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“Atrás do trio elétrico, Só não vai quem já morreu

Quem já botou pra rachar Aprendeu, que é do outro lado Do lado, de lá, do lado Que é lado, lado de lá...

(Atrás do Trio Elétrico, Caetano Veloso)

Entenda-se por lazer:

Um conjunto de atividades prazerosas, voluntárias e liberatórias, centradas em interesses culturais, físicos, manuais, intelectuais, artísticos e associativos, realizadas num tempo livre roubado ou conquistado historicamente sobre a jornada de trabalho profissional e doméstico e que interferem no desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos (CAMARGO, 2003, p. 97).

Ao se estudar o lazer, entendendo-o como espaço de sociabilidade, percebe-se a importância desta prática como forma de humanização, e, mais ainda “O lazer abre um campo educativo não para aprender coisas, mas para se exercitar equilibradamente as possibilidades da participação social lúdica.” (Ibid, id, p.71-75).

Segundo Camargo (Idem, p.18), Joffre Dumazedier, criador da Sociologia do Lazer, classifica as atividades de lazer, baseado no princípio do interesse cultural central de cada

atividade, em: físicas, manuais, intelectuais, artísticas e sociais e, Camargo acrescenta o lazer turístico e associativo, como descreve abaixo:

As atividades físicas de lazer: caminhadas, ginástica, esporte e atividades correlatas,

executadas de maneira formal ou informal. Interesse central: forma física, estética, contemplação da natureza, socialização e busca da solidão. (CAMARGO, 2003, p.20-21); Atividades manuais de lazer: lavar automóvel, cultivar hortaliças e animais de corte em quintais urbanos, tricô, fabricação de máquinas e utensílios domésticos”. Interesses: [...] prazer de manipular, explorar e transformar a natureza.”. (Ibid, id, p.20-22).

Atividades intelectuais de lazer: conversação aparentemente banal com os amigos, meios de difusão eletrônica, consulta especializada. Interesses: o exercício do conhecimento e satisfação da curiosidade intelectual, em todos os campos. (Ibid, id, p.25);

Atividades artísticas de lazer: “[...] a decoração da casa, por simples que seja, as

roupas, a maquiagem e, principalmente as festas. Todo tipo de festas”. Interesses: a prática e a assistência de todas as formas de cultura erudita conceituadas como arte, tais como cinema, teatro, literatura, artes plásticas, etc. (Ibid, id, p.23).

Atividades turísticas de lazer: freqüentar locais com paisagens de céu, sol e água; praias seguidas de montanhas, campo e lugares históricos. Interesses: viver ritmos opostos à rigidez do tempo de trabalho urbano com estilos de vida mais requintado, mesmo sem ser necessário ser mais caro, com o consumo de lembranças, roupas, comidas e bebidas. (Ibid, id, p.25-28).

Atividades associativas de lazer: lazer doméstico: passeios e jogos com a família,

visitas a amigos e parentes, freqüentar grupos, associações e movimentos culturais, de ação político-partidária. Interesses: “o interesse cultural centrado no contato com as pessoas.” (Ibid, id, p.25-26).

Oliveira (apud ERICH FROMM, 2001, p.22), argumenta que “na arte de viver, o homem é simultaneamente o artista e o objeto de sua arte” e também Lapassade: “Nenhum de nós se humaniza sozinho; necessita da presença dos outros, que com suas peculiaridades, oferecem testemunho vivo de nosso inacabamento”, chamam atenção para o homem como aquele que é criador e criativo e, para um viver social, como formas de nos tornarmos cada vez mais humanos. Oliveira, abaixo, mostra a importância do lúdico em nossas vidas como forma de fertilizar as amizades, de nos tornarmos mais criativos, criticando a sociedade atual que não possibilita esse espaço.

A sociedade em que vivemos não fertiliza a amizade em nós e algo semelhante poderia ser dito a respeito de nossa inventiva. Em nossa infância, todavia, parecíamos mais imunes a isso, alimentando amizades e cultivando fluência na fantasia, a criar brinquedos e a reinventar brincadeiras (OLIVEIRA, 2001, p.23).

Oliveira (2001, p.18-20) refere que “ninguém basta a realização das chamadas necessidades básicas”, e retoma ao tempo do século XVIII quando na Grã-Bretanha, trabalhadores reuniam-se após o horário de trabalho, nas tavernas, locais propícios par beber e se divertir, tidos por alguns, como “a igreja do trabalhador”, indo “comprar cerveja e ter fins de tardes alegres”, como também discutir interesses comuns, para o bem comum. Aí as associações foram emergindo com um sentido lúdico.

Simone Weil, já atentava para o fato de que “um regime de trabalho deve convir à produção, mas não a ela somente. Precisa também convir aos homens, às necessidades humanas dos que produzem” (p.19), estando claro as necessidades de afeto, carinho, amor, prazer em se relacionar com objetos de desejo, satisfazendo-se das realizações advindas destes momentos lúdicos.

Friedmann (2001, p.130) aborda a necessidade que tem o homem, em voltar seus conhecimentos em prol de si mesmo e dos outros homens, de maneira a que possam fazer a “transmutação do tempo liberado em tempo livre”

Quem diz lazer, diz, essencialmente, escolha, liberdade. O lazer corresponde às disposições, aos gostos individuais, a um complexo de tendências abrigadas no próprio coração da personalidade. Respeitar a pessoa humana, é respeitar também seu lazer e mesmo, segundo o título de um panfleto célebre, seu “direito à preguiça” (FRIEDMANN, 2001, p.129).

Segundo Grazia, (apud OLIVEIRA 2001, p.28), “uma condição essencial para o lazer é ter um sentido de tempo diferente do moderno”.

Oliveira (2001, p.113) argumenta que “uma das formas mais comuns para se enxergar utilidade no uso do tempo é a possibilidade de convertê-lo em grandezas mensuráveis dentro da racionalidade econômica, que hoje predomina em nós”, acrescentando que [...] “Não é raro descobrir alguém dizendo não ter feito nada. “Nada” este que se traduz na impossibilidade de conversão financeira de gestos e atitudes” e, ainda: [...] “O trabalho é sim importante, mas também o são a necessidade de justiça, o desejo de amar e ser amado, o direito a condições dignas de existência, a necessidade de descontração, a entrega a momentos risonhos...”.

Pode-se, então, falar de lazer nas populações de jovens pobres, sem recursos

sequer de subsistência? Pergunta Camargo que responde com outro questionamento: “Não será mais fácil compreender que há necessidades básicas materiais e não materiais e que o sonho, a alegria fazem parte dessas necessidades?” (CAMARGO, 2003, p. 98).

Russell (2001, p.40-41), mostra o direito de toda a comunidade a participar do lazer, com a seguinte citação: “A técnica moderna tornou esse lazer possível, a fim de diminuir consideravelmente a quantidade de trabalho exigida para assegurar a subsistência de todos”, expondo, dentre outros conceitos históricos, o que acontecia em Atenas:

Quando os senhores de escravos atenienses, por exemplo, empregavam uma parte de seu lazer, dando uma contribuição à civilização, e, nos tempos passados, esse lazer de poucos, somente era possível pelo trabalho de muitos. Mas seu trabalho era preciso, não porque seja bom, mas, porque o lazer é salutar. E, com a técnica moderna, teria sido possível proporcionar um merecido lazer, sem prejudicar a civilização.

A princípio, segundo ainda Russell (2001), o fato de que pobres teriam direito ao lazer, incomodou aos ricos que já eram muitos, na Inglaterra, princípio do século XIX, quando tinham como dever de trabalhar quinze horas por dia, os adultos e doze horas por dia, as crianças. A resposta aos que discordavam deste feito era assim respondida: “[...] o trabalho afasta os adultos da bebida e as crianças das traquinices”.

O lazer passou a ser reconhecido, aceito, como uma necessidade humana e não apenas dos jovens abastados. Na concepção de Russell (2001, p.42), “deve-se admitir que o uso acertado do “lazer”, é um produto da Civilização e da Educação”. Finalmente, ele afirma que “um homem que trabalhou longas horas durante toda a vida, ficará entediado se, de repente, ficar sem ter o que fazer. Mas, sem um razoável descanso, um homem sentir-se-á privado de muitas melhores coisas” .

O lúdico é importante, pois contribui para o desenvolvimento da personalidade, e muitos jovens nas suas brincadeiras infantis e adolescentes vivenciaram práticas delinqüentes, desenvolvidas em momentos de brincadeiras e jogos. Para tanto, menciona- se também a importância do lazer relacionado com os jogos, à luz de alguns autores, como Caillois (1986) e Huizinga (1933), que foram grandes estudiosos dos jogos.

Caillois (1986, p.31), falando sobre os jogos, refere que “não há dúvida que o jogo deve se definir como uma atividade livre e voluntária, como fonte de alegria e de diversão” e o descreve, então, em quatro categorias :

1) Âgon- são os jogos de Competição – esportes em geral (Corridas, Natação, Futebol, Xadrez etc);

2) Alea- são jogos da Sorte ou Azar (Dados, Roletas, Baralhos, Loterias etc.);

3) Mimicry- são jogos de Simulacro – os participantes entram no universo do jogo e assumem papéis – (RPG – Rolling Play Game);

4) Ilinx - são os jogos de Vertigem – atingem uma espécie de espasmo ou transe de estonteamento que desvanece a realidade, girar em torno de si mesmo até perder o controle; Sensações Físicas Profundas etc. (Ski, Snowboard, Vôo livre, Salto de Paraquedas, Skate, Rapel, são os chamados Esportes Radicais; e inclui aí, o Consumo de Drogas). Caillois (1986, p. 41-42) argumenta que “o prazer maior dessas práticas, talvez esteja em sentir o “hálito frio da morte” e, no último minuto, “sobreviver”. Prosseguindo, o autor mostra o significado das palavras paidia e ludus, dizendo:

Quase por completo, em um dos extremos reina um princípio comum de diversão, de turbulência, de livre improvisação e de despreocupada plenitude, mediante a qual se manifesta certa fantasia desbocada que podemos designar mediante o nome de paidia. No extremo oposto, essa exuberância travessa e espontânea quase é absorvida ou, em todo caso, disciplinada por uma tendência complementar, oposta por alguns conceitos, porém não por todos, de sua natureza anárquica e caprichosa: uma necessidade crescente de apegá-la a convencionalismos arbitrários, imperativos e perturbadores a propósito, de contrariá-la cada vez mais usando diante dela artimanhas indefinidamente cada vez mais perturbadas, com o fim de fazer-se mais difícil chegar ao resultado desejado.

Dessa forma, segundo Caillois(1986, p.31-37),

[...] não há dúvida de que o jogo se deve definir como uma atividade livre e voluntária, como fonte de alegria e de diversão [...] a palavra jogo evoca as mesmas idéias de diversão, de risco e de habilidade. Sobretudo, infalivelmente, traz consigo uma atmosfera de recreação e de diversão.

Dessa maneira, “o jogo significa então liberdade, que deve manter-se no seio do rigor mesmo para que este adquira e conserve sua eficácia”. “[...] Em efeito, uma máquina é um enigma de peças concebidas para adaptar-se umas as outras e funcionar concertadamente. Porém, no interior desse jogo, inteiramente exato, intervém um jogo de outra espécie, que é da vida”. “[...] O jogo propõe e propaga, estruturas abstratas, imagens de ambientes fechados e protegidos, em que podem exercitar-se competências ideais” (CAILLOIS, 1986, p.12-13).

Huizinga, em 1933, analisou “magistralmente, várias das características fundamentais do jogo” e, tem o mérito de “haver demonstrado a importância de sua função

no desenvolvimento do mesmo para a civilização”. Para Huizinga (apud CAILLOIS, 1986, p. 28), o jogo:

[...] em seu aspecto formal, é uma ação livre executada “como se” e sentido como situada fora da vida corrente, porém que, apesar de tudo, pode absorver por completo ao jogador, sem que haja nele nenhum interesse material nem se obtenha nele proveito algum, que se executa dentro de um determinado tempo e de um determinado espaço, que se desenvolve em uma ordem submetido a regras e que origina associações que propagam arrodear-se de mistério ou a disfarçar-se para destacar-se do mundo habitual.

Caillois (1986, p.29) refere que “tudo o que é mistério ou simulacro por natureza está próximo ao jogo: e ainda é necessário que se imponha à parte da ficção e da diversão, isto é, que o mistério não seja reverenciado e o simulacro não seja nem princípio nem sinal de metamorfose e de possessão”.

Esta pesquisa busca um entendimento mais apurado de como os jovens vêem o lazer hoje e, de que maneira ele se dá, num momento em que, a maioria deles, por não ter tido ainda seu primeiro trabalho, estão utilizando seu tempo livre, relacionando-o com o risco.

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