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Maria de Fátima Mendes

Agradecendo o amável convite que me foi feito para participar nesta actividade académica e cultural gostaria de sublinhar que a breve apresentação que preparei, consiste no olhar na vertente de leitora, uma pessoa que aprecia literatura no sentido amplo do termo, pois como diplomata sou, fundamentalmente uma generalista.

Por esse motivo procurarei ser breve e a experiência profissional conduzir-me-á a destacar a vertente da escrita de alguns diplomatas, os chamados diplomatas-escritores.

Porém, antes de me debruçar sobre esta visão panorâmica da lite- ratura portuguesa, partilharia com todos vós a importância em frisar a língua portuguesa, em destacá-la, realçando o esforço e o empenho de professores e todos quantos laboram quer na universidade quer no quotidiano para a sua utilização, conhecimento e divulgação, através da programação de actividades permitindo a expansão do uso e co- nhecimento aprofundado da nossa língua, pelo que destaco a Prof. Rosa-Maria Frèjaville e a sua equipa.

Baseando-me na minha formação académica, a língua portuguesa é utilizada há oito séculos, os quais coincidem com a nossa História en- quanto povo e que constituem o nosso bilhete de identidade nacional, do país desde a sua fundação até ao momento presente, no séc. XXI.

O nosso país funcionou em várias formulações geográficas; e com origem nesses períodos criar-se-ão identidades próprias que serão res- ponsáveis por uma plêiade de escritores que darão um testemunho dessa vivência e desses diferentes projectos.

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Se nós olharmos para a literatura como um conjunto de produções literárias, de uma época, de um país, a literatura será, em primazia, a expressão individual de quem passa à forma escrita a sua projecção li- terária, de quem pretende passar a escrito uma parte da herança colec- tiva, através da prosa ou da poesia.

Poder-se-ia dividir a literatura em literatura de afirmação, de con- testação, científica ou de ficção, para focar somente os tipos mais mar- cantes. A primeira, marcaria a génese literária concomitante com o evoluir histórico da consolidação do país, a segunda personificaria o descontentamento, a rebelião, como, por exemplo, os panfletos clan- destinos circulados num determinado círculo no período do domínio filipino, expondo publicamente factos ou situações conducentes a ger- minar uma má vontade contra os governantes.

Mais tarde, deparar-nos-emos, por exemplo, com Rafael Bordalo Pinheiro e a abordagem humorística da vida política nos últimos anos da monarquia no ainda séc. XIX, alimentando a contestação ao regime monárquico, expondo, ou até ridicularizando, algumas das suas ver- tentes compósitas, antevendo o culminar da situação com o eclodir da República. Mais tarde, surgiria a literatura de contestação no período do Estado Novo.

No respeitante à literatura científica poder-se-á referir Garcia da Orta e os seus trabalhos de pesquisa, Egas Moniz, prémio Nobel da Medicina em 1949, o Prof. Luís Archer, Prof. Sobrinho Simões e jovens cientistas premiados no séc. XX e, já no nosso século, esperanças maio- res nalguns casos de relevo e dedicação à causa da investigação.

Por último a literatura de ficção, a qual parte de ideias e factos, re- criando-os num cenário que a mente constrói. Enquanto leitora, con- sidero que a literatura de ficção acaba por ser uma projecção de quem escreve, mas uma projecção que engloba as suas leituras, o universo de cada escritor, todo um conjunto de elementos que aquele traz consigo para a escrita, na qual tudo isso extravasa e encontra o seu espaço, a sua dimensão própria em cada uma das suas criações.

Nesta senda, referir-me-ia a uma escritora que já não está em con- dições de falar connosco, Agustina Bessa-Luís. Numa conversa tida em 2001 dizia-me que andava “ultimamente a pensar que Nossa Senhora fora uma mulher rica” e por isso iria integrar numa obra essa ideia que

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procurava fundamentar há já algum tempo. Partilho este exemplo, pois considero muito curioso que um escritor pense, reflicta sobre uma ideia de forma a transpô-la para uma obra que ainda não está gizada. Numa outra obra, o Concerto dos Flamengos, Agustina consegue entrelaçar a história da Flandres com o arquipélago dos Açores e nou- tras produções de sua autoria, sobre Pedro e Inês, ou sobre o Marquês de Pombal, verifica-se que, quem escreve conhece história, coloca hi- póteses e vislumbra soluções que encerram muitas perguntas, um uni- verso, um imaginário que contém referências históricas.

Do ponto de vista histórico, algo que também coincidiu com a Es- panha, na época medieval distinguiram-se as cantigas de amor, de es- cárnio e mal-dizer, o teatro o qual entre pantomimas e quadros histórico-religiosos, ou da vida quotidiana permitia a muitos, sem acesso à leitura, conhecerem factos históricos, ou sociais, ou referências mitológicas, em locais religiosos ou profanos.

O humanismo trazer-nos-ia, mais tarde, o Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, a prosa de Fernão Lopes, anterior, e os cronistas de um país que se expande, que vai conhecer outros espaços e que tornará Lisboa numa acolhedora cidade multicultural e multilingue.

Aludiria agora a Gil Vicente, cujo teatro, cujas personagens que co- nhecemos no Auto da Barca ou no Auto da Índia se assemelham a per- sonagens que conhecemos nos nossos dias, embora apresentados sob outras roupagens, mas com as mesmas características psicológicas.

Na época moderna, após a afirmação renascentista destacar-se-ia Luís de Camões, poeta lírico e épico, referência em várias partes do então Portugal, surgiria Bernardim Ribeiro com a sua novela Menina e Moça ou, um pouco mais tarde, António Ferreira que escreverá uma peça de teatro sobre os amores de Pedro e Inês.

A capacidade oratória, nalguns exemplos mesmo arrebatadora, destaca-se na figura do Padre António Vieira, pregador e exímio ora- dor, que influencia e persuade através de parábolas e metáforas.

Na época moderna, Barbosa du Bocage, poeta satírico e acutilante, relacionado com a França, através da linha materna, retrata a sociedade da época de modo quase implacável.

Mais perto de nós, no séc. XIX, sublinharia Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco e Fernando Pessoa (até ao séc. XX). De entre estes, e

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pela proximidade funcional, destacaria Eça de Queirós, poeta realista, vulto maior da nossa literatura, um escritor que exerceu funções di- plomáticas e consulares e, nessa qualidade, foi um dos primeiros que enviava relatórios muito completos sobre o país ou cidade onde vivia e trabalhava, os quais abordavam as questões de cariz económico, algo que hoje em dia faz parte dos nossos deveres funcionais.

Nesta breve sobrevoo da literatura em língua portuguesa gostaria de assinalar a importância dos salões literários (como o organizado pela, e em redor, da marquesa de Alorna) e as tertúlias literárias en- quanto espaços de leitura informal, debate e divulgação de obras num círculo fechado mas ao qual muitos tinham acesso. Relembro o caso de Natália Correia no Botequim.

Já na contemporaneidade, José Saramago, um homem com uma vivência política de oposição e de procura da liberdade, viria a ser con- templado com o prémio Nobel da Literatura em 1998.

Outros escritores demonstraram a sua ligação à terra que os vira nascer, veiculando um apego especial ao país, uma força telúrica como Miguel Torga (médico e poeta) e Sophia de Mello Breyner (poetisa) cuja obra reflecte uma dedicação quase panteísta à natureza.

Relativamente a escritores diplomatas, ou a diplomatas que escre- vem, pretenderia referir-me a D. Luís da Cunha, o qual, no seu testa- mento político em que acompanha e prepara o futuro Rei D. José I falando-lhe das pessoas e da futura conduta a seguir.

Já no séc. XX apresentaria Franco Nogueira, ministro dos Negócios Estrangeiros e exímio escritor e, ainda, Paulo Castilho, álvaro Guerra, José Cutileiro, José Augusto Seabra, Marcello Duarte Mathias e Luís Castro Mendes. Sendo diplomatas de carreira ou nomeados oficial- mente admiro a disponibilidade mental e intelectual para se dedicarem a escrever, como é o caso de Luís Castro Mendes, nosso Embaixador junto do Conselho da Europa, com uma recente obra sobre o funcio- namento dos mercados intitulada A misericórdia dos mercados.

Quando recolhemos ao nosso espaço rectangular na Europa, dei- xámos algumas sementes a nesses locais houve pessoas as quais, em oposição à antiga potência colonial ou por sua iniciativa começaram a evidenciar-se pela escrita interventiva ou de cariz imaginário, Luandino Vieira ou Pepetela ou, como o caso de Ondjaki, um jovem escritor an-

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golano muito original pela sua liberdade de expressão, liberdade de uti- lização do português, pela criação de novos vocábulos.

Numa outra latitude, Luís Cardoso Noronha, um homem que se dedicou à escrita para dar a conhecer na sua Crónica de uma travessia a vivência de um jovem timorense, a sua afirmação identitária e o seu encontro com outros mundos. Jorge Amado, com a sua escrita onírica eivada de análise social ou Mia Couto, demonstram como se conse- guem criar mundos paralelos, concomitantemente com vidas profis- sionais preenchidas como António Lobo Antunes ou Miguel Torga (o médico Afonso Rocha).

Na diáspora encontramos outros escritores, uma literatura com vincado carácter autobiográfico, muito própria, transmitida quase como um grito de dor e de afirmação (Brigitte Paulino Neto, por exem- plo, que vai, até, muito para além desse registo), um testemunho vi- vencial da nossa diáspora, quer em prosa quer em verso, os quais pretendem constituir um contributo reflectido para os seus concida- dãos, onde quer que se encontrem, em França, no Brasil, nos EUA. A este propósito aludiria a John Dos Passos, influente na literatura norte- americana, expoente maior do seu século.

Neste rápido olhar, sob o ângulo de uma simples leitora, gostaria, em jeito de conclusão, de referir a diversidade e a riqueza do panorama da língua portuguesa, vastíssimo mesmo, que nos permite conhecer quem escreve, a sociedade na qual está inserido, ou foi acolhido, um reflexo da diversidade de experiências vividas.

Há língua portuguesa em qualquer continente no nosso Mundo actual. Nós não só podemos ter uma língua de afectos como referiu ontem S.E Secretário de Estado para as Comunidades Portuguesas mas uma língua de partilha, onde todos nós nos reconhecemos e somos únicos.

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