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Legislação do Direito Civil e a Mulher

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2 PROCESSOS DE LEGITIMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA VIOLÊNCIA

3.3 NOVAS PERSPECTIVAS PARA A MULHER NA HISTÓRIA DA LEGISLAÇÃO

3.3.1 Legislação do Direito Civil e a Mulher

O Código Civil Brasileiro de 1916 era uma codificação do século XIX, retratava bem a sociedade da época, marcadamente conservadora e patriarcal. Assim, só podia consagrar a superioridade masculina, transformando a força física do homem em poder pessoal, em autoridade e outorgando-lhe o comando exclusivo da família. A família se identificava pelo nome do marido, sendo a mulher obrigada a adotar os sobrenomes e apelidos do varão. O casamento era indissolúvel, considerado um dos sacramentos da religião cristã a regra era: “até que a morte o separe” (DIAS, 2013, p. 6).

Segundo Cretella Júnior (1993, p. 141), o Direito Civil Brasileiro sustentou os princípios conservadores mantendo o homem como chefe da sociedade conjugal e limitando a capacidade da mulher a determinados atos. Considerou a mulher casada como relativamente incapaz, determinando à esposa a obrigação de solicitar do marido autorização à prática dos atos na vida civil como trabalhar, gerir e dispor dos seus bens móveis ou imóveis. Ainda o artigo 380 do mesmo código dá ao homem o exercício do pátrio poder, permitindo tal exercício à mulher apenas na falta ou impedimento do marido.

A discriminação do código culminou com o artigo 240 que definitivamente colocou a mulher em situação hierárquica completamente inferior ao homem: “A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família” (CRETELLA JÚNIOR, 1993, p.142). Observa-se, ainda, que o artigo 242 restringia a pratica de determinados atos da mulher sem a autorização do marido:

Art. 242 - A mulher não pode, sem o consentimento do marido: I. Praticar atos que este não poderia sem o consentimento da mulher II. Alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis do seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens.

III. Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outrem. IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado.

V. Aceitar tutela, curatela ou outro múnus públicos.

VI. Litigar em juízo civil ou comercial, a não ser nos casos indicados nos arts. 248 e 251.

VII. Exercer profissão.

VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do casal.

IX. Aceitar mandato.

A mulher, ao casar-se, dependia de autorização do marido para trabalhar, realizar transações financeiras, nos termos dos artigos 233 e 242 do Código Civil de 1916. As mulheres detinham, segundo o Código de 1916, ao lado dos silvícolas, pródigos e menores púberes, capacidade relativa, pois, para gerir os atos da vida civil, necessitava da assistência do marido. Além disso, o Código punia severamente a mulher considerada "desonesta", permitindo a anulação do casamento, no prazo de 10 dias, contados a partir do casamento, pelo marido, caso fosse atestada a não virgindade da mulher, como afirmava o artigo 219: “Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: [...] IV – O defloramento da mulher, ignorado pelo marido”.

Admitia ainda a exclusão da filha da herança que não se comportasse de maneira condizente com os valores morais da época: “O artigo 1.744. É causa para deserdação dos descendentes por seus ascendentes: IV – Desonestidade da filha que vive na casa paterna; [...]”.

Como vimos, os artigos citados acima deixam evidente a situação de inferioridade e submissão enfrentada pelas as mulheres no decorrer da história. Apenas em 1961 foi modificada a legislação que igualava as mulheres aos índios, crianças e doentes mentais.

Em 1962, com a edição do Estatuto da Mulher Casada, ela deixou de ser considerada incapaz e dependente do marido. Apesar de a nova legislação permitir às mulheres disporem livremente de seus bens, na prática, o homem ainda mantinha um rígido poder sobre as propriedades em comum. Com o advento da Lei nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), o Código Civil brasileiro sofreu significativas mudanças. O artigo 393, que retirava da mulher o pátrio poder em relação aos filhos do leito anterior, quando contraísse novas núpcias, teve sua redação alterada proclamando que a mulher não mais perderia os direitos do pátrio poder quando contraísse novas núpcias. O artigo 380, que dava o exercício do pátrio poder ao marido, e somente na falta deste à mulher, concedeu o exercício do pátrio poder a ambos, pai e mãe, prevalecendo a vontade do homem no caso de discordância do casal,

ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência (VENOSA, 2007, p. 23).

O novo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, modificou a visão patriarcal do Código de 1916, buscando resgatar a mulher como ser humano em sua integralidade. O Código de 2002 trouxe inovações, na medida em que eliminou normas discriminatórias de gênero como, por exemplo, as referentes à chefia masculina da sociedade conjugal; à preponderância paterna no pátrio poder e à do marido na administração dos bens do casal, inclusive dos particulares da mulher; à anulação do casamento pelo homem, caso ele desconheça o fato de já ter sido a mulher deflorada.

O Código Civil de 2002 foi inovado também ao introduzir expressamente conceitos como o de direção compartilhada, em vez de chefia masculina da sociedade conjugal; de poder familiar compartilhado, no lugar da prevalência paterna no pátrio poder; substituiu o termo ‘homem’, quando usado genericamente para referir ao ser humano pela palavra ‘pessoa’; permitiu ao marido adotar o sobrenome da mulher; e estabeleceu que a guarda dos filhos passasse a ser do cônjuge com melhores condições de exercê-la; além de outros aspectos.

Entretanto, segundo Pimentel (2002, p. 188), o novo Código Civil ainda contempla alguns conceitos e valores obsoletos. Ressaltamos, a título de exemplo, no artigo 1.573, VI, o fato de que “conduta desonrosa” possa ensejar ação de separação por parte de qualquer um dos cônjuges. Sob a aparência de uma neutralidade ideológica quanto ao gênero, a expressão “conduta desonrosa” apresenta-se como passível de ser atribuída a ambos os sexos.

Contudo, tradicionalmente, expressões alusivas à honra e à honestidade ainda são encontradas em nossa sociedade, pois ainda encontramos resquícios de uma tradição cristã patriarcal, como também em nossa legislação civil estão carregadas de conotações pejorativas e discriminatórias quanto à sexualidade das mulheres. Citamos ainda como exemplo o artigo 1.520, que permite o casamento de mulheres quem ainda não alcançaram a idade núbil em caso de gravidez, para evitar imposição ou cumprimento da pena criminal imposta ao homem, aplicável aos casos em que a vítima - mulher que sofreu delitos sexuais se casam com o agressor.

Pressuposto para este benefício consiste no fato de a vítima ter sua “honra preservada” através do casamento (PIMENTEL, 2002, p. 188). Conceito esse respaldado em tradições cristãs e patriarcais que consideram o casamento um sacramento. Essa norma viola o princípio da igualdade e fere a dignidade e os direitos humanos das mulheres, ao atribuir ao casamento o caráter reparador da violência sexual cometida contra a mulher (DIAS, 2003, p. 7).

Vale ressaltar que essa norma consta ainda no Código Civil de 2002, porém, no Código Penal, não é mais aplicada, sendo retirada do Código, em 2005, pela lei n. 11.106/05.

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