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A legislação brasileira de acesso e repartição de benefícios é constituída pela Convenção sobre Diversidade Biológica, pelo Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura e seus respectivos instrumentos de implementação.

A CDB foi aprovada pelo Congresso Nacional, por intermédio do De- creto Legislativo nº 2, de 3 de fevereiro de 1994, e incorporada à legislação brasileira pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998. O Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação da CDB em 28 de fevereiro de 1994, passando a mesma a vigorar, para o Brasil, em 29 de maio de 1994, na forma de seu artigo 36.

O Tirfaa foi aprovado pelo Congresso Nacional, por intermédio do Decre- to Legislativo nº 70, de 19 de abril de 2006, e incorporado à legislação brasileira pelo Decreto nº 6.476, de 5 de junho de 2008. O Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação do Tirfaa em 22 de maio de 2006, passando o mesmo a vigorar, para o Brasil, em 22 de agosto de 2006, na forma de seu artigo 28.2.

Os recursos genéticos em geral são regidos pelo sistema legal implemen- tado pela Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, e os recursos fitogenéticos para alimentação e agricultura, mantidos em condições ex situ, constantes do Anexo I do Tirfaa, são regidos pelo Sistema Multilateral de Aces- so e Repartição de Benefícios.

A promulgação do Tirfaa torna necessária a elaboração de legislação es- pecífica, diferenciando as condições de acesso e repartição de benefícios para os recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura que não constam no Anexo I e para aqueles que se encontram em condições in situ, bem como para implementar os direitos de agricultores.

O Brasil tem empreendido esforços para adequar suas políticas públicas às exigências de utilização e conservação dos recursos biológicos, com destaque para a Política Nacional de Biodiversidade, aprovada pelo Decreto nº 4.339, de 22 de agosto de 2002, e pela Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que regulamenta o acesso e repartição de benefícios.

A Medida Provisória nº 2.186-16/01, regulamenta os artigos 1º, 8º, alínea “j”, 10, alínea “c”, 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convenção sobre Diversidade Bioló- gica, com o intuito de dispor sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utiliza-

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ção. Tem por objetivo regular direitos e obrigações pertinentes ao acesso a com- ponente do patrimônio genético e ao conhecimento tradicional a ele associado, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e bioprospecção, visando sua aplicação industrial ou de qualquer outra natureza.

Em seu texto, a MP utiliza a expressão patrimônio genético, em estrita obediência à Constituição Federal, que a utiliza em seu artigo 225, inciso II, diferentemente da CDB, que utiliza a expressão recursos genéticos. A MP con- fere à União a competência para a normatização, autorização e fiscalização do acesso e da exploração dos recursos genéticos, criando, no âmbito do Ministé- rio do Meio Ambiente, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), composto por representantes da administração pública federal, designado como a autoridade nacional para assuntos de acesso e repartição de benefícios.

O legislador brasileiro, ao conceituar conhecimento tradicional associa- do, para os fins da MP, sinalizou com algumas informações importantes. O co- nhecimento é sempre considerado como coletivo, ainda que apenas um membro da comunidade o detenha, opção jurídica que impossibilita o monopólio indi- vidual. Não são todos os conhecimentos tradicionais que possuem relevância para a aplicação da legislação brasileira, mas, apenas, aqueles que possuam um valor real ou potencial, não sendo considerado como tal, o conhecimento que não apresente utilidade. Esse conhecimento deve ser sempre associado ao patri- mônio genético e não considerado em si mesmo.

Embora o conhecimento seja baseado nas tradições, não significa, contu- do, que seja antigo ou careça de técnica. Tampouco esse conhecimento é estáti- co. Ao contrário, adapta-se constantemente às mudanças do meio e ao contato com pessoas de fora das comunidades. Entretanto, nesse particular, deve ser considerado o fato de que alguns conhecimentos foram integrados à cultura po- pular17, ao longo do seu processo de construção, juntamente a diversas outras

influências étnicas, caracterizando os conhecimentos populares, resultado da grande miscigenação cultural existente no país.

Outra exigência legal estabelecida pela MP é que esse conhecimento deve ser detido por uma comunidade indígena ou local. A identificação de uma comu- nidade indígena ou quilombola é relativamente simples, o mesmo não ocorren-

17 Cultura popular brasileira designa os saberes e fazeres do povo brasileiro, cuja trajetória, desde

a formação até os dias de hoje, tem possibilitado o encontro e a combinação de tradições culturais diversas, recriadas em combinações novas, brasileiras. A história desses encontros e criações que é a própria história brasileira é marcada por conflitos e contradições. Embora se aprenda que o brasileiro é o resultado da junção de representantes de três raças; o branco, o negro e o índio, o povo brasileiro, além de multiétnico, é pluricultural.

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do com as comunidades locais. Diante dessa dificuldade, algumas característi- cas podem ser utilizadas como referência, dentre elas:

 dependência freqüente de uma relação de simbiose entre a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis, com os quais se constrói um modo de vida;

conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos, que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais;  transferência de conhecimentos por oralidade de geração em geração;  noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica

e socialmente;

moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter se deslocado para os centros urbanos e depois voltado para a terra de seus antepassados;

 importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mer- cadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica uma rela- ção com o mercado;

 reduzida acumulação de capital;

 importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais;

importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, à pesca e às atividades extrativistas;

 utilização de tecnologias relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente;

 reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo produtor e sua família domina o processo de trabalho até o produto final;  fraco poder político, que em geral reside com os grupos de poder dos cen-

tros urbanos;

 auto-identificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma cul- tura distinta das outras.

O sistema de acesso e repartição de benefícios, estabelecido pela Medida Provisória 2.186-16/01, em consonância com a CDB, prevê o consentimento prévio fundamentado do provedor do recurso genético ou do conhecimento tra- dicional associado e a existência dos termos mutuamente acordados, por inter- médio do Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios (Curb).

Uma característica interessante do sistema brasileiro de acesso e reparti- ção de benefícios é sua inter-relação com o sistema de propriedade industrial, mediante a exigência de comprovação de observância da MP, para fins de con-

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cessão de patentes. O requerente do pedido de patente de invenção de produto ou processo resultante de acesso a componente do patrimônio genético realizado desde 30 de junho de 2000 deve informar ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a origem do material genético e do conhecimento tradicional associado, quando for o caso, bem como o número da correspondente autoriza- ção de acesso concedida pelo órgão competente. Os procedimentos necessários foram normalizados pela Resolução Cgen nº 34, de 12 de fevereiro de 2009 e pela Resolução INPI nº 207, de 24 de abril de 2009, que instituiu formulário específico para tal fim.

A implementação dessa legislação permanece inacabada, haja vista a in- tensa atividade do Cgen em editar resoluções e orientações técnicas, de forma a possibilitar a aplicação da referida MP, em vigor indefinidamente, por força da Emenda Constitucional nº 32, que regulamenta a edição e o trâmite de medidas provisórias. A MP foi regulamentada pelo Decreto nº 3.945, de 28 de setembro de 2001, alterado pelos Decretos nº 4.946, de 31 de dezembro de 2003, nº 5.439, de 3 de maio de 2005 e nº 6.159, de 17 de julho de 2007, e pelo Decreto nº 5.459, de 7 de junho de 2005.

O Decreto nº 3.945/01 define a composição e estabelece as regras de fun- cionamento do Cgen, órgão com a responsabilidade de coordenar a implantação das políticas e normas técnicas para gestão do patrimônio genético. Dispõe tam- bém sobre os diferentes tipos de autorização de acesso e remessa e os documen- tos e procedimentos necessários à sua obtenção, bem como do credenciamento de instituição fiel depositária.

O Decreto nº 5.459/05 disciplina as sanções aplicáveis às condutas e ati- vidades lesivas ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. Com a sua publicação, as instituições que exercem atividades de pesquisa, uti- lizando componentes da biodiversidade brasileira, sem a autorização do Cgen, tornaram-se passíveis de responderem a processos administrativos que podem culminar com a interdição do estabelecimento e a aplicação de multas.

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Autoridade nacional: Conselho de Gestão do