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5. Cancro: Estado da arte

5.3 O lado psicológico do cancro

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A palavra cancro traz consigo uma série de associações simbólicas, podendo afetar a perceção da doença, bem como o modo como as pessoas se comportam em relação à mesma. A forma como o cancro é representado socialmente acaba por gerar um sentimento de desvalorização social; dessa forma, a doença além de um desvio biológico, é também um desvio social, colocando o doente numa posição de ser socialmente desvalorizado (Laplantine 1991).

O fator psicológico do cancro é um aspecto da doença que não deve ser negligenciado. Desde a década de 70, foi comprovado empiricamente que um bom acompanhamento psiquiátrico efetuado pelo próprio médico, se este tiver as competências necessárias, ou por um profissional da área, pode revelar-se decisivo na possibilidade de cura de um paciente diagnosticado com cancro (da Silva, 2008).

5.3.1. No ato do diagnóstico

Desde a suspeita até ao diagnóstico, é necessário, da parte do médico, ser cauteloso sobre como anunciar os passos e os exames ao paciente. Isso porque a palavra cancro é, na mente das pessoas, sinónimo de morte ou mudanças físicas às vezes radicais (mutilantes) e definitivas.

A palavra cancro é muitas vezes refererida como sinónimo de morte, porque, apesar dos grandes avanços em termos de cura, apenas 2 em cada 3 pessoas com câncer irão sobreviver mais que 5 anos (American Cancer S., 2012). Além das estatísticas, existe também o facto de que as chances de cura não são as mesmas para todos os tipos de cancros: enquanto alguns têm grandes chances de cura (cancro da mama, da próstata, quando detetados precocemente), outros são, na maioria dos casos, letais (cancro das vias respiratórias).

No momento de anunciar o diagnóstico, o médico deve avaliar o paciente à sua frente, ou até conversar com familiares primeiro, para optar pela melhor

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maneira de anunciar o diagnóstico da doença. Este primeiro passo é muito delicado, pois ele tem como objetivo deixar o paciente ciente da sua situação, e de convencê-lo a aceitar um tratamento penoso, em muitos casos doloroso, mas que pode salvar sua vida (Libert and Reynaert, 2009).

O segundo grande impacto do cancro são as mudanças físicas que o tratamento pode trazer. Estas mudanças podem ser radicais, como alguns casos relatados no documentário legendado “Cancer: sem medo da palavra”. Podemos citar dois intervenientes, que relatam as mudanças físicas que sofreram durante o tratamento. Primeiramente, o estudante Fernando Culau relata a dificuldade que teve ao fazer o tratamento de quimioterapia, quando perdeu o cabelo. Relata as dificuldades que passou simplesmente ao sair de casa e, em algumas situações, ter que enfrentar o olhar das outras pessoas. E em segundo, a Eva Flores, “membro da igreja”, que apesar de parecer bem com a situação, confessa o choque que foi de saber que iria ter que fazer uma masectomia. Ela relata com emoção como aceitou este facto e o que a permitiu superar isto.

O cancro pode levar a outras mudanças fisiológicas, como o cancro da garganta entre outros, e neste apecto da doença, foi provado que um acompanhamento por um psicólogo traz inúmeros benefícios, como uma melhor resposta ao tratamento e uma diminuição dos efeitos indesejados dos tratamento (Contel et al., 2000; da Silva, 2008).

No caso de cancros sem possibilidade de cura, o acompanhamento psicológico é também essencial para manter a mínima qualidade de vida do paciente e também de sua família. O paciente, não somente em fase terminal, mas durante todo o percurso da doença, apresenta fragilidades e limitações específicas de ordem física, psicológica, social e espiritual, necessitanto, portanto, de acompanhamento e cuidados específicos (da Silva and Sudigursky, 2008; Kovács, 1998). Um estudo realizado em pacientes com cancro em estado avançado comprovou que a adoção de psicoterapia de apoio reduz significamente o estado depressivo dos pacientes tratados, colaborando para manter a qualidade de vida destes pacientes (Akechi et al., 2008).

47 5.3.2. Após a cura

Quando um cancro chega a ser curado, o psicólogo ainda tem um papel a desenvolver. Após um tratamento longo e muitas vezes doloroso, vários problemas podem apresentar-se diante do paciente. Na maioria das vezes, a pessoa é forçada a parar de trabalhar durante o tratamento, por razões tanto práticas (sessões de quimioterapia repetidas, efeitos secundários), como de segurança. Em alguns casos, a volta ao trabalho pode ser um desafio difícil de superar, particularmente a sua reintegração no ambiente de trabalho (Venâncio, 2004).

Outra dificuldade de ordem psicológica que pessoas que tiveram cancro têm de enfrentar é o medo da recidiva do cancro. Esta probabilidade de recidiva é muito alta nos casos em que o cancro deu matástase, e os pacientes geralmente foram avisados e estão preparados para um eventual regresso do cancro em outro lugar do organismo. Nos casos em que o cancro não deu metástase, uma vez o tumor retirado e o tratamento terminado, existe um determinado tempo (segundo cada tipo de cancro) em que o paciente tem de fazer exames regulares para confirmar a cura, e prevenir a recidiva do tumor. Este tempo, embora seja variável, é sempre longo, podendo durar anos. No entanto, mesmo que o paciente tenha efetuado todos os exames de controle após a cura e pareça estar curado e ter evitado a recidiva, em casos excecionais o cancro pode ter uma recidiva tardia, até mais de 10 anos depois da cura. Por isso, é importantre o acompanhamento por um psicólogo, com o objetivo de gerir este medo de recidiva e o acompanhamento deste se o tumor voltar (Gianini, 2007).

Outro ponto que vale a pena citar aqui, embora vá diminuindo ao longo dos anos, é o preconceito associado à palavra “cancro” e à propria doença. À doença, porque no caso de alguns cancros, como o cancro do pulmão, a pessoa é frequentemente estigmatizada por parentes e amigos (com ou sem razão), e sofre comentários sobre como leva a vida e culpa-se da sua doença. Isto faz com que o paciente se sinta mal, culpado, e até as vezes esconda sua doença, por medo destas reações. Às vezes, nem é preciso a intervenção de pessoas próximas para o paciente já se sentir culpado por ter contraído a doença.

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Preconceito em relação à doença também em consequência das mudanças físicas que provocam o tratamento do cancro. Estas mudanças físicas são variadas e ligadas ao tipo de tratamento ao qual o paciente é submetido. Pode afetar a pilosidade no caso da quimioterapia, o que muda o olhar das pessoas ao seu redor, e até às vezes os seus comportamentos (até recentemente, pessoas acreditavam que o cancro podia ser contagioso). Pode também, no caso de uma masectomia, mudar o físico da mulher, numa parte do seu corpo que é muito valorizada pela sociedade, o que pode criar um tipo de desconforto em público, ou ainda experienciar uma rejeição do seu próprio corpo após o tratamento.

E para terminar, existe um preconceito com a palavra “cancro”. Na sociedade de ontem e de hoje ainda, a palavra cancro é muitas vezes associada ao sofrimento e à morte. Mesmo com as melhorias em termos de diagnóstico, tratamento e cura, esta ideia permanece e faz com que uma parte da população não pronuncie a palavra “cancro”, por medo da reação de outras pessoas. Este medo prejudica, não somente o paciente, mas também a pesquisa, já que geralmente conhecemos os nomes de técnicas de diagnóstico e de tratamento, mas muitos não sabem em que consistem e quais seus efeitos no organismo e nos tumores (Kovács, 1998).

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