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ANÁLISE DE QUESTÕES DE TRADUÇÃO

1 ASPETOS LEXICAIS

4. OUTRAS QUESTÕES

4.4 Lapsos no texto de partida

Considerado o tradutor “o único autêntico leitor” de um texto, segundo a definição de Bufalino, a ele toca também notar e referir todas as falhas ortográficas ao autor do texto de partida. De facto, apesar das inúmeras revisões tanto automáticas como manuais as quais é submetido um texto antes da sua publicação, este apresentará sempre algumas pequenas falhas, que na maioria dos casos passarão despercebidas por um leitor comum, focado claramente mais no conteúdo da história do que na forma em que a mesma é escrita e estruturada. Portanto, retomando o tópico de reflexão sobre o papel do tradutor no processo comunicativo, presente no capítulo I (questões iniciais) do presente relatório de projeto, e tendo em consideração que o objetivo da nossa tradução é transmitir uma realidade cultural diferente e próxima ao mesmo tempo, acreditamos que,

tal como Herbulot (1997) sustenta, tendo o tradutor detetado algum erro ou lapso no texto de partida, deverá intervir, de forma a proporcionar ao seu leitor um texto com informações corretas e por ele verificadas, resultado de uma leitura atenta e crítica do texto original.

No caso específico de “Nostalgias pretéritas” foram detectadas várias falhas ortográficas não intencionais mas houve alguns casos onde foi necessário um contacto entre a tradutora e o autor do texto de partida para evitar que a falta de compreensão por parte da tradutora pudesse interferir no significado e na qualidade da tradução.

(66)

a) A los ojos del niño que yo era, el tío Tito resultaba ser aquel señor que cuando llegaba a Madrid te traía regalos de sitios insospechados, te montaba en la cabina de un tráiler enorme —tanto como para tener un colchó para dormir detrás de los asientos del piloto y el copiloto—, y te llevaba a un circo; lugar este absolutamente exótico y diferente de cualquiera de los ambientes en que yo me podía mover a tan corta edad. (Página 18, linha 14)

b) Aos olhos da criança que eu era, o tio Tito resultava ser aquele senhor que quando chegava a Madrid trazia prendas de lugares inimagináveis, fazia-te montar na cabina dum semirreboque enorme (tanto que tinha um colchão para dormir por detrás dos assentos do piloto e do co-piloto), e levava-te a um circo; lugar absolutamente exótico e diferente de qualquer um dos ambientes em que eu me podia mover quando era tão novo.

(Página 17, linha 39) No exemplo acima referido (66) e extraído do capítulo El Jabato no teatro chinês, podemos ver como a falha ortográfica do texto de partida “colchó” em vez de “colchón”, não significa de forma alguma uma dificuldade para o tradutor, dado que é um erro de fácil identificação e que não existe em castelhano nenhum significado relacionado à palavra “colchó”. A tradutora limitou-se então a traduzir a palavra na sua forma correta para

“colchão”, correspondente português de “colchón”.

(67)

a) Algunos eran de los llamados “buscapiés”, que rectan por el suelo y son realmente peligrosos.

(Página 26, linha 31)

b) Alguns eram dos chamados “busca-pés”, que reptan pelo chão e são realmente perigosos.

(Página 25, linha 46)

Ao contrário do exemplo anterior, no fragmento (67) procedente do capítulo “Touros de fogo”, a falha ortográfica do autor no texto de partida supôs uma grande dificuldade para a tradutora, dado que na língua espanhola existe o verbo “rectar” e tem a seguinte definição: “tr. p. us. Hacer recto, rectificar” (Diccionario em linha da Real Academia Espanhola). Após ter comunicado com o autor, este esclareceu que o verbo em questão era, na verdade, “reptar”, cujo significado é “Andar o desplazarse arrastrando el cuerpo” (Clave) e indica o andamento típico do reptis. O mesmo verbo existe em português com a mesma conotação, portanto, uma vez aclarada a confusão, foi simples obviar a este mal-entendido.

Para concluir gostaríamos de contrastar a afirmação de François Vaucluse acerca do facto que “Todos os autores temem o tradutor, o único leitor lúcido”. Houve de facto uma grande colaboração por parte do autor Mario Garrido Espinosa que além de esclarecer com muito entusiasmo todas as dúvidas da tradutora mostrou um grande interesse em receber uma lista de todas as falhas detectadas ao fim de melhorar cada vez mais a qualidade da própria obra.

CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo o comentário da tradução efetuada ao longo do Trabalho de Projeto integrado no Mestrado em Tradução da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

O trabalho foi efetuado em duas fases, a primeira coincide com a proposta de tradução da obra Nostalgias Pretéritas (2016), da autoria de Mario Garrido Espinosa, e a segunda com elaboração de uma análise de tradução, onde tratamos algumas questões linguísticas e de tradução que destacaram ao longo do nosso processo de tradução, e apresentamos, seguidamente, as estratégias utilizadas para a sua resolução.

Apesar de termos identificado várias questões de tradução que seria igualmente interessante analisar, por uma questão de restrição de espaço neste relatório, focámo-nos nos aspetos que apareceram no texto de forma mais frequente e que implicaram um maior desafio para a tradutora, nomeadamente aspetos lexicais, sintáticos e culturais.

O relatório desenvolveu-se em dois capítulos. No capítulo I, intitulado “Questões iniciais”, num primeiro momento, procedemos à caracterização da obra e da autora; a seguir, refletimos sobre o papel do tradutor no processo comunicativo, sobre as situações em que o mesmo tem a responsabilidade de tomar uma decisão que poderia modificar por inteiro o estilo do texto traduzido e sobre a importância fundamental desta figura para servir de ponte entre duas culturas.

No capítulo II, intitulado “Análise de questões de tradução”, analisámos algumas questões, problemas e dificuldades de tradução que surgiram ao longo do trabalho desenvolvido e sobre as escolhas tomadas pela tradutora para a resolução dos mesmos. O capítulo estruturou-se em quatro partes, a primeira referente a aspetos lexicais, a segunda a aspetos sintáticos, a terceira a aspetos culturais e, por fim, a quarta a outras questões de tradução relevantes para o presente trabalho.

Relativamente aos aspetos lexicais focámos a nossa atenção em quatro pontos principais: nível linguistico, combinatórias lexicais, estrangeirismos e neologismos e jogos de palavras.

No primeiro ponto, analisamos o estilo utilizado pelo autor na escritura do texto de origem e a sua tendência a preferir a linguagem informal e coloquial por uma questão de coerência com o tema da obra (o relato conta as lembranças de infância da criança protagonista). Na seção relativa às combinatórias lexicais tratámos de forma teórica a

natureza das mesmas e, contemporaneamente, apresentamos vários exemplos para demonstrar o desafio que implica a transmissão destes elementos de uma língua para outra. No terceiro ponto, considerada a frequência de aparição dos mesmos no texto de partida, abordámos o tema dos estrangeirismos e a forma como estes se apresentam no texto de chegada. Para terminar, o último ponto abordou o tema dos neologismos e dos jogos de palavras, sendo estes também relativamente frequentes dentro do texto.

Na secção relativa aos aspetos sintáticos analisámos os temas da propriedade de seleção categorial dos predicados verbais, a colocação dos pronomes, as expressões com possessivos, a presença e omissão do sujeito, as formas ativas e passivas e as simplificações sintáticas. No primeiro ponto destacámos aquelas situações em que os elementos gramaticais das duas línguas, nomeadamente os predicados verbais, apesar da proximidade gráfica, lexical e de significado, regem elementos diferentes em espanhol e em português. Na segunda seção focamos a nossa atenção sobre a posição dos pronomes dentro da frase na língua de partida e na língua de chegada. Abordámos a seguir o tema das expressões com possessivos, cuja ocorrência varia de uma língua a outra. No quarto ponto abordámos a questão relativa à presença ou omissão do sujeito e como isto se reflecte no texto de chegada. Seguidamente falámos das formas ativas e passivas e de como estas aparecem dentro dos textos de partida e de chegada. Para terminar, na ultima seção analisamos a necessidade de intervir em alguns momentos com uma simplificação sintática para poder proporcionar fluidez e naturalidade ao texto de chegada.

A seguir abordámos as questões culturais que surgiram ao longo da tradução e que, ao parecer da tradutora e autora do presente relatório, constituem a parte mais fundamental não somente da presente tradução mas de todas as traduções, independente do par linguístico e do tipo de texto. Foram apresentados vários exemplos de diferente tipo e as consequentes estratégias utilizadas para a tradutora ao fim de manter sempre que possível a mensagem que o autor queria transmitir intacta. Nesta seção também foi abordado o tema do itálico como recurso para assinalar a presença de estrangeirismos.

Na última secção focámos a nossa atenção sobre outras questões de tradução relevantes para este trabalho que não eram integráveis nas secções anteriores, como os aspetos culturais sedundários, que por razões logísticas não foi possível inserir na seção precedente, a adição e omissão de elementos no texto de chegada para manter a fluidez do mesmo, a pontuação e as diferenças que existem entre as duas línguas em relação à mesma, os lapsos no texto de partida e a tradução de citações dentro do relatório, considerada a variedade linguísticas dos autores nele mencionados.

Por último, em Anexo, apresentamos a nossa proposta de tradução da obra Nostalgias

Pretéritas, desenvolvida no decurso da primeira fase deste Trabalho de Projeto.

Como já foi referido na, o trabalho desenvolvido representou um grande desafio para a tradutora que, por não ser nativa nem da língua de partida nem da língua de chegada, se viu muitas vezes na posição de individuar um problema linguístico que precisava ser resolvido e cuja resolução requereu um grande trabalho de pesquisa e investigação. Por esta e por outras razões a tradutora optou sempre por manter à fidelidade ao texto e por adicionar elementos (na tradução é presente um considerável número de notas explicativas) que não alterassem, sempre que possível, a mensagem que o autor quis transmitir através das escolhas linguísticas tomadas no relato do texto da obra seleccionada como texto de partida. A tal propósito gostariamos de concluir este trabalho com uma citação em língua original do linguista e critico literário italiano Benvenuto Aronne Terracini, seguida pela tradução da mesma para o portuguesa realizada pela tradutora.

«Questo deve fare il perfetto traduttore; senza sviarsi né a destra né a sinistra deve trovare la

ragione espressiva della propria fatica; la sua personalità non si annulla perché non può, ma si fa trasparente, si riduce come una parete di cristallo che lascia vedere senza deformazioni ciò che sta dall’altra parte, ma che con il suo spessore mantiene separati gli ambienti.»

(Terracini)

«Eis o que tem que fazer o tradutor perfeito; sem desviar nem para a direita nem para a esquerda tem que encontrar a razão expressiva da própria fatiga; a personalidade dele não se anula porque não pode, mas torna-se transparente, reduz-se como uma parede de cristal que deixa ver sem deformações o que está do outro lado, mas que com a sua espessura mantem separados os ambientes.»