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Vencidas as questões legais e formais, a trajetória da pesquisa ganha corpo, é hora de relatar. Assim, o Centro de Socioeducação de Pato Branco constitui-se como entidade de atendimento responsável pelo adolescente ao qual foi atribuída a prática de ato infracional, após o devido processo legal.

Os Centros de Socioeducação do Paraná também percorreram trajetórias até estar em processo de adequação a atual legislação que trata do tema: o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase (Lei 12.594/12).

O Sinase regulamenta a aplicação das medidas socioeducativas (MSE) previstas no Artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente17. A MSE de internação será aplicada ao adolescente pela autoridade judicial e o mesmo deverá ser encaminhado às instituições destinadas a esta finalidade.

No entanto, apenas a letra da lei não muda a realidade. No Estado do Paraná pode-se considerar como marco no atendimento socioeducativo a gestão 2003-2006 por meio do Instituto de Ação Social do Paraná – IASP, ou seja, dezesseis anos após a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente. O IASP, autarquia vinculada a Secretaria de Trabalho, Emprego e Promoção Social, na época, realizou um diagnóstico do atendimento ao adolescente em cumprimento de MSE e delineou alguns problemas:

[...] dentre os maiores problemas, déficit de vagas; permanência de adolescentes em delegacias públicas; rede física para internação inadequada e centralizada com superlotação constante; maioria dos trabalhadores com vínculo temporário; desalinhamento metodológico entre unidades; ação educativa limitada com programação restrita e pouco diversificada e resultados precários (PRADO; BATISTA, 2011. p. 267).

Diante do quadro apresentado, algumas ações foram realizadas, dentre elas a construção de unidades com novos padrões arquitetônicos e a realização de

17 Medidas Socioeducativas do Artigo 112 do ECA: I – advertência; II – obrigação de repara o dano; III

– Prestação de serviços comunitário; IV – liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no Artigo 101, I a VI (Lei 8.069/90).

concurso público para efetivação de quadro de profissionais para o atendimento socioeducativo no Paraná. Atualmente, a execução das medidas socioeducativas de privação e restrição de liberdade é mantida pela Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SEJU). Através do seu Departamento de Atendimento Socioeducativo (DEASE) são mantidas unidades de internação e casas de semiliberdade, que compreendem dezoito Centros de Socioeducação que atendem internação e/ou internação provisória; e oito Casas de Semiliberdade, distribuídos nas três regiões do Estado, perfazendo um total de 1032 vagas instaladas até o ano de 2015.

Mas, sem eufemismos, as unidades de internação para adolescentes embora possuam um ordenamento legal baseado em princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar à pessoa em desenvolvimento, direcionados ao adolescente em conflito com a lei, elas podem ser vistas, dependendo da abordagem, como um local para punir, para aprisionar aqueles que cometeram alguma infração.

Pode-se dizer, sob este prisma, que o encarceramento é entendido como uma resposta à sociedade como forma de inibir a prática de atos considerados crimes. E, diferentes concepções circulam em torno do tema. Mesmo sendo possível observar as modificações ocorridas na história das punições (Foucault, 1987) desde o desaparecimento dos suplícios (os espetáculos em praça pública) até o encarceramento nos modos atuais, as discussões em torno das penas se dividem em duas concepções antagônicas, uma tradicional e outra crítica:

[a primeira] compreende haver no indivíduo criminoso uma condição de periculosidade. O cárcere será ideal quanto mais ele for capaz de conter essa periculosidade. Tem como meta prioritária, conter o delinquente, mantendo-o segregado da sociedade. [a segunda] Compreende haver na pessoa encarcerada, decorrente da condição de exclusão e segregação sociais, uma condição de vulnerabilidade. Defendem a promoção da cidadania, independentemente da necessidade da flexibilização das regras de contenção do cárcere (JULIÃO, 2014. p. 71).

Antagônicas, porém presentes dentro de todos os extratos do Centro de Socioeducação, desde a rotina dentro de cada unidade, até a formulação das políticas de segurança e de atendimento socioeducativo no contexto mais amplo. Para Latour (2012), esse antagonismo pode ser compreendido como controvérsias e que se expressam no dia a dia da unidade, no trabalho executado pelas equipes de dirigentes, de técnicos, de educadores sociais, da copa, da manutenção.

Uma ação por vezes não alinhada, na qual percorrem tanto a concepção tradicional que vê a disciplina como elemento principal, reproduzindo o que Foucault (1987) considera como uma modalidade de poder que se caracteriza por medir, corrigir, hierarquizar, como também torna possível um saber sobre o indivíduo; bem como, tentativas de ações críticas voltadas a superar a ideia de que o trabalho socioeducativo com adolescentes se resume a restituição à sociedade pela infração cometida.

Em suma, os reformadores, em sua grande maioria, a partir de Beccaria, procuraram definir a noção de crime, o papel da parte pública e a necessidade de uma punição, partindo tão-somente do interesse da sociedade ou unicamente da necessidade de protegê-la. O criminoso lesa, antes de tudo, a sociedade; ao romper o pacto social, passa a constituir-se nela como um inimigo interno (FOUCAULT, 1997. p. 32-33).

Na prática multidisciplinar, diferentes visões e ações convivem diuturnamente, ininterruptamente.

O atendimento socioeducativo, a atuação com adolescentes privados da liberdade pode ser considerada como um espaço em que o conflito está presente constantemente. Tanto no contato direto com os adolescentes durante a rotina executada, quanto entre profissionais frente aos desafios enfrentados do dia a dia e a necessidade de encontrar aportes para os encaminhamentos necessários às demandas dos adolescentes, tanto internamente, quanto no acionamento da rede externa à unidade.

O Centro de Socioeducação de Pato Banco, localizado na Região Três18 do Estado do Paraná recebeu, no ano de 2007, equipe efetiva ingressante por meio de concurso público. Naquele ano, ingressaram funcionários efetivos nas funções de Educadores Sociais, Psicólogo, Assistente Social, Pedagogo, Técnico de Enfermagem, Motorista, Auxiliar de Manutenção, Assistente Administrativo. Além destes profissionais, a unidade dispõe de professores efetivos da Rede Estadual de Educação e profissionais terceirizados (copa e zeladoria).

Este se constitui o quadro profissional, as pessoas no mundo da instituição, ou o que Goffman (2007, p. 69) chamou de o “mundo da equipe dirigente.” Para

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Desde 2006 quando o Estado do Paraná passou a gerir todas as unidades de execução das medidas socioeducativas de internação, internação provisória e semiliberdade, estas foram agrupadas em três regiões: Região 1 (municípios de Ponta Grossa e Região Metropolitana de Curitiba); Região 2 (municípios de Paranavaí, Umuarama, Londrina, Maringá, Campo Mourão e Santo Antonio da Platina); Região 3 (Cascavel, Foz do Iguaçu, Toledo, Laranjeiras do Sul e Pato Branco). Distribuídos os dezoito Centros de Socioeducação e oito Casas de Semiliberdade (SEJU, 2017).

esse autor, as instituições totais19 se apresentam ao público como organizações racionais, planejadas, com eficiência para atingir uma finalidade, ou seja, “... a reforma dos internados na direção de algum padrão ideal.” (GOFFMAN, 2007. p. 70) Mas, para o autor existe uma contradição entre o que a instituição realmente faz e aquilo que oficialmente deve dizer que faz.

Goffman (2007) enumera diferentes contradições nas instituições que atendem internos, dentre as quais, é possível destacar as relações com as pessoas, tanto com internos e suas demandas, como entre os profissionais seus afetos e desafetos; os objetivos e perspectivas da instituição frentes às exigências dos internados; e, a insatisfação profissional frente às demandas burocráticas da instituição (regras, sanções e privilégios).

Estas relações, para Latour (2012), associações entre atores diversos, que coexistentes na unidade de internação para adolescentes em conflito com a lei é que forjam sua existência. São os profissionais que permanecem longo tempo dentro da unidade e que constroem vínculos; são adolescentes privados da liberdade e suas famílias com a transitoriedade característica, que tecem a rede, que lançam o “Fio de Ariadne”20

e que poderão, por meio das próprias ações, mostrar caminhos, apontar rotas possíveis, enfim desenhar e redesenhar a Rede.