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CAPÍTULO 3 – A CONCRETIZAÇÃO DE UMA LENDA E A LUTA PELA

3.2. Conhecendo alguns(mas) entrevistados(as)

3.2.1. Lúcia, < 20 anos, campus Osasco

Lúcia, mulher, estudante do campus Osasco, reside com os pais e com um irmão mais novo. Tinha menos de 20 anos na ocasião da entrevista. Convidei-a para participar como entrevistada por observar sua participatividade e proatividade como representante estudantil. Após cancelar um primeiro agendamento para a realização

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A respeito dos quais está sendo desenvolvida, por Lívia Lima da Silva, uma pesquisa em nível de mestrado, sob orientação da Profª Graziela Perosa.

102 Enfocando as entrevistas independentes uma da outra, de forma a aprofundar o estudo em cada

da entrevista, pois não chegaria a tempo, ela compareceu à sala de entrevistas com um pouco de atraso, mas demonstrando muita pressa e sempre “acelerada”, até mesmo no jeito de falar, muito rápido e diretivo.

A estudante, que nasceu no interior de São Paulo, mas reside na capital e já residiu em outras duas capitais do país (devido ao antigo emprego do pai), nunca trabalhou e ingressou na universidade logo após a conclusão do ensino médio, concluído em escola privada e de status, localizada em região nobre na cidade de São Paulo. Em verdade, Lúcia sempre estudou em escola privada e começou a frequentar escolinhas desde muito cedo, antes de completar um ano de idade, porque os pais trabalhavam. Atualmente seu pai é diretor de uma empresa e viaja muito com a esposa (mãe de Lúcia). Lúcia é parte de classe privilegiada social e economicamente.

Descendente de imigrantes que vieram investir no Brasil, Lúcia tem avós e pais com ensino superior completo, a mãe tem doutorado. Mencionou, durante a entrevista, sobre o prazer em ler e em frequentar a biblioteca que o avô tinha em casa e sobre o debate a respeito de política e economia que ocorria em família.

A esse respeito, Bourdieu (2014) elucida nos meios cultos a prática cultural se dá como que “espontaneamente”, haja vista que a herança cultural pode ser transmitida sem esforço metódico, ou seja, de maneira implícita, indireta, não- manifesta. Ou seja, de forma indireta ou discreta, Lúcia tinha a sua disposição verdadeiros rituais culturais cotidianos, tais como o hábito de ler e frequentar uma biblioteca que ficava a disposição na casa de seus avós e, mais do que isso, o debate que relacionava o que Lúcia lia e tomava conhecimento por meios jornalísticos com a opinião ou questionamento de seu avô (que Lúcia aponta como tendo uma postura política direitista) em contraposição com seu tio (que Lúcia caracteriza como um “Rebelde” SIC, alguém formado em sociologia, com postura política de esquerda). Isso a torna mais propensa à leitura, ao debate e a aproxima do conhecimento de termos e situações utilizadas não somente no meio acadêmico, mas pelas “elites culturais”.

Quando perguntei desde quando Lúcia tinha conhecimento, ou pelo menos ouvido falar, sobre universidades, universidades públicas, ela nem sabia responder desde quando: “... desde muito cedo, meus amigos sempre foram mais velhos, eu

cresci ouvindo falar de faculdade na minha casa. Moravam meu pai e minha mãe na porta da PUC de Campinas, sempre teve festa na minha casa, tem foto minha em faculdade desde que eu sou pequenininha e minha mãe adora faculdade. (...) Não era qualquer universidade pública, na minha casa sempre foi FGV e USP, sempre, pois não importava ser pública, mas ter qualidade”.

Assim como a leitura, a universidade é um fato em sua história, uma etapa natural de sua formação. A tal ponto que se reproduz uma hierarquia de universidades e não basta o ingresso em uma universidade pública, mas em uma universidade “de qualidade”, de renome e status. A esse respeito, questionei qual a impressão da família sobre Lúcia cursar a Unifesp, e ela respondeu: “acham que tem nome, apoiam, o medo era ser em Osasco” (julgavam a cidade violenta).

A respeito da escolha do curso, Lúcia relatou que vivenciou alguns conflitos (mas nenhum motivado pela concorrência de um curso ou pelo possível retorno financeiro da futura profissão). Inicialmente queria cursar veterinária, motivada pelo contato com a fazenda dos avós. Então, mudou de ideia porque “não queria viver ‘enfiada’ nas fazendas” e pensou em fazer medicina. Sem ter certeza, pensou em passar um ano viajando, motivada pelo termino de um namoro: relatou que sofreu muito, passou a faltar às aulas da escola, não queria fazer mais nada. Mas Lúcia foi compelida a fazer a prova do Enem porque estava em uma sala do colégio em que estudava que é obrigada a fazer o Enem. Segundo Lúcia, o próprio colégio a inscreveu no Sisu, para a Unifesp e, tendo sido aprovada, decidiu cursar para “tentar fazer uma coisa nova, conhecer pessoas novas” (pois Lúcia havia se inscrito para fazer FAAP, “porque as amigas que tinha desde sempre, por serem amigos de amigos dos pais, iam fazer FAAP”).

Quando questionada sobre a primeira impressão que Lúcia teve da Unifesp, ela respondeu: "Que eu vou ter que estudar... É muito texto pra ler, muita coisa pra fazer, achei muito boa a estrutura física, não achei decadente como a UNESP e a USP". Frente à realidade de outras universidades públicas "o campus é muito bem estruturado”. Mas ela aponta a USP e a FGV como sendo as melhores universidades, em sua opinião. Sobre seu curso, Ciências Econômicas, ela relata estar gostando muito: "Aqui é diferente de tudo na minha vida, tudo!".

destino que começou a ser escrito a cada contato com cada um de seus familiares, graduados em universidades renomadas, com a biblioteca dos avós, com os debates em família, nos colégios privados que a direcionavam para isso. Embora esteja na Unifesp por iniciativa de terceiros, ou seja, apesar de não ter escolhido previamente a Unifesp, à Lúcia são permitidas escolhas: de universidade, de curso, de profissão.

As indeterminações de Lúcia são frutos de uma vivência que não tem o peso da urgência em garantir a sobrevivência a cada atitude, numa corrida contra o tempo. Ela pode se permitir planejar viagens sem objetivo determinado e iniciar uma faculdade que não cogitava fazer anteriormente e que irá concluir ainda muito jovem, com tempo e recursos suficientes para fazer até mesmo outra graduação. A respeito dos planos para o futuro ou como se imagina depois de cinco anos, ela relata: "Formada, se Deus quiser (...) morar fora durante um tempo pra fazer uns cursos lá fora, porque eu vou terminar com 21 anos... Trabalhando, pensando em casar... Não tenho aspirações de estar milionária, começar de base, como estagiário, júnior."