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2.3 Dilemas Sociais e a Decisão de Cooperação

2.3.2 A Lógica de Ação em Dilemas Sociais

A estrutura de recompensas desses jogos é, portanto, tal que cada parte é motivada a não cooperar, embora, paradoxalmente, todos prefiram o resultado de cooperação mútua ao de oportunismo mútuo. Daí, a afirmação que a racionalidade individual leva à irracionalidade coletiva.

Sendo assim, podemos dizer que, em dilemas de múltiplos atores, cada membro de um grupo pode normalmente fazer duas escolhas: ser cooperativo ou oportunista. A escolha oportunista é a melhor escolha individual para cada jogador, visto que é ela

(a) Desacelarada (b) Linear (a) Acelarada (b) Provisão de Pontos

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que provê o maior payoff em comparação com a decisão de cooperação, independente das escolhas feitas pelos outros membros do grupo. A contrapartida da escolha oportunista é que ela reduz os payoffs de todos os elementos do grupo. Além disso, o impacto dessa redução é tão considerável que se todos os membros do grupo optarem pelo comportamento oportunista, todos eles irão auferir rendas menores do que se todos tivessem optado pela cooperação (MESSICK; BREWER, 1983).

Portanto, podemos dizer que, nessas situações, a decisão de agir de maneira oportunista é a estratégia dominante, visto que é a escolha que oferece os melhores resultados, a despeito de qualquer escolha feita pelos outros jogadores. Essa constatação decorre do fato que dilemas sociais se caracterizam por, pelo menos, um equilíbrio deficiente (KOLLOCK, 1998). Equilíbrio, porque os jogadores não têm incentivos para alterar seu comportamento e, deficiente, porque é um resultado subótimo, na medida em que há outros resultados em que os jogadores poderiam estar em melhor situação.

Podemos perceber melhor essa lógica, ao utilizarmos um exemplo numérico de um dilema. Para isso, imaginemos um jogo de provisão de bem comum muito próximo ao que desenvolvemos na pesquisa deste trabalho e sobre o qual discorremos nos capítulos posteriores. No momento, vale concebermos uma situação mais simples do jogo:

Um grupo formado por quatro jogadores, sendo que cada um deles recebe uma dotação inicial de 5 moedas. Cada um deles pode escolher investir qualquer valor dessas 5 moedas em uma conta de investimento de grupo. Assim, cada um, simultaneamente e sem nenhuma maneira de se comunicar, colocará um valor entre 0 e 5 em um envelope. Aquilo que não for contribuído permanece com o jogador. O valor contribuído por cada jogador para essa conta de grupo será somado e duplicado e, então, dividido entre os quatro membros do grupo, independente do valor da contribuição. Assim, cada um recolherá de benefício da conta do grupo metade do total das contribuições feitas. Nenhum dos jogadores saberá a contribuição dos outros sujeitos do grupo.

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A questão nesse jogo é saber o que se pode esperar em termos de cooperação. Das teorias para explicar o que se espera que aconteça, podemos ressaltar duas vertentes: a econômica e a sociológica (KAGEL; ROTH, 1995). Em uma delas, relacionada à predição econômica da teoria dos jogos, espera-se que ninguém contribua nada. Cada potencial contribuinte tentará se aproveitar da contribuição dos outros. A partir dessa visão, a estratégia dominante é escolher 0, uma vez que cada 1 moeda contribuída para a conta de grupo renderá apenas 0.5 moeda para seu contribuinte, independente do que os outros decidam. Porém, todos os jogadores estarão melhores (recebendo 10 moedas cada um), se todos eles contribuírem 5 moedas para a conta de grupo, pois com essa decisão cada 1 moeda investida no grupo renderia 1.5 moedas a custo nenhum para eles.

No entanto, sob uma visão sociológica, a predição se altera consideravelmente, visto que ela prevê que cada membro irá sim contribuir alguma coisa. Esse prognóstico de cooperação se deve ao que eles chamam de altruísmo, normais sociais ou identidade de grupo. Assim, ao contrário da predição econômica, onde o interesse individual conflita com o de grupo, nessa visão, esse conflito não necessariamente existiria.

Maitland et al (1985), ao comparar os pressupostos de Williamson (1981) e Ouchi (1980), ajuda a clarificar um pouco mais as divergências entre as duas abordagens. Na explicação de Williamson, mais próxima da vertente econômica, o grande problema da cooperação é o oportunismo dos agentes (mesmo que nem todos ajam assim, fato é que é custoso separar quais agentes são confiáveis e quais não são), que baseiam suas decisões em puro cálculo dos retornos esperados de suas ações. Dessa maneira, entende-se porquê essa abordagem prediz a ação não-cooperativa como estratégia dominante, visto que é ela que proporcionará o melhor retorno a um agente que supostamente age exclusivamente guiado por uma lógica utilitarista de busca do interesse próprio.

Já na explicação de Ouchi, mais ligado a uma vertente sociológica, a cooperação depende de todas as partes enxergarem os termos da troca como justos. Se for este

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o caso, as partes confiam que ninguém irá explorar uma possível posição superior de barganha para alterar os termos da transação (tornando-a injusta) a seu favor. Assim, nessa lógica, ainda que os agentes estejam interessados em auferir benefício da troca, sua busca pelo interesse próprio é temperada por alguns restrições normativas, como a reciprocidade e o senso de eqüidade, por exemplo.

Pelo exame dos dados de experimentos, porém, Kagel e Roth (1995) argumentam que nem a vertente econômica, nem a sociológica estão totalmente corretas. De acordo com os autores, os experimentos geralmente apontam uma taxa de 40 a 60% do ótimo de cooperação do grupo. No entanto, eles sublinham que esses resultados não variam necessariamente devido a um orientação mais egoísta ou altruísta da amostra, mas de alterações nos parâmetros de payoffs e outras características institucionais, que têm impacto significativo nos níveis de cooperação encontrados em jogos de bem comum.

Assim, uma vez que o nível de cooperação encontrado nos experimentos fica acima do previsto pela predição econômica, mas também se observa a existência de um

potencial de free-riding (ao contrário do que prevê a explicação sociológica) e,

considerando que esse comportamento não se deve a um possível erro nas decisões, fruto do não entendimento da estrutura do jogo pelos jogadores (ANDREONI, 1995), vale então procurarmos explicações em modificações de algumas variáveis institucionais do ambiente do jogo experimentado.

Dessa forma, dilemas sociais, como os modelos de provisão de bem comum, são situações em que o interesse privado pode não estar de acordo com o interesse coletivo (LIEBRAND ET AL, 1986), na medida em que estão disponíveis duas estratégias de ação: escolhar a alternativa de cooperar, servindo ao interesse coletivo, ou escolher comportar-se de maneira oportunista, de modo a servir ao interesse privado. No entanto, essas escolhas podem ser expressivamente impactadas pelos tratamentos experimentados nesses jogos. Dessa maneira, vale discorrermos sobre os principais mediadores de cooperação no tipo de dilema social que o trabalho se focou: jogos de provisão de bem comum.

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