• Nenhum resultado encontrado

A lógica do Estado de Bem-Estar Social: um novo Código de Menores

Parte I – Fundamentação Teórica

Capítulo 1 Breve histórico do atendimento à infância e adolescência no Brasil:

I.1.2 A criança e o adolescente pensados sob a perspectiva de uma política

I.1.2.2 A lógica do Estado de Bem-Estar Social: um novo Código de Menores

Devido a intensas denúncias de corrupção no SAM, no sentido de que alguns órgãos estavam falsamente abrigando “menores desvalidos”, dentre outras denúncias tão graves quanto esta, o Código de 1927 acabou por sucumbir diante do fracasso no trato de crianças e adolescentes. Deu espaço para um momento político efervescente no qual o Brasil se encontrava para aprimorar este sistema, efetuando a possibilidade de novas doutrinas nortearem a execução os serviços de assistência e de políticas para as crianças e os adolescentes deste momento histórico.

Foi diante de grandes mudanças de ordem política e econômica que o Novo Código de Menores foi construído. O Brasil passava por um momento político tenso. A política econômica do governo militar seguia uma linha desenvolvimentista, buscando uma aceleração do crescimento que intensificasse a modernização do país. Com a vigência da doutrina da segurança nacional, o militarismo que regia o país intensificou a vigilância sob as camadas pobres da sociedade, de modo que se pudesse conter as ameaças de desordem nas ruas das grandes cidades.

Diante do golpe de 64, a questão da assistência à infância e à adolescência passou para a esfera da competência do governo militar. Para tanto, o governo via, neste contexto, um problema de segurança nacional, julgando-o como “objeto de sua intervenção e normalização” (Evangelista, 2011). Assim, as crianças e adolescentes também foram alvo

de coerção e repressão por parte do Estado militar com o intuito de manter a ordem, contendo a população.

Durante a vigência da doutrina da segurança nacional, e com muitas discussões e intervenções acerca da defesa da criança e do adolescente, foi criada a FUNABEM (Fundação Nacional do Bem Estar do Menor), órgão de caráter e normativo, responsável pela elaboração de uma política de atenção a infância e adolescência, “mediante estudo do problema e do planejamento das soluções, e a orientação, a coordenação e a fiscalização das entidades que executem essa política” (Marcílio, 2006)

A criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), que fundamentou o arcabouço crítico, teórico e ideológico e a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNABEM), tinham o objetivo concreto de executar as ações nesta área. A questão interessava à Segurança Nacional no combate direto às ameaças comunistas, para que estes não se tornassem vulneráveis a suposta entrada comunista no país. Daí, foi com controle autoritário e centralização do poder que a Doutrina da Segurança Nacional conduziu as questões relativas às políticas para crianças e adolescentes no Brasil.

Diante destas discussões, no ano de 1979, o Novo Código de Menores foi sancionado enquanto legislação que objetivava defender os direitos de crianças e adolescentes no país. Contudo, esta lei estabelecia em suas linhas a consagração da noção do “menor em situação irregular” (Rizzini, 2008), fazendo da criança e do adolescente que estivesse em condições de vulnerabilidade e risco social, como se refere na atualidade, um indivíduo assujeitado, objeto de intervenção judicial (Lei nº4.513, 1979). Mais uma vez, na história das políticas voltadas para infância e adolescência, a legislação era direcionada não para a integralidade dos sujeitos, mas apenas para parte deste seguimento, e abrangia somente os filhos da classe mais pauperizada. O novo código foi criado para atuar junto às “crianças abandonadas”, que estivessem com

vivência nas ruas, cometendo infrações, trabalhando precocemente, enfim, em situação de vulnerabilidade. Filhos de pobres. Aquelas crianças e adolescentes, filhos de classe média, não consistiam objeto destas ações. Como se vê:

Art. 1º Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores: I - até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular;

II - entre dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos em lei (Brasil, 1979). Para maior clareza quanto à definição de situação irregular, na perspectiva do Código de Menores de 1979, segue:

Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:

a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;

b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;

Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;

III - em perigo moral, devido a:

a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;

IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;

V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;

VI - autor de infração penal (Lei nº4.513, 1979).

Vê-se que esta legislação bastava somente para os filhos de pobres e miseráveis, isto é, para todo aquele que demandasse ação do Estado. Fato este que pode justificar o

índice de adolescentes e jovens pobres que lotam as unidades de privação de liberdade nos tempos de hoje no Brasil, em sua imensa maioria, filhos de pobres, negros e considerados em “situação irregular”.

Foi neste contexto histórico e político que Instituto Estevam Machado, hoje, Centro Educacional - Pitimbu (CEDUC-Pitimbu), uma das primeiras unidades de privação de liberdade para adolescentes no RN, foi criado. No ano de 1979, mesmo ano do Novo Código de Menores, sob a égide da Doutrina da Situação Irregular, sob as premissas da Fundação Nacional do Bem Estar Social, foi construído para receber adolescentes em situação irregular que estivessem em desacordo com as normas da sociedade, cometendo “crimes”. Portanto, uma unidade de internação para adolescentes do sexo masculino.

Durante a vigência do Código de Menores de 1979, muitas mudanças sociais e políticas aconteceram no país. Os mecanismos governamentais de aceleração do crescimento, junto com a forte retomada do capitalismo possibilitou a abertura para a discussão e implantação de novas políticas internas. A sociedade passou a pressionar, com mais veemência, seus direitos sociais. Os movimentos sociais foram às ruas reivindicar direitos das camadas populares. A democracia passou a prevalecer ante a incidência militar e, desta forma, novas políticas sociais passaram a ser pensadas e implantadas no país.

O processo de redemocratização política estava posto. Uma nova Constituinte, agora, mais progressista, mais aberta ao campo democrático passou a vigorar. Tanta abertura de ideias e de pensamento político possibilitou a mudança no pensar a criança e o adolescente do Brasil. O Código de Menores já não alcançava as expectativas e as exigências da sociedade civil nos serviços de proteção da infância. Esta última passou a ser pensada em sua integralidade, como sujeito com direitos perante a sociedade e perante

o governo. Surgiu, assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente – o ECA – uma nova forma de proteger a criança e o adolescente.

I.1.2.3 - O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): uma política para os filhos