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Fonte: Álbum: Comparativo da Cidade de São Paulo (1862-1887-1914). Título da foto: Ladeira do Carmo (e aterrado do Braz).

Autoria: Militão Augusto de Azevedo. Local e data: São Paulo (SP), 1887.

O espírito capitalista, embora naturalmente não se tratasse de um capitalismo plenamente desenvolvido, difundia-se em São Paulo e aí efetuava, como em outros lugares, grandes transformações. O único conjunto de princípios que havia para estruturar racionalmente a sociedade econômica nascente era o positivismo; em São Paulo, todavia, o positivismo não era institucionalizado e, como filosofia integrada e formal, era apenas no espírito de alguns que precariamente se introduzia.

O fazendeiro de café de São Paulo foi o primeiro novo agente que passou a diversificar suas atividades, fora do contexto econômico da lavoura, em especial em atividades ligadas ao comércio. Passou a ser motivado por razões estritamente econômicas. O surgimento e desenvolvimento das atividades comerciais e financeiras possibilitaram a esse novo tipo uma inserção na lógica do mercado. Ele se endividou, modernizou a lavoura, ou seja, adaptou-se rapidamente para manter seu monopólio de poder, a liderança na vida econômica e o controle sobre Governo, assegurando sua atuação na defesa de seus interesses64. O segundo novo agente foi o imigrante. Ele já chegou ao Brasil com o espírito burguês. Chegou ao país quando a economia se encaminhava para a substituição da mão de obra escrava pela assalariada. Veio motivado por objetivo estritamente econômico e para isso trouxe algum grau de conhecimento e novos padrões culturais. Ocupou diversas posições: assalariado, industrial, comerciante e agricultor. Do ponto de vista econômico, ele foi agressivo, dinamizador, modernizador. No entanto, do ponto de vista político, foi conservador, pois, ao obter êxito econômico, passou a ter influência política e se aliou ao fazendeiro do café nas formas de dominação.

No Império, o homem de negócios que dedicava sua vida exclusivamente às abstrações lógicas de acumular dinheiro era apenas uma figura de “segundo plano”, mal vista e de pequena consideração; com o advento da República foi impelido para uma posição central e culminante. O homem de negócios, investido de maiores poderes e liberdades em 1890, precipitou uma crise financeira que ameaçadoramente indicava as novas forças propulsoras dos tempos, o Encilhamento65. Com a Proclamação da República, em 1889, aos novos governos

64 Ver Fernandes (2006).

65 Não é objetivo deste discutir mais detalhadamente a política do encilhamento. Mas não deixa de ser um momento relativo de

ruptura, em que a implementação de uma política de expansão monetária e de crédito ao capital industrial permitiu a formação de um grande número de novas empresas, mesmo que gerando um contexto de grande especulação. Sobre o tema, ver: FRANCO, G.

estaduais coube, nos dois primeiros decênios da vida republicana, um papel fundamental no campo da política econômico-financeira. A reforma monetária de 1888, que o governo imperial não executou na forma como foi aplicada posteriormente pelo governo provisório, concedeu o poder de emissão a inúmeros bancos regionais, provocando subitamente em todo o país uma grande expansão de crédito. “A transição de uma prolongada etapa de crédito excessivamente difícil para outra de extrema facilidade deu lugar a uma febril atividade econômica como jamais se conhecera no país.” (FURTADO, 1995, p. 171).

No entanto, foi o período iniciado com as reformas econômicas do governo Campos Sales (1898-1902) que culminaria com profundas transformações qualitativas no setor industrial brasileiro.

O objetivo central de governo dos republicanos seria reerguer as finanças e reconquistar a credibilidade internacional. Necessitaria para isso, então, o apoio do Congresso para aprovar orçamentos rígidos, mudanças nas leis financeiras e aumentos de impostos. A hegemonia do “interesse modernizador” firmou-se, então, com o Pacto Campos Sales, em que, “[...] a defesa da absoluta centralidade da questão financeira, o profundo comprometimento com o reerguimento do crédito e com o saneamento financeiro eram pontos que aproximavam os positivistas e outros líderes republicanos dos paulistas” (BACKES, 2006, p. 171). A superação das dificuldades financeiras herdadas pelos governos antecessores era identificada pelos aliados do governo, os republicanos históricos, como uma questão central na nova inserção do país no cenário mundial, na consolidação do poder econômico do “grande capital urbano”, mas, essencialmente, na condição de reafirmar os princípios básicos da república. Já para a oposição, os concentrados, a reforma financeira seria o caminho necessário para ampliar a envergadura de arrecadação do estado, para recuperar a capacidade de importação (importante fato para a entrada de máquinas para a indústria, como de produtos da cesta básica da população urbana) e para a defesa do crédito como a defesa da nação. Assim, com o discurso de saneamento da economia para pró-defesa da nação, Campos Sales conseguiu cooptar grupos opositores para a construção

Reforma monetária e instabilidade durante a transição republicana. Rio de Janeiro: BNDES, 1983. BASTOS, P. P. Z. A

dependência em progresso: fragilidade financeira, vulnerabilidade comercial e crises cambiais no Brasil (1890-1954). 2001. Tese (Doutorado em Política Econômica) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2001.

de um novo modelo de crescimento do país66. O sucesso de Campos Sales só pode ser compreendido em relação à política econômica que ele propôs. Nas palavras de Bastos (2001, p. 27):

[...] os episódios de diplomacia financeira da década de 1890 e 1920 caracterizaram-se pela consolidação de um consenso federal (mesmo de alguns membros da burguesia exportadora paulista) constituído em torno da adoção das políticas econômicas monetárias, fiscais e cambiais ortodoxas, exigidas pelos credores como condicionalidade de renegociação de dívidas, mas vistas internamente como necessárias para a recuperação dos fluxos voluntários de capitais.67

66 Os concentrados eram parlamentares que defendiam posições intervencionistas e nacionalistas, e os republicanos estavam mais

diretamente ligados aos interesses do grande capital cafeeiro. Conforme argumenta Backes (2006), nas décadas de 1960 e 1970 foram escritas algumas obras clássicas sobre a República Velha que, acima de tudo, valorizavam o caráter descentralizador do estado e, por isso mesmo, do fortalecimento do poder dos coronéis e das disputas regionais. Nesse sentido, enquanto coronéis assumiam o controle político local, o estado de São Paulo surgia no cenário político nacional como representante do principal e hegemônico grupo político-econômico do período, os cafeicultores. Entre as interpretações significativas que seguem essa linha de análise, figuram os trabalhos de Campello de Souza (1977) e Love (1982). Logo, o pacto Campos Sales era compreendido como o meio para a construção de um amplo espaço de poder para os cafeicultores paulistas tomarem as rédeas da política econômica brasileira em seu favor. As teses sobre as frações de classes (principalmente PERISSINOTTO, R. M. Classes

dominantes e hegemonia na república velha. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1994.) romperiam com essa linearidade entre os interesses dos cafeicultores e o governo central, enfatizando os conflitos no chamado “bloco de poder”. Entretanto, isso não significa que não houvesse lugar para as composições políticas hegemônicas. Esse é o ponto importante explorado por Backes (2006), considerando que Campos Sales conseguiu cooptar grupos historicamente opositores, os concentrados e os republicanos históricos, num projeto único par o país.

67 O importante grupo financeiro internacional, reunido em torno da casa Rothschild, seguiu de perto a política econômico-