram as atividades nas escolas e a atitude discente.

3.3.1 Primeiro plano de aula das professoras

No terceiro encontro do grupo, as professoras apresentam a primeira aula preparada por elas sobre o tema intitulado, mais tarde, como “corpo e identidade” — naquele momento, chamava-se “parts of the body”. O critério para a escolha desse tema foi sua recorrência nos livros didáticos. Segundo elas, todos os livros do ensino fundamental traziam esse assunto em uma de suas unidades. Assim, meu objetivo foi ter um retrato inicial de como as docentes

preparavam suas aulas para, depois, observar o processo durante o curso e perceber se havia propostas na prática delas consonantes às propostas de Letramento Crítico.

Sete participantes prepararam as aulas em casa e as trouxeram para compartilhar. Nesse dia, Sílvia e Vitória não apresentaram seus planos de aula. Não ofereci modelos de planos; pedi que preparassem a aula à maneira delas, da forma como costumavam fazer. Tive cuidado para não tornar os encontros em momentos de mais trabalho para docentes, que se mostraram já sobrecarregadas. Notei que, naquele momento inicial, meu papel seria, sobretudo, o de me aproximar do grupo e não dar a impressão de que teriam de trabalhar mais do que já trabalham. Busquei evitar o que mencionaram sobre outros cursos de formação.

Pelos excertos, percebi que apresentaram práticas similares entre si, com foco no vocabulário, na gramática e na ludicidade, como se pode perceber na transcrição de parte da aula de Bianca:

Bianca: [...] E eu trouxe uma atividade que seria pra eles completarem a parte do corpo humano. Algumas têm aí já... E no final... pra finalizar, eu fiz o people by people que aprendi na APLITINS. Vocês conhecem? [NÃO] Eu aprendi nesse mês na APLITINS. É assim... os alunos ficam em pares e aí ela vai falando a parte do corpo. Se ela falar assim... “HEAD TO BACK”, aí o par, um coloca a cabeça nas costas do outro. “LEG TO ARM”, aí tem que colocar a perna no braço do outro. Aí vai falando, e vai associando com a parte do corpo (TRANSCRIÇAO DE VÍDEO, encontro de 22/8/2014).

Bianca preparou uma aula com recursos visuais e uma brincadeira para motivar seus alunos. Mas não encontrei componente crítico nas práticas propostas por ela. Portanto, sua aula pode ser um demonstrativo de que, ao menos até aquele momento, ela não costumava usar temas para uma prática problematizadora que ajudasse os estudantes a refletir sobre questões sociais referentes ao tema e seu papel social com relação a ele, dentre outras questões.

Com efeito, Pennycook (2001) alerta que não se pode tratar das salas de aula como lugares neutros, uma vez que tudo que acontece nesse contexto deve ser entendido social e politicamente. Ele convida a perceber a sala de aula como microcosmo do mundo social e cultural, que não se limita a refletir e reproduzir esse mundo, ou seja, que se propõe a mudá- lo. Com base nessa reflexão, pensar em práticas que vão além da sala de aula poderia contribuir para visões menos ingênuas do mundo. Pennycook (2004; 2012) ressalta, ainda, a importância de estar atentos aos momentos críticos que acontecem não só na sala de aula, mas também fora dela e que podem, de alguma forma, refletirem-se nela.

Laura: Eu pensei, no slide, né... colocando para aparecer as partes do corpo e aparecendo a legenda em inglês. E depois fazer um BINGO com eles. Eles faziam nove quadrinhos... eu ia fazer o ditado e quem completasse ganhava o brinde. [...] Aí, pego parte do livro que fala sobre a Dengue [...] que mostra como os sintomas são parecidos com os da gripe. [...] E eles falaram. “Tia, a senhora é médica também, é?” Porque lá ((no livro)) eles falam tudo, ne? (risos) e olha... o livro NÃO tá fácil pra eles, não... Você tem que::: ir le::ndo e traduzindo e tentando fazer as coisas não ficarem muito monótonas. Porque eles não dão conta. Mas o livro é muito interessante... tem umas imagens do corpo humano e aí já facilita bastante (TRANSCRIÇAO DE VÍDEO, encontro de 22/8/2014).

O componente lúdico apareceu, também, na aula de Laura, o que sugere uma necessidade das aulas de inglês. Segundo as professoras, sem esse elemento torna-se difícil prender a atenção discente. O material didático foi um aliado para Laura, que pareceu gostar da maneira como o livro apresentou o tema: abordando a diferença entre dengue e gripe. Ela trouxe para a sala de aula uma discussão que se fazia importante no momento: expressou que o livro não se adequava ao nível linguístico dos estudantes, ou seja, considerou o material difícil para seu contexto e encontrou uma solução: ler e traduzir. Embora Laura tenha demonstrado fazer uso de sua agência para lidar com o desnível entre o material didático e os discentes, ela ainda demonstrou uma visão tradicional do ensino de língua inglesa, pois vê a tradução como ferramenta importante para ajudá-los a compreender o que leem.

É interessante a observação de Laura quanto ao comentário dos alunos sobre sua “atuação como médica”. Possivelmente isso denota que, para eles, esse tipo de explicação não é esperado na escola, sobretudo da aula de inglês. Trata-se de uma “surpresa boa” que eles explicam pela possibilidade de a docente ser médica. De fato, o livro já trazia o tema, mas Laura pareceu expandir as perspectivas procurando formas de trabalhar o conteúdo; e ainda que tenha apelado para a tradução, trabalhou o tema como podia, levando aos estudantes um assunto de interesse e que envolve o contexto local.

Talvez tenha faltado mais problematização; por exemplo, falar abertamente do contexto local — políticas públicas e privadas para combater o problema — e do papel de cada um; mas notei, logo no início, que não era comum entre as participantes pensar em questões problematizadoras fora do livro didático. Dito de outro modo, trata-se, também, de um letramento pelo qual elas ainda não haviam passado.

Nesse sentido, convém citar o que pensa Duboc (2012): realizar atitudes pedagógicas com as premissas do Letramento Crítico depende da atitude docente sobre o currículo. A crítica desejada não se encontra pronta no material didático, no professor, nos alunos ou na instituição. Ela está na relação que emerge nessas instâncias. Daí que cabe ao profissional

praticar uma atitude problematizadora nas brechas de sua prática profissional sempre que as encontrar e as julgar relevantes. Notei que, em momentos posteriores, meu papel seria exercitar a preparação de questões problematizadoras com as participantes do curso de formação.

O componente lúdico entrou, também, no plano de aula de Teresa para ensinar sobre as partes do corpo:

Teresa: ((mostrando folha da atividade) Primeiro o vocabulário. [...] Eles vão preencher pra assimilar primeiro a parte escrita. Aí, depois... quando eles já tiverem o vocabulário adquirido, aqui tem as partes e a gente coloca, cada pedaço da parte do corpo... três nomes pra eles assinalarem qual é a correta. E depois um texto e uma cruzadinha [PP: O que tem no texto?). É um diálogo bem engraçadinho que o menino cai... aí ele se machuca... está mancando. Aí ele explica... que foi andar de skate, aí ele caiu machucou a bunda, né... e ele não consegue sentar. E os meninos QUEREM porque QUEREM saber como é que se diz BUNDA em inglês ((risos)). E aí eles vão descobrir (TRANSCRIÇAO DE VÍDEO, encontro de 22/8/2014).

Como diz Roloff (2010), aulas lúdicas devem ser elaboradas com orientações definidas e objetivos específicos; e a professora cumpriu esse quesito do objetivo específico. Para Vygotsky (1994), a recorrência a jogos, por exemplo, pode promover o engajamento, a atenção, a concentração e muitas outras habilidades. No espaço criado pelo brincar, pode acontecer a expressão de uma realidade interior bloqueada pela necessidade de ajustamento às expectativas sociais e familiares.

Contudo, tratar da perspectiva crítica permite ver como importante aliar o lúdico ao crítico. Isso seria uma forma de criar maneiras para que a aula de Língua Inglesa não seja só diversão; isto é, para que considere o papel fundamental de formar cidadãos mais críticos e capazes de atuar de forma engajada na sociedade em que vivem.

Teresa planejou sua aula sem o livro didático. Ela afirmou essa atitude ao responder ao questionário inicial, onde disse que preferia ela mesma escolher os textos e organizar seu material. Quanto a essa atitude, analiso que Teresa parece não perceber brechas no material didático; logo, prefere não usá-lo. Outro ponto observado foi a opção por trabalhar primeiramente com a parte escrita. Presume-se que enfatize a escrita e tradução para, depois, partir para a oralidade. Tal atitude aparenta denotar a crença em formas tradicionais que priorizam a estrutura linguística a despeito de outras habilidades. Na perspectiva crítica, a quebra da linearidade é atitude importante, porque rompem com conceitos fixos e rígidos.

Quanto ao componente crítico, Teresa não apresentou indício de problematização do tema. Com efeito, seus discentes estão numa fase em que essa problematização poderia ajudá-

los a entender mais suas identidades, o poder da mídia sobre a imagem, o bullying ou a sexualidade, dentre outros assuntos. Numa palavra, Teresa poderia ter ido além da ludicidade em sua aula.

Monte Mór (2013) assegura que desenvolver a habilidade de reflexão crítica requer o exercício de um olhar menos ingênuo sobre o mundo e as coisas que nos rodeiam. Acrescento que esse olhar, muitas vezes, tem de ser (re)construído com o exercício de enxergar o mundo segundo construtos desnaturalizados. Passar a conceber de outra maneira o ensino e a aprendizagem de inglês incorporando novas maneiras não significa deixar de fazer tudo que se fazia. Antes, trata-se de avaliar em que medida a metodologia contribui para formar estudantes como sujeitos que vivem em sociedade de maneira crítica e consciente de seu papel, de seu lugar e da possibilidade de provocar mudanças. Certamente, não é tarefa fácil para os formadores nem para os futuros professores abandonar visões tradicionais de ensinar e aprender língua inglesa. Afinal, não se desfazem repentinamente os “condicionamentos” derivados de anos de pensamento forte (VATTIMO, 1985). Daí que a mudança — caso desejável — acaba ocorrendo de forma lenta e progressiva.

O plano de aula de outras três professoras — Glória, Letícia e Luna — apresenta práticas lúdicas, assim como o de Sophia. Esta última, porém, apresentou características que julgo importante analisar, conforme excerto abaixo.

Sophia: eu pensei em trabalhar com as partes do corpo, mas incluindo os pronomes demonstrativos... as questions words... e usaria primeiramente a comunicação... Perguntaria primeiro sobre o corpo deles... se eles GOSTAM do corpo. Porque tem muito essa questão, né? De preconceito deles com o corpo. Aí, convidaria um aluno pra ir à frente.. pra ir fazendo as pe:rguntas sobre as questions words... e os pronomes demonstrativos... Aí, eu usaria um aluno mostrando as partes do corpo no aluno mesmo... Por exemplo, “what is this?” mostrando a mão né?. “It’s hand”. Depois da PRO-NÚ-CIA é que eu mostraria a palavra escrita nos cartõezinhos... pra eles repetirem... depois eu ia trabalhar com imperative forms. Dando ordens pra eles usarem as partes do corpo né?... “Take your friend’s hand”. Aí, DEPOIS dessa comunicação, eu daria uma atividade escrita pra eles completarem com os nomes (TRANSCRIÇAO DE VÍDEO, encontro de 22/8/2014).

Sophia demonstrou se preocupar com o conteúdo proposto no referencial curricular — ao explorar pontos gramaticais (pronomes, questions words, forma imperativa) — e pareceu acreditar que é mais produtivo trabalhar com a oralidade e, só depois, com a escrita. Essa abordagem alude ao método audiolingual, que tem por objetivo levar o aprendiz a se comunicar na língua-alvo através do condicionamento de padrões (estruturas) e da formação de novos hábitos linguísticos. O aluno exercita, primeiramente, as habilidades orais (ouvir e

falar) e, posteriormente, as habilidades escritas (ler e escrever), quando os padrões da língua oral já estiverem internalizados e automatizados. A gramática é ensinada por indução, pelos elementos dados no diálogo, e não são comuns explicações explícitas de regras.

No entanto, notei, no plano de Sophia, momentos de criticidade que não tiveram continuidade, talvez por conta do paradigma de que o uso dos modelos tradicionais fossem mais significativos ou por causa da preocupação em seguir os pontos gramaticais do referencial curricular.

A professora fez uma questão pertinente: “Perguntaria primeiro sobre o corpo deles... se eles GOSTAM do corpo. Porque tem muito essa questão, né? De preconceito deles com o corpo”. A questão poderia dar margem a uma aula crítica, refletindo sobre padrões de beleza preestabelecidos e cultivados socialmente e as consequências para a autoestima de pessoas de faixa etária diversa; por exemplo, ajudando não só a enxergar preconceitos, mas também a questionar padrões — o que ela não fez, talvez por não saber como ou por ter medo de estar “deixando de ensinar inglês” ao partir para uma discussão assim.

Depois que todas as docentes apresentaram suas aulas, houve um balanço em que se falou um pouco sobre o que surgiu de forma geral:

PP: Obrigada, meninas! Acho que as aulas têm muitas características parecidas. O lúdico, por exemplo, a preocupação de vocês com essa parte... Vocês gostam de usar jogos e brincadeiras, né?

Laura: Só assim pra eles se motivarem mais...

Letícia: É... eles adoram... e prestam atenção... Ajuda, né?

PP: Agora, tenho algumas perguntas para vocês discutirem e, depois, compartilharem com o grupo (TRANSCRIÇAO DE VÍDEO, encontro de 22/8/2014).

Conforme o excerto acima, pedi que as professoras pensassem sobre as seguintes perguntas: “1) What did your students learn in this class?”; “2) Did this class promote any reflection about physical description and its implication in people’s life? Could you talk about it?”; “3) Do you think it is possible to problematize this subject? How?”; “4) Did you like your class?”; “5)Would you change anything?”.

Mesmo sendo incitadas por meio das perguntas que fiz a pensar sobre a aula do corpo e descrição física como instrumento de reflexão, percebi que as participantes não pareceram cogitar a possibilidade de trabalhar o tema de maneira mais crítico-reflexiva, abordando, por exemplo, discriminação, modelos de beleza e outros temas que surgem socialmente quando se fala da descrição física de pessoa. Não responderam às perguntas 2

e 3, o que me levou a perguntar se sabiam o que era “problematizar”. Houve silêncio. Expliquei o conceito de problematização:

Elisa: é.. só uma perguntinha... vocês sabem o que é problematizar?

Luna: A problematização... é isso aí mesmo, professora, que eu perguntei pra eles... AGORA você::: vai perguntar pra seu colega, uma pergunta para seu colega sobre uma parte do corpo... agora é com você! Aí eu vou perguntar “o que você perguntou pra ele?”. De DUPLA... agora vamo de dupla. A problematização seria essa professora (sorrindo) .

Elisa: (...) bom... não é isso... o que você está falando é interação, é diferente... problematização trata uma situação como questionável... Problematizar é analisar, é discutir os pontos mais probleamáticos de um assunto... coloca um tipo de conhecimento como um problema (+) permitindo discutir sobre novos pontos de vista, consciência, reflexão, esperança e ação para /emergir/”. Então problematizar é pensar criticamente (+++) é romper o senso comum. O que mais vocês entenderam?

Professoras: Em silêncio.

Elisa: isso é problematizar. Problematizar é analisar, é discutir os pontos mais difíceis de um assunto... vocês acham que nessas aulas apresentadas houve alguma problematização? Vou mostrar isso num slide... Peraí... (procurei no Google um conceito mais claro, pois percebi que não havia explicado de uma forma esclarecedora) (TRANSCRIÇAO DE VÍDEO, encontro de 22/8/2014).

Dando prosseguimento, mostrei uma parte de um programa americano chamado Tyra

Show,27 onde a apresentadora Tyra fala sobre crianças que alisam os cabelos e questiona o porquê

das mães alisarem os cabelos das crianças. Ou seja, ela problematiza o assunto. Após o vídeo, perguntei se tinham gostado e o que acharam do programa. Veja parte da discussão sobre o vídeo:

Elisa: ... E aí meninas? O que vocês acharam do vídeo? Vocês gostaram? O que o programa problematiza?

Laura: Acho que levanta a questão da aceitação do cabelo afro... do

bullying... assim... do alisamento... porque que a pessoa alisa e tal...

Glória: Mas em compensação, Elisa, os alisantes de lá é muito diferente... Num quebra... Também é o manuseio, mas os cremes são muito bons. Tem uma mulher lá no Rio que trabalha com outros tipos de alisamento, com produtos vindo dos Estados Unidos e é totalmente diferente dos produtos comercializados aqui. (+) Mas você pode observar nos filmes (baixa o tom e suaviza a voz)

Elisa: Mas você acha que facilita o fato dos produtos serem melhores? FACILITA a vida dessas crianças?

Glória: Eu acho que sim... (+) até mesmo pra não precisar levantar cedo pra poder arrumar...

Elisa: Mas não seria melhor se não existisse discriminação? Porque elas nem precisariam passar...

27 Tyra Show, “What is a good hair” (part 4). Disponível em:

[Sophia: mais eu acho até mesmo que por uma questão de bem estar... você estar bem... você estar com o cabelo arrumado. Por que NÃO é esse o IDEAL?] (aumenta o tom)

Vivian28: [mas o pensamento de você ESTAR BEM já está incutido nessa questão

((fala apontando para a cabeça, como sinal de algo que está dentro)) Construiu-se esse pensamento de que “estar da forma que está não está bem”... entendeu? agora (+) vamos assim ver na África... eles não se importam muito com essa questão... porque todos têm o cabelo assim....

Elisa: Vocês percebem esse tipo de discriminação dentro da sala de aula com os alunos ou com vocês mesmas?

Todas: Ah eu já passei por isso... Ah é o que mais tem...

Luna: se assanhar um pouquinho do jeito que ta aí. (dizem) PROFESSO:::RA. A senhora não tá fazendo chapinha no cabelo? Eu ZANGO logo. Digo RAPAZ...

Vivian: eu gosto do meu cabelo cacheado do jeito que ele tá aqui... (+) Aí vai é do meu humor. Eu uso CACHEADÍSSIMO mesmo. Eu faço os CACHOS.

Glória: Já tem pessoas (+) por exemplo... Lá na escola onde eu trabalho que é bra::nca, dos olhos claros e agora ela resolveu usar o cabelo black power... mas já é porque ela quer chamar a atenção... porque ela acha que daquela forma ela vai atrair atenção porque ela não tá sendo preconceituosa... ela não quer ser negra, ela tá querendo forçar... mas se você.. e outras meninas afro mesmo não estiverem com o cabelo liso... se ele não tiver arrumado... VÃO ZOMBAR MESMO. Se o aluno chegar na sala de aula sem o cabelo ESPIXADÃO, vai chamar atenção MESMO... (TRANSCRIÇAO DE VÍDEO, encontro de 22/8/2014).

As professoras, nesse momento do curso, discutiram e relataram sobre situações de racismo e preconceito. O apontamento de Glória sobre a garota branca que usa cabelo

black power tem sido bastante discutido por grupos antirracismo, feministas etc. Porém,

noto que ainda não há esse tipo de discussão nas escolas, muito menos nas aulas de Língua Inglesa.

A fala de Glória permite observar que houve um caso de apropriação cultural:29 a garota branca se apropriou do cabelo black power, que é considerado bonito quando está sendo usado por ela — branca. Porém, quando a negra ou o negro usam-no naturalmente, sofrem preconceito: “[...] se ele (cabelo) não tiver arrumado... VÃO ZOMBAR MESMO. Se o aluno chegar na sala de aula sem o cabelo ESPICHADÃO, vai chamar atenção MESMO...”.

28 Professora Vivian não continuou no grupo. Teve um acidente vascular cerebral e entrou de licença. Sua

participação se resume a quatro encontros. Felizmente, ela se restabeleceu e estará de volta ao grupo em 2016. Aparece em algumas transcrições por ter feito contribuições pertinentes e ser participativa.

29 Um termo conceitualizado pela antropologia que procura definir o ato de se utilizar ou adotar hábitos, objetos

Em seu texto “Alisando nosso cabelo”,30 Hooks (2005, p. 48) diz que,

[...] apesar das diversas mudanças na política racial, às mulheres negras continuam obcecadas com os seus cabelos, e o alisamento ainda é considerado um assunto sério. Insistem em se aproveitar da insegurança que nós mulheres negras sentimos com respeito a nosso valor na sociedade de supremacia branca!

A autora alerta que o sentimento de inferioridade ainda existe, mesmo com as mudanças políticas já ocorridas. Creio que se a escola não trabalhar sobre estes temas nas aulas, ainda levará mais tempo para diminuir o racismo. Reafirmo que a aula de inglês é um espaço propício para trabalhar esse assunto e contribuir para uma possível transformação