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La Fraternidad «Asociación Española de Socorros Mutuos»

Capítulo III – IMPLANTAÇÃO DO ASSOCIATIVISMO MUTUALISTA EM L ISBOA NA SEGUNDA

2. Estrangeiros no movimento associativo mutualistas de Lisboa em finais do século XIX

2.2 La Fraternidad «Asociación Española de Socorros Mutuos»

Por decreto 23 de Abril de 1873, funda-se, oficialmente, na cidade de Lisboa uma segunda associação espanhola com a denominação “Fraternidad” – Associação Hespanhola em Lisboa tendo como lema “una hermandad, todos por uno y uno por todos en defesa de nuestros mútuos intereses, y sobretodo amarse y ayudarse”183

, tendo 175 sócios fundadores.

A atividade desta associação destina-se, de acordo com os seus estatutos, a todos os espanhóis que a ela se queiram associar, que trabalhem no comércio e indústria, que sejam proprietários e artistas, e a todos aqueles que ensinem as ciências e as belas artes. Porém, têm de possuir idade entre os 18 e os 50 anos ou, se menores, têm de apresentar autorização dos seus

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pais ou tutores. Estes indivíduos têm ainda de “gozar de boa opinião” e não ser portadores de nenhuma doença crónica.

Tal como em múltiplas associações de socorros mútuos portuguesas, os seus fins são prestar aos seus sócios assistência médica e auxílios pecuniários em caso de doença, falta de emprego, prisão, incapacidade ou velhice. Porém, o sócio pode apenas usufruir destes direitos um ano preciso após a sua admissão e de ter pago ininterruptamente as respetivas doze mensalidades. Com o atraso de seis meses no pagamento das quotas sem justificação e após o terceiro aviso enviado pela associação a solicitar a regularização da situação, o sócio é excluído da La Fraternidad. Esta associação considera ainda situações que justificam exclusão, quando os sócios são julgados por crimes e outros delitos desonrosos e ainda, todo o sócio que use meios ilícitos para usufruir de qualquer subsídio. A decisão de exclusão dos sócios pertence à Assembleia- Geral.

Nestes estatutos verifica-se que esta associação tem o cuidado de salvaguardar a situação das viúvas dos sócios, pois toda a viúva, caso o pretenda, poderá pertencer à associação através do diploma do seu marido para gozar os direitos de sócio pagando somente a quota mensal. Este direito é igualmente extensivo aos filhos dos sócios falecidos.

O montante dos subsídios que esta associação atribui vem dos fundos provenientes da jóia de inscrição de cada sócio, das quotas obrigatórias pagas mensalmente pelos sócios, dos donativos, do saldo do ano anterior, se positivo, e do juro do capital investido “na compra de ações ou títulos da Caixa de Imposições pertencente à associação, se tiver devido efeito, e de bancos que mais garantia ofereçam.”184

Tendo em conta a sua situação de estrangeiros, os sócios da La Fraternidad, apenas quanto a situações relativas ao livre exercício de suas profissões e ao gozo dos seus direitos civis, são protegidos pela associação, em conformidade com os “Tratados e convenções do Direito Internacional Positivo”185

e com a legislação portuguesa, em simultâneo. Todavia, a associação permite que os seus sócios, para resolver litígios particulares, recorram aos serviços do seu Procurador mas de modo a que não implique a associação nessas questões.

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Tendo uma perspetiva de auxílio e promoção dos sócios semelhante à sua congénere anterior, a La Fraternidad, aquando da sua fundação e logo que os seus fundos o possibilitem, propõe-se criar uma escola noturna, uma biblioteca e um gabinete de leitura através dos quais tantos os sócios como os seus filhos adquiram instrução.

Consciencializar as classes trabalhadoras, ou seja, os respetivos sócios das associações, para o seu desempenho no mundo do trabalho, onde adquirem vantagens, não só pela detenção de um posto de trabalho que lhes permite a sua subsistência e a da sua família, bem como a sua permanência em Portugal como cidadãos ativos - tendo em conta a sua situação de imigrantes - é também um dos fins desta associação. Neste sentido, para os sócios da La Fraternidad, a associação expressa nos estatutos da sua fundação a criação de “um periódico que tratará dos interesses da associação debaixo do ponto de vista comercial, (…). Assim mesmo se procurará fomentar toda a classe de conferências no local da associação, bem pelos mesmos sócios ou por aquelas pessoas notáveis que o desejam, quando as matérias sobre que versam não sejam políticas ou religiosas”186

. Como se pode ver, também é norma desta associação que os assuntos de carácter religioso e político sejam alheios ao seu funcionamento, por isso interditos na sede da associação, o que respeita o estipulado nos alvarás atribuídos a qualquer associação mutualista. Assim, o Ministério das Obras Públicas Comércio e Industria, no decreto que confere o alvará à La Fraternidad – tal como vinha sendo determinado desde a fundação deste Ministério nos decretos atribuídos a todas as associações com fins mutualistas – afirma que “com a expressa cláusula de que a Minha aprovação lhe poderá ser retirada, quando se desvie dos fins para que é instituída, não cumpra fielmente os seus estatutos”187.

São estes estatutos, base da fundação desta associação, pelos quais se regem o número relativamente crescente de sócios. De acordo com o seu relatório e contas do ano de 1901188, no final do ano seguinte à sua fundação, em 1874, o seu número de sócios cresceu 61,99%, contando então 277 sócios. Entre o ano da sua fundação, 1873, e 1898, ano do meu enquadramento do

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movimento associativo mutualista na cidade de Lisboa, a La Fraternidad tem uma taxa de crescimento total de sócios, de 182,46% e uma taxa de crescimento médio anual de 7,30% sócios. Estes valores mostram as oscilações do número de associados no final de cada ano resultante do balanço entre os sócios admitidos e os sócios suprimidos por falecimento, saída voluntária, não pagamento de quotas, entre outras razões. Regista-se um decréscimo no ano de 1876, a associação conta neste ano 271 sócios, menos 10 sócios em relação ao ano de 1875. Em 1877 recupera esses 10 sócios, mas no ano seguinte volta a ter um decréscimo de 5 sócios, conta neste ano 276 sócios. Entre 1879 e 1894, volta a registar-se um ligeiro aumento de sócios com uma taxa de crescimento médio anual de 4%. Todavia, em 1895 o número de associados reduz em 10 sócios; no ano seguinte regista a existência de mais 2 sócios, mas em 1897 tem um crescimento significativo em relação aos anos anteriores, contando então com mais 43 sócios, perfazendo um total de 491 associados. No final do ano de 1898, a La Fraternidad, de acordo com o referido relatório, conta com 483 sócios, menos 8 sócios em relação ao ano anterior.

Contudo, o número de sócios da La Fraternidad em 1898, que constam do seu Relatório e

Contas do ano de 1901, não coincide com o número de sócios referidos nos dados estatísticos

fornecidos por Guilherme Santa Rita, pois os dados apresentados por este referem-se à situação desta associação no final do mês de junho de 1898. Todavia, o Relatório-Estudo de Santa Rita é relevante para o conhecimento desta associação. Assim, de acordo com este Relatório-Estudo, esta associação, em 30 de junho de 1898, tem a sua sede no 2.º bairro de Lisboa, na freguesia do Sacramento, concretamente na Rua do Príncipe, 9-2.º. Na mesma morada, mas no 1.º andar têm sede mais 6 associações mutualistas.

Consta neste estudo que a última reforma de estatutos terá sido em 23 de Junho de 1894. Contudo, no processo que existe no arquivo do Ministério das Obras Publicas, Transportes e Comunicações não constatei a sua existência. Além dos estatutos da fundação, já referidos, consta do processo uma reforma dos seus estatutos aprovados por decreto de 5 de Agosto de 1879. Salienta-se nesta reforma de estatutos que houve uma alteração quanto à admissão de sócios, pois não especifica a nacionalidade dos sócios a admitir, nem a sua pertença específica a um grupo profissional, tal como é referido nos seus primeiros estatutos. Apenas é referido que “São admitidos a sócios, que o solicitem e estejam domiciliados nesta cidade e seu termo”189

, sob

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proposta doutro sócio e declarando a sua profissão, morada e nome, o que me parece significar um alargamento a associados aos cidadãos portugueses. De resto, mantêm-se os requisitos dos primeiros estatutos quanto à admissão e exclusão de sócios e aos fins da associação. Relativamente aos direitos dos sócios, nesta reforma de estatutos houve alteração dos valores dos subsídios pecuniários a atribuir e do limite de tempo de atribuição dos mesmos em situações de doença.

Assim, de acordo com estes estatutos cada sócio da La Fraternidad, um ano após a sua admissão, pagando continuamente as suas quotas mensais, tem direito em caso de doença a ser assistido por um médico da associação. Se lhe for diagnosticada “enfermidade aguda”, são-lhe atribuídos, até ao limite de quarenta dias, 400 réis diários e 300 réis diários no período de convalescença, até ao limite de 20 dias. No entanto, se a primeira situação se prolongar para além dos 40 dias e a convalescença para além dos 20 dias poderá ser dada continuidade ao respetivo subsídio, caso o médico participe à associação apresentando um atestado. Se houver algum sócio doente que o médico considere que para a sua recuperação necessita de “mudança de ares”, este terá direito, durante um período de 60 dias, a um subsídio pecuniário que não se encontra especificado nos estatutos. Qualquer sócio doente, cujo médico da associação o receite, ou mediante a apresentação de um atestado de três médicos externos, pode usufruir de “banhos ou águas em qualquer ponto da Península, menos os de mar”190

, recebendo o pagamento de 400 réis diários durante o período dos tratamentos.

Aos sócios com seis e dez anos de associados, que tenham efetuado o pagamento das respetivas quotas ininterruptamente e que durante esse período não tenham usufruído de qualquer subsídio, caso adoeçam é-lhes pago pela La Fraternidad, respetivamente, 500 réis e 600 réis diários. Todo o sócio que padeça de doença crónica ou no caso de incapacidade absoluta tem direito a receber 200 réis diários. Porém, todo o sócio com 10 anos de associado em situação de incapacidade absoluta e que durante aquele período não tenha usufruído de qualquer socorro, tem direito a 300 réis diários durante o resto da sua vida; com 15 anos de associado tem direito a 450 réis diários nas mesmas circunstâncias e com 20 anos de associado a 600 réis diários também em igual situação. Estes estatutos determinam ainda que o sócio pode receber estes subsídios em

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qualquer parte da Península que se encontre, justificando devidamente não só a sua situação de enfermidade como fazendo prova de vida.

Os sócios que se encontrem presos, até à sua sentença, recebem da La Fraternidad, além de 200 réis diários, “1500 réis de carceragem”191 . No caso de sócios que se encontram “sem trabalho ou emprego por causa justificada e estranha à sua vontade, sempre que tenha estado um ano consecutivo em casa de seus patrões”192 recebem da associação 200 réis diários.

Aos associados espanhóis que tenham de dirigir-se ao seu país por determinação das autoridades é-lhes pago um subsídio de 6000 réis.

Para as despesas do funeral de cada associado, esta associação atribui 9000 réis à respetiva família, caso a tenha, se não possuir família é a associação que faz o funeral. A atribuição deste subsídio, assim como todos os subsídios atrás referidos, são garantidos a todos os sócios que se encontrem “tanto nesta cidade e seu distrito consular como em qualquer ponto da Península, precedendo certificado na forma legal.”193

Embora não seja especificado a admissão do sexo feminino nem nos primeiros estatutos desta associação nem na sua reforma em 1879, tendo em conta que de acordo com a lei portuguesa a mulher para poder ser admitida como sócia das associações mutualistas precisa de autorização do marido, de acordo com o Relatório-Estudo de Santa Rita, em 1898, esta associação tem 478 sócios efetivos do sexo masculino e 10 sócios efetivos do sexo feminino. O seu número de associados equivale a 13,64% da população associativa da freguesia e 1,48% da população do bairro.

Em 1898, a La Fraternidad tem 55 sócios doentes, dos quais 2 são mulheres, tem 1 sócio do sexo masculino inabilitado e faleceram 10 sócios do sexo masculino até 30 de Junho daquele ano. Com estas situações, a associação gastou 240$000 réis em honorários médicos. O valor gasto em medicamentos não foi referido no questionário distribuído por Santa Rita; em funerais gastou 140$000 réis, as despesas com a sua administração importaram em 360$000 réis e gastou 1:960$250 réis em subsídios pecuniários. Em quotas recebidas arrecadou 2:897$500 réis. Assim,

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segundo o mapa estatístico do Relatório-Estudo, a La Fraternidade, no ano de 1898, tem movimento de contas que se traduz numa receita de 4:320$855 e numa despesa 3:389$030, tendo 1:055$500 réis de fundos disponíveis que significa um “Valor real em inscrições, obrigações e no Montepio”194

e 15:838$000 réis em fundos de reserva. Segundo os valores apresentados esta associação no final do ano consegue um saldo positivo o que significa que tem correspondido aos fins para que se propôs aquando da sua fundação.