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CAPÍTULO 2 – AS BASES DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL EM SÃO PAULO

2.1 Novas Tendências e “novos homens”

Os lavradores do fim do século XVIII acabaram cedendo lugar a um grupo mais ambicioso, prático, adestrado na mercancia e na milícia, e que, isento de compromissos com o passado, disposto a enfrentar todos os riscos, apto a socorrer-se, onde possível, dos mil recursos que lhe ditou a familiaridade com a vida das cidades, marchou para triunfar e ganhar o futuro. Isso significa que o desenvolvimento econômico de São Paulo coube mais ou menos fortuitamente à iniciativa individual: aos estrangeiros, a um ou outro brasileiro que se esforçava por adquirir no próprio país habilitações e experiência e aos brasileiros educados no exterior (MORSE, 1954).

O que se encontrava em São Paulo do século XIX, dando origem às maiores dinastias canavieiras e cafeeiras, era, com poucas exceções, um negociante ou um soldado, não raro uma

51 As ordens sacras, que uns procuram por vocação e muitos talvez, por uma espécie de obrigação. Na prática, a posição do clero

coisa e outra ao mesmo tempo, às vezes algum advogado ou magistrado, europeus de preferência ou então brasileiros de primeira geração, que firmaram sua posição casando com filha de terra e aplicando a renda em bens fundiários – disso fazia parte nitidamente Francisco Inácio de Souza Queiroz52, filho de uma paulista de Santo Amaro e de um reinol que tinha feito fortuna comerciando com Mato Grosso.

Outro “capitalista”, um dos maiores da época em São Paulo, o brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão, enriquecera com o pai homônimo, este português e também militar, no comércio de tecidos e ainda na compra de ouro em Mato Grosso, fazendo-se ao cabo grande latifundiário. Seu sobrinho Antônio da Silva Prado, futuro Barão de Iguape, neto do velho Jordão, começou a vida de comerciante com minguada soma, que logo dissiparia numa desastrosa operação financeira em Goiás. Passando a Caitité, na Bahia, conseguiu, porém, recuperar o perdido, em negócios de algodão, de sorte que, ao longo de onze anos de esforço obstinado, acumulou o opulento capital com que, de volta a São Paulo nos fins de 1816, já em 1817 conseguiu abrir um engenho de açúcar em Jundiaí.

Exemplo outro é o do brigadeiro Luís Antônio de Sousa, tio e sogro de Francisco Inácio. Depois de se dedicar, com o irmão Francisco Antônio, a especulações mercantis em Mato Grosso e de exercer cargos públicos, como o de guarda-mor da Casa de Fundição, que ocupava em 1765, arriscara-se a arrematar seguidamente vários contratos, como o do Subsídio Literário, o dos Novos Impostos, o dos Dízimos, com o que, em dez anos, deve ter multiplicado os seus bens. Em 1816, com terras que alcançara de sesmarias e outras que passara a comprar, associou-se ao advogado Nicolau Pereira de Campos Vergueiro numa vasta empresa de criação de gado e fabrico de açúcar e aguardente. Vergueiro entrava com um engenho no distrito de Piracicaba e

52 Ente outras importantes figuras da economia paulista que estiveram associadas à produção de açúcar e se beneficiaram da

expansão cafeeira em meados do século XIX, estavam: o Souza Queiroz, com os irmãos Barão de Limeira e Francisco A. de Souza Queiros, o pai de Brigadeiro Luís Antônio, Nicolau Vergueiro e Martinho da Silva Prado. Para a história do Barão de Iguape, ver: PETRONE, M. T. S. O Barão de Iguape: um empresário da época da Independência. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. Os comissários desempenharam papel menos importante na economia cafeeira paulista do que na economia carioca, isso porque os grandes proprietários em São Paulo tinham maior capacidade financeira. Tal forma de crédito havia sido dominante nas culturas de algodão e açúcar, contudo não nas produções de café. Além da prévia fonte de recursos provenientes de negócios como as tropas de mulas e as produções de cana-de-açúcar, os proprietários de terra em São Paulo tinham estreitos laços com o capital financeiro local: Barão de Iguape, Souza Queiroz, Barão de Tietê, Silva Telles e Martinho da Silva Prado faziam parte da primeira diretoria da Caixa Filial do Banco do Brasil em São Paulo aberta em 1853. “Ao lado do crédito fornecido pelos comissários, já se desenvolvia em São Paulo uma camada de ‘capitalistas’ que também emprestava dinheiro a juros”. (SAES, 1986, p. 87).

uma fazenda de criação nos campos de Araraquara, sujeitos então ao mesmo distrito, ambos em terras de sesmaria. Não se incluíam aparentemente nos bens da sociedade, diretamente administrada por Vergueiro, enquanto o sócio ingressava com o capital necessário à exploração. Após o falecimento de brigadeiro Luís Antônio em 1819, a empresa continuou a ser dirigida por Vergueiro até 1825. Nesse mesmo ano, o antigo ouvidor José da Costa Carvalho, natural da Bahia, que se casara pouco antes com a viúva de Luís Antônio de Sousa, ajustou a dissolução da sociedade. Em nove anos de eficaz administração, os bens da firma, que se avaliavam à sua fundação em 23:996$100, tinham passado a valer 58:413$800, cabendo 42:781$969 aos herdeiros de Sousa (HOLANDA, 2004). Nas propriedades que se dividiram entre esses herdeiros, origem de muitas fazendas e fortunas do século XIX, incluía-se o engenho cujo nome incorporar- se-ia aos títulos, em 1841, com que Costa Carvalho, sucessivamente Barão Visconde, Marquês de Monte Alegre, seria agraciado.

Foram esses homens de uma espécie nova, sensíveis ao apelo da grande lavoura, apesar de nascidos e crescidos geralmente fora do meio rural, às vezes fora de São Paulo e do Brasil, que, desatados de uma tradição esmagadora, animados de vigoroso espírito de independência e iniciativa, passaram ora e por longo tempo a empolgar o cenário econômico, social e político da província. A ela acrescentam-se sem esforço alguns paulistas de antiga cepa ou mescla recente, que, fora da capital, em Itu principalmente, tinham começado a trilhar caminhos idênticos. Mas estes – e logo ocorre lembrar nomes como o de Antônio Pais de Barros, quase um self-made man, e naturalmente o do patriarca Antônio de Barros Penteado, enriquecido na mineração – pareciam tão estranhos quanto os primeiros ao peso da rotina agrícola.

2.2 Desenvolvimento das vias de comunicação: a imigração e a expansão