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4.2 LAMBÕES DE CAÇAROLA (A VIDA POLÍTICA POPULAR DO BRASIL DA DÉCADA DE 50)

4.1 – Calvário e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto: o romancista visto sob a ótica de João Antônio.

4.2 LAMBÕES DE CAÇAROLA (A VIDA POLÍTICA POPULAR DO BRASIL DA DÉCADA DE 50)

“ [...] o sorriso do velhinho estava acima dessa historiada. Agüentáramos black-out,

desemprego, gasogênio, racionamento e a molecadinha fuçava o chão com a língua para lamber o açúcar caído...”

(Lambões de Caçarola)

O período que traz a publicação de Lambões de Caçarola, que se dá em outubro de 1977, é marcado pela “sucessão temática da obra memorialística”, retratando personagens relevantes para o cenário brasileiro de uma determinada época. Essa afirmação é de Roberto Gomes que, ao entrevistar João Antônio, numa matéria intitulada “Ainda há o que escrever”, no Jornal do Estado do Paraná, em 16 de dezembro de 1977, faz colocações relevantes a esse respeito.

Teremos como ponto de partida, nas análises posteriores, essa observação do autor sobre o memorialismo presente no livro em questão. Quanto aos demais textos, além dos citados acima, temos as considerações de Jorge Escosteguy em “Lambões”, publicadas no jornal Versus, e um texto intitulado “Lambões de Caçarola’, o novo livro para os jovens”, sem autor, publicado no jornal O Fluminense, todos pertencentes ao ano de 1977.

Quanto a uma possível classificação, nas diversas abordagens sobre o livro, encontramos algumas afirmações sobre a tipologia do texto, embora a crítica não tomasse este aspecto como prioridade. Houve uma preocupação maior em destacar o trabalho memorialístico contido na temática e na linguagem, aspectos, aliás, observados pela maioria dos estudiosos da obra de João Antônio.

Autores, como Dirceu Lurdoso (1977), afirmam: “Lambões é uma crônica política numa situação ficcional”, ou, como no jornal O Fluminense, (1977), em que se afirma que o livro “é uma novela que poderia ser definida como ficção-realidade”. Ambos os textos procuram indagar ou classificar a obra de João Antônio, mas esses aspectos não são pontos essenciais, são citados apenas como uma forma de tentar informar ao leitor, de maneira generalizada, sobre o estilo do livro.

Esse uma entrevista a Roberto Gomes (O Estado do Paraná, 16 dez. 1977, p.24), João Antônio afirma que, ao resgatar o fenômeno Getúlio Vargas, estaria colocando em voga o nacionalismo e o tema da descolonização, tão comprometidos pela ditadura governamental. Sua militância, segundo o próprio autor, se encontraria em seu estado mais agudo, permitindo outros desdobramentos de leitura, o que não aconteceria com sua primeira obra, o clássico

Malagueta, Perus e Bacanaço, que tanto impacto provocou na crítica.

Referindo-se à ausência do memorialismo no Brasil, o autor de Lambões de Caçarola discorre: “A nossa falta de memória é o resultado de todas as ondas de invasão estrangeira,

hoje principalmente sensíveis na área de consumo, da comunicação e da educação” (FERREIRA FILHO,1977, p. 24 ).

Esse tipo de literatura seria uma forma de resistência à cultura imposta por meios comunicativos diversos, desde a Coca-Cola até o Kojak na televisão. Para o escritor, obras como Lambões de Caçarola e Calvário e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima

Barreto teriam uma função descolonizadora, ao trazerem para a literatura o que foi feito em busca do nacionalismo brasileiro, numa determinada época.

No jornal O Fluminense, em outubro de 1977, sob o título “Lambões de Caçarola’, o novo livro para os jovens”, sem autor, é dado destaque à nova clientela joãoantoniana: os adolescentes. Principalmente pelo fato de que a nova geração, desta vez, conheceria Getúlio pela ótica do “chamado povão” e não pelos depoimentos de intelectuais e (ou) da classe média. De acordo com o texto:

Os depoimentos oficiais ou de intelectuais são maravilhosos mas não dizem nada. Lambões de Caçarola é Getúlio visto pela ótica do chamado povão. Não é a ótica dos intelectuais, nem dos empresários, nem da classe média (O Fluminense, out. 1977).

A linguagem também é um dos principais fatores que auxiliam no resgate da época getuliana. O título, segundo João Antônio, teria demorado um mês para ser encontrado, pois viria de uma expressão muito comum na época e designaria os que não possuíam nenhum poder e viviam das “raspas” do fundo da panela.

Sendo assim, Jorge Escosteguy (1977) destaca a linguagem utilizada em Lambões de

Caçarola, um dos veículos mais ricos para a representação do cenário nacional de sua geração, nas palavras do autor: “Antes de tudo, porém, o livro de João Antônio é uma obra literária bem realizada ao nível da linguagem. Talvez nenhum escritor brasileiro da nova geração tenha conseguido, como ele, elaborar uma legítima” (Versus, nov. 1977).

O trabalho com a linguagem seria um reflexo da grande memória coletiva do povo que se lembraria de todos os acontecimentos ocorridos em uma outra época e que seriam buscados, analisados e registrados. Escosteguy acreditaria que dessa memória se poderiam extrair algumas lições, embora fossem modestas as intenções de João Antônio.

Quanto às possíveis classificações do gênero, temos considerações relevantes, embora sintéticas. No dia 13 de outubro de 1977, no Jornal de Brasília, Ary Quintela, ao comentar o recente lançamento de João Antônio, indaga desta forma aos que tentam classificar, inutilmente, o trabalho do escritor: “Críticos, intelectuais, gênios do meu país. Como ides classificar esse arroubo do João Antônio?”.

Em mais um lançamento do escritor, a polêmica do “inclassificável” vem à tona nas análises da crítica. Dirceu Lurdoso, em seu artigo “João Antônio, o malungo”, (11 set. 1977), assim define Lambões de Caçarola: “[...] o livro incorporou a reportagem, o ensaio e a ficção. Estava retomado o roteiro da ficção em outro nível, numa situação de amadurecimento político, um livro sobre a época populista”.

Porém, Lurdoso ressalta que o livro de João Antônio alcançaria o mérito não pelo método adotado, ou pela classificação do gênero nele contido, mas pela obra em si. Dessa forma, tem-se a recuperação da memória de um povo e uma nova ótica do fenômeno Getúlio Vargas, ou seja, a visão das pessoas menos favorecidas. Nas palavras do crítico:

O mito getulista não se formou somente de cima para baixo, do Catete para as ruas, os becos, as fábricas, mas ao mesmo tempo de baixo para cima, dos becos, das ruas, das fábricas para o Catete. O seu livro mostra essa segunda vertente.(LURDOSO, 11 set.1977).

Para Lurdoso, o fenômeno de Getúlio Vargas seria visto sob a ótica dos moradores do Beco da Onça, como os operários, malandros, putas, empregadas, lavadeiras, enfim, o mundo desses seres marginalizados. O mito Getulista trabalhado nesta obra transformaria todos esses infelizes numa única categoria social. A frase “Trabalhadores do Brasil!” eliminaria todas as diferenças sociais e as contradições, impositivamente.

Dessa forma, o discurso criaria a ilusão de que todo esse mundo estaria numa única categoria especial, “do Brasil”. Para Lurdoso, essa unidade seria dada ditatorialmente, do alto para baixo, do “poder para o não poder”. Enfim, esse “apelo” político, segundo o autor, seria feito com indiferença pela situação real de marginalidade de cada um.

O mito getulista, manifestar-se-ia através da voz de um suposto protetor invisível, distante da realidade de cada ser marginalizado. Para eliminar essa “ausência” do pai protetor, o povo apelaria para a imagem de Getúlio, nas palavras de Lurdoso (1977): “Daí a razão dos retratos de Getúlio em cada lar, em cada botequim, nos prostíbulos, nos muros, nas oficinas, nas fábricas. O pai ausente deve ser visto. E a imagem está ali na parede, na sala, junto ao oratório”.Para este estudioso, João Antônio teria apreendido muito bem o processo de mitificação de Getúlio Vargas nas camadas populares, daí o livro tratar do populismo desta época sem ser populista, pois revelaria uma outra vertente do fenômeno Vargas para a história brasileira. Ao desvelar esse mito pela ótica marginal, João Antônio desmitificaria o mito criado pela burguesia, que seria a maior manipuladora dos fenômenos de mitificação na sociedade em geral.

Pelos aspectos levantados, podemos afirmar que a análise de Lurdoso (1977) é um estudo partindo da semiologia e da literatura e sociedade, já que está fundamentado nas considerações do discurso criado pelo fenômeno getulista. Os principais pontos destacados pela crítica na obra Lambões de Caçarola são a temática getuliana e sua relação com o contexto sócio-cultural de uma época, a linguagem como resgate desse contexto, a indefinição quanto ao gênero e ao método adotados por João Antônio. Entretanto, este último seria ultrapassado pela obra em si, como afirma, ainda, Dirceu Lurdoso (1977):

Um método só é válido quando privilegia a criação. Não quando fica parado diante dela a perguntar-se para que existe [...] João, seus livros nem sempre agradam aos cultores de um certo estruturalismo universitário e esnobe. Para esses professores o método é que é absoluto e a obra de arte relativa. Uma inversão. Para mim contam as obras.

Há, por parte da crítica, um certo incômodo em classificar a obra de João Antônio. Mas, por outro lado, a própria crítica se perde em seus métodos para avaliar uma obra do escritor. Contudo, esse fato não nos parece negativo, pois cada um parte de sua vivência e das sensações ao ler um livro como Lambões de Caçarola, já que o mito está em todos, seja pelas leituras, seja pela experiência de cada um.

Embora tenham sido destacados pontos específicos dessa obra, cada um deles colaborou para que o leitor pudesse ter uma visão mais global do fenômeno Vargas. Seja pela linguagem, retratando a realidade da época, seja pelo caráter didático, que tem como alvo o público jovem, o leitor se depara com o mito visto por outro ângulo, assim como a grande carga mítico-ideológica que fez com que o povo criasse sua própria memória do “grande pai” Getúlio Vargas.

4.3 – Ô COPACABANA! : A DESMITIFICAÇÃO DA