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Diferente da família patriarcal, que antes apresentava o conceito de família – em que o homem era o centro, a esposa e os filhos necessitavam de sua permissão para a prática de seus atos, buscava-se a formação de patrimônio e a procriação –, o conceito de família moderno está transformado.

Como exemplo de família patriarcal, o Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071/2016) dispõe no livro de direito de família um capítulo que trata sobre os direitos e deveres do marido (artigo 2336 ao artigo 239), disciplinando que este é o chefe da sociedade conjugal e que lhe compete representar a família legalmente, prover a manutenção desta, entre outros.

São diversos os tipos de família na atual sociedade, a família fundamentada no casamento, a que surge da união estável, a monoparental, entre outras. Todas assentadas em relações de afeto e não apenas com o objetivo de procriação. Dias (2016, p. 232) explica ser necessário possuir “[...] uma visão pluralista da família, que abrigue os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar o elemento que

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Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal. Compete-lhe:

I. A representação legal da família.

II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial (arts. 178, § 9º, nº I, c, 274, 289, nº I, e 311).

III. direito de fixar e mudar o domicílio da família (arts. 46 e 233, nº IV).

IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal (arts. 231, nº II, 242, nº VII, 243 a 245, nº II, e 247, nº III).

V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277.

permite enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que tem origem em um elo de afetividade [...]” (grifo do autor).

Durante toda a história da humanidade, a família acompanhou as transformações da sociedade e, atualmente, em uma visão jurídica e sociológica se apoia no afeto, na ética, na solidariedade entre os seus membros, na preservação da dignidade (FARIAS; ROSENVALD, 2017).

Assim, como o direito (ordenamento jurídico) deve acompanhar as mudanças e evolução da sociedade, visto que aquele existe em função desta, o direito de família, regulado pelo Código Civil, também tivera que realizar alterações para melhor expressar tais mudanças da sociedade.

O Código Civil de 2002 alterou significativamente o direito de família regulamentado no Código Civil de 1916, trazendo transformações em sua estrutura como explicitado na tabela seguinte:

Tabela 4: Família no Código Civil de 1916 e no Código Civil de 2002

Família no CC/16 Família na CF/88 e no CC/02

Matrimonializada Pluralizada

Patriarcal Democrática

Hierarquizada Igualitária substancialmente Heteroparental Hetero ou homoparental

Biológica Biológica ou socioafetiva Unidade de produção e reprodução Unidade socioafetiva

Caráter institucional Caráter instrumental

Fonte: Farias; Rosenvald (2017, p. 42).

Após a Constituição Federal de 1988, a família possui especial proteção do Estado, conforme disposto em seu artigo 2267 disciplinando que a família é a base da sociedade (caput) e que o Estado assegurará a assistência a cada um de seus membros (parágrafo 8º).

Esse reconhecimento da família como base e as alterações em seu conceito são reflexos da transformação da sociedade ao longo do tempo e são influências da

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Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

dignidade da pessoa humana que adentrou o ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição Federal de 1988, tendo a família, portanto, uma mudança axiológica. Farias e Rosenvald (2017, p. 41) ensinam sobre a função da família:

Ou seja, a família existe em razão de seus componentes, e não estes em função daquela, valorizando de forma definitiva e inescondível a pessoa humana. É o que se convencionou chamar de família eudemonista, caracterizada pela busca da felicidade pessoal e solidária de cada um de seus membros. Trata-se de um novo modelo familiar, enfatizando a absorção do deslocamento do eixo fundamental do Direito das Famílias da instituição para a proteção especial da pessoa humana e de sua realização existencial dentro da sociedade (grifo do autor).

Diante disso, observa-se que a base da sociedade é a família, mas não como uma mera instituição, e sim buscando a proteção de cada um de seus membros, almejando a garantia dos direitos fundamentais para estes. Ademais, na lição de Tartuce (2017, p. 788), a família é influenciada pela sociedade que a transforma:

Desse modo, as relações familiares devem ser analisadas dentro do contexto social e diante das diferenças regionais de cada localidade. A socialidade deve ser aplicada aos institutos de Direito de Família, assim como ocorre com outros ramos do Direito Civil. A título de exemplo, a socialidade pode servir para fundamentar o parentesco civil decorrente da paternidade socioafetiva. Pode servir também para a conclusão de que há outras entidades familiares, caso da união homoafetiva. Isso tudo porque a sociedade muda, a família se altera e o Direito deve acompanhar essas transformações (grifo do autor).

Dentre os diversos tipos de relacionamentos conjugais existentes no mundo, está o casamento infantil que, como já tratado no primeiro capítulo, tem como conceito a união conjugal formal ou informal em que pelo menos uma das partes tenha idade inferior a menos de 18 (dezoito) anos.

O Código Civil Brasileiro regulamenta o casamento e dispõe que a capacidade para se casar (idade núbil) é aos 16 anos (artigo 1.517)8, fazendo a ressalva de que para os que ainda não atingiram a maioridade civil faz-se necessária a autorização de ambos os pais ou representantes legais. Além disso, disciplina que em caso de divergência entre os pais do menor de 18 (dezoito) anos (e maior de 16 (dezesseis) anos) a autorização será suprida pela via judicial.

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Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.

Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 1.631.

Assim, verifica-se que a capacidade para o casamento, regra geral, é atingida com a idade de 16 (dezesseis) anos. Contudo, o artigo 1.520 do mesmo diploma legal, dispõe que “excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez”.

Tal dispositivo prevê duas possibilidades em que o casamento será permitido, de forma excepcional, para menores de 16 (dezesseis) anos: a) para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal e b) em caso de gravidez. São os casos de suprimento judicial de idade, em que será sempre realizada pela via judicial concomitante ao consentimento dos pais (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 216- 217).

A primeira hipótese, porém, com o advento da Lei nº 11.106/2005 que alterou o artigo 1079, revogando os incisos VII e VIII do Código Penal, o casamento deixou de ser causa de extinção da punibilidade.

Ressalte-se que para os Crimes contra a Dignidade Sexual – que anteriormente era tratado como Crimes contra os Costumes –, previsto no título VI do Código Penal no artigo 213 ao artigo 226, prescrevia inicialmente, que a ação penal, prevista no artigo 22510, procederia, em regra, mediante queixa. Contudo, a lei nº 12.015 de 2009 alterou o artigo 22511 do referido código para que a ação penal dos crimes previstos nos capítulos I e II (I – dos crimes contra a liberdade sexual; II – dos crimes sexuais contra vulnerável) do título VI, procedesse mediante ação penal pública condicionada à representação, apresentando como exceção o fato de que

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Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: [...]

VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código; (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

VIII - pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração; (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

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Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa. § 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:

I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;

II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador. § 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação.

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Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

quando a vítima contasse idade inferior a 18 (dezoito) anos ou se pessoa vulnerável a ação seria pública incondicionada.

Recentemente, realizou-se novamente a alteração do artigo 22512 do Código Penal, por meio da Lei nº 13.718 de 2018, disciplinando que para os crimes tipificados nos capítulos I e II do título VI, a ação será pública incondicionada, ou seja, para todos os tipos de vítimas daqueles crimes e não apenas para as pessoas vulneráveis e menores de dezoito anos.

Tais alterações no Código Penal são relevantes em razão da demonstração do aumento da preocupação que o legislador tem em relação à vítima de violência sexual.

Segundo um estudo realizado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (2018), ocorrido entre os anos de 2011 a 2017, 76,5% dos casos de violência sexual notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) as vítimas são crianças e adolescentes.

Quanto à segunda hipótese, Farias e Rosenvald (2017, p. 216) explicam que o casamento só pode ser autorizado de maneira excepcional a fim de preservar a proteção que a Carta Magna de 1988 garantiu. Destaque-se o trecho a seguir da obra citada:

[...] A gravidez, seguramente, não impõe a celebração de um casamento, em especial porque a preocupação central do ordenamento jurídico é com a proteção integral e a prioridade absoluta da criança e do adolescente (CF/88, art. 227, e ECA, arts. 1º e 4º). Bem por isso, deve o magistrado cuidar para não retirar uma determinada criança ou adolescente da proteção diferenciada do sistema estatutário, impondo a ela deveres matrimoniais, de ordem pessoal e patrimonial, muitas vezes, incompatíveis com a sua própria condição pessoal e o seu desenvolvimento social, econômico e intelectual.

Os autores ainda defendem (2017, p. 216) a ideia de que o sistema judiciário segue em direção a inadmissibilidade total do suprimento de idade com relação ao casamento e ainda explicam que “[...] Criança e adolescente merecem um regime protetivo incompatível com as responsabilidades impostas pela constituição de uma família [...]”.

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Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada. (Redação dada pela Lei nº 13.718, de 2018)

Parágrafo único. (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.718, de 2018)

Dias (2016, p. 270) explica que a gravidez não justifica a autorização do casamento para menor de 16 (dezesseis) anos, por não existir discriminação da sociedade contra filhos havidos fora do casamento, não se fazendo necessária a realização do casamento para fins de reconhecimento do filho.

Assim, a capacidade civil para se casar concretiza-se aos 16 (dezesseis) anos de idade, podendo, em caso de gravidez, ser autorizado o casamento para menores dessa idade, ou seja, tanto relativamente incapazes quanto absolutamente incapazes podem se casar.

Destaque-se que se encontra em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) nº 56 de 2018, já aprovado pela Câmara dos Deputados (PL de autoria da Câmara dos Deputados nº 7119/2017) que objetiva conferir nova redação ao artigo 1.520 do Código Civil, extinguindo as possibilidades de casamento para menores de 16 (dezesseis) anos.

É relevante explicar que, embora o casamento seja hipótese de emancipação da capacidade civil prevista no parágrafo único do artigo 5º, inciso II do Código Civil, o Enunciado nº 53013 aprovado na VI Jornada de Direito Civil (realizado no ano de 2013) explica que “a emancipação, por si só, não elide a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente”, explicando que tal ato não justifica que a criança e o adolescente tenham “[...] alcançado necessariamente o desenvolvimento para afastar as regras especiais [...]” do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Diante disso, a maturidade física, mental e psicológica da criança e do adolescente ainda não está totalmente atingida antes de estes completarem 18 (dezoito) anos de idade, mas já possui capacidade para se casar. Tavares (2017, s.p.), especialista em Desenvolvimento do Setor Privado do Banco Mundial, ratifica que a permissão do casamento infantil é realidade crucial em vários países, contudo, a possibilidade de ocasionar diversos problemas aos menores de 18 (dezoito) anos, em especial as meninas, são vários:

Casar uma criança antes que ela atinja a maturidade física, emocional ou mental necessárias, por si só já é uma violência. Sua saúde e seu bem- estar psicológico são ameaçados, e sua capacidade de funcionar socialmente fica restringida. Uma menina casada precocemente pode também não ter condições de trabalhar e se ver em posição inferior economicamente, assim perpetuando o ciclo de desigualdade e violência.

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Enunciado 530: A emancipação, por si só, não elide a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Rodrigues (2004, p. 39) explica que se deve limitar a idade mínima para o casamento, por ser um ato de grande relevância:

Bem caminha o legislador em restringir a liberdade das partes, neste particular. O casamento é ato de imensa seriedade, do qual defluem conseqüências (sic) de enorme repercussão na vida social, sendo, portanto, conveniente que só se permita o ingresso no matrimônio de pessoas que atingiram um maior desenvolvimento intelectual, pois, embora o impedimento tenha surgido tendo em vista a mera aptidão física, não se pode negar que hoje se visa impedir, por intermédio dele, que pessoas sem relativo desabrochamento intelectual venham a se casar.

Em outro sentido, embora Dias (2016, p. 270) explique que ocorreu a derrogação tácita da primeira parte do artigo 1.520 do Código Civil, o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) em julgamento de recursos sobre suprimento judicial de idade para casamento de menores de 16 (dezesseis) anos entendeu que o artigo supra permanece em vigência, conforme pode comprovar-se no seguinte fragmento do relatório do recurso de apelação dos autos nº 7037443-15.2016.822.0001:

Assim, somente em dois casos específicos o Poder Judiciário poderá autorizar o casamento quando um dos contraentes ainda não atingiu a idade núbil. In casu, a menor não está grávida e não existe qualquer indício de que o noivo está sendo processado criminalmente, havendo tão somente a vontade dos noivos e o consentimento dos pais, sociedade e igreja. Dessa forma, não havendo hipótese para a antecipação da idade para o casamento, o pleito não merece provimento (TJRO. Apelação Cível nº 7037443-15.2016.822.0001, segunda Câmara Cível, Relator: Des. Kiyochi Mori. Julgado em 29/05/2017.)

No mesmo sentido a ementa dos autos nº 0016416-34.2012.822.0002 do Tribunal de Justiça de Rondônia:

Menor absolutamente incapaz. Autorização para casamento. Caso concreto. Improcedência. Deve ser rejeitado pedido de autorização para casamento de menor absolutamente incapaz e que não atingiu a idade núbil mínima de dezesseis anos, quando ausentes quaisquer das hipóteses excepcionais previstas no Código Civil (TJRO. Apelação Cível nº 0016416- 34.2012.822.0002, segunda Câmara Cível, Relator: Des. Marcos Alaor Diniz Grangeia. Julgado em 25/06/2015).

Em consonância ao referido entendimento, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em análise dos autos nº 1.0713.11.008707-7/001:

APELAÇÃO CÍVEL. CASAMENTO. IDADE NÚBIL. SUPRIMENTO

PROVIMENTO "IN SPECIE". - O casamento de pessoa que ainda não atingiu a idade núbil, ou seja, menor de 16 (dezesseis) anos, somente pode ser realizado para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal, ou em caso de gravidez, nos termos do art. 1.520 do Código Civil. - Não comprovadas nenhuma dessas situações de fato no caso concreto deve ser confirmada a sentença de improcedência da pretensão matrimonial (TJMG. Apelação Cível 1.0713.11.008707-7/001, segunda CÂMARA CÍVEL, Relator: Des. Belizário de Lacerda, julgado em 05/11/2013).

A fundamentação exposta nos relatórios dos autos citados é de que a menor não preencheu as hipóteses permitidas no artigo 1.520 do Código Civil. No mesmo sentido entende o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), entretanto este considera como um dos requisitos a comprovação de maturidade do menor de 16 (dezesseis) anos que requer o suprimento judicial de idade. A seguir, trecho dos autos nº 0030791-15.2018.8.21.7000.

Ora, a requerente JULIANA é menor, nascida em 03/07/2013, contando com apenas 14 anos de idade, consoante certidão de nascimento à fl. 07. Dessa forma, além de não atender ao critério cronológico, o requerimento da adolescente não tem por fim evitar imposição ou cumprimento de pena criminal, tampouco se baseia em existência de gravidez. Além disso, não há qualquer elemento demonstrando a maturidade emocional da menor (TJRS. Apelação Cível Nº 70076655794, Sétima Câmara Cível, Relatora: Liselena Schifino Robles Ribeiro. Julgado em 23/02/2018).

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por sua vez, em análise dos autos nº 0134139-11.2008.8.26.0000, manifesta-se também como hipótese de realização do casamento a imputação criminal, contudo explica que trata-se de presunção legal que o menor de 16 (dezesseis) anos de idade não tenha condições para contrair núpcias.

SUPRIMENTO IDADE CASAMENTO - Improcedência - Autora com 14 anos de idade por ocasião do ajuizamento da ação e do sentenciamento - Ausência de idade núbil - Inexistência de enquadramento nas situações excepcionais previstas no art. 1.520 do Código Civil (gravidez ou processo criminal) - Presunção legal de que o menor de 16 anos não possui maturidade psicológica para contrair matrimônio - Ausência de situação de necessidade ou extrema relevância para autorizar casamento a quem ainda não atingiu idade núbil - Alegação de que o noivo trabalha como frentista de posto de gasolina e possui intenções sérias não se enquadra nas hipóteses excepcionais acima elencadas - Sentença mantida - Recurso improvido (TJSP. Apelação Com Revisão 0134139-11.2008.8.26.0000, oitava Câmara de Direito Privado, Relator (a): Salles Ross. Julgado em 12/06/2008).

No caso acima analisado pelo TJSP a apelante (menina menor de 16 (dezesseis) anos de idade, representada por sua genitora) em suas razões de

recurso alega que não conviveu com o seu genitor, advindo de “[...] estrutura familiar sem grandes oportunidades e ambições profissionais”, sendo relevante a realização do matrimônio, objetivando a construção da família.

Nota-se pela análise dos casos alhures, que são de estados federativos tão distintos e distantes territorialmente, e de regiões de culturas diversas que o principal fundamento nas análises dos recursos é o preenchimento dos requisitos legais e não a aplicação, o estudo e a reflexão sobre o Princípio da Proteção Integral da adolescente envolvida no caso. Observa-se ainda que em todos os casos citados há o consentimento dos genitores quanto à realização do casamento.

Diversamente dos Tribunais de Justiça acima citados, o Tribunal de Justiça de Goiás no julgamento dos autos nº 146315-8/188 entendeu que a primeira exceção do artigo 1520 (para evitar imposição de pena) foi derrogada pelo dispositivo penal, seguindo o mesmo entendimento de Dias (na obra supracitado):

ACAO DE SUPRIMENTO DE IDADE. CASAMENTO A FIM DE EVITAR IMPOSICAO DE PENA CRIMINAL. IMPOSSIBILIDADE DERROGACAO DO ART. 1520 DO CODIGO CIVIL PELA LEI N. 11106/2005, A QUAL EXTIRPOU DO CODIGO PENAL O INCISO VII DO ART. 107, QUE PREVIA A HIPOTESE DO CASAMENTO DO AUTOR DO FATO DELITUOSO COM VITIMA, COMO CAUSA DE EXTINCAO DA PUNIBILIDADE. II - POR CONSEGUINTE, SE O CASAMENTO NAO MAIS PODE EVITAR A IMPOSICAO DA PENA CRIMINAL, E FORCOSO CONCLUIR QUE A POSTULACAO IMPRIMIDA NA PREAMBULAR E CARECEDORA DE GUARIDA EM NOSSA LEGISLACAO, MOTIVO POR QUE DEVE SER MANTIDA A SENTENCA OBJURGADA. RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO (TJGO. Apelação Cível n. 146315-8/188, terceira Câmara Cível, Relator: Rogerio Aredio Ferreira. Julgado em 06/10/2009).

O Tribunal de Justiça de Sergipe, no julgamento do recurso dos autos nº 0001659-56.2017.8.25.0073, diferente dos demais Tribunais citados, analisou o caso com base em estudo psicossocial realizado com a menor requerente, demonstrando a importância, não apenas em preencher os requisitos legais, mas também de se averiguar a situação biopsicológica que a menor se encontra:

Família. Apelação Cível. Ação de Suprimento de Consentimento para Casar. Critério etário. Idade núbil. Art. 1.517 do Código Civil. Exceções taxativamente previstas no art. 1.520 do Código Civil. Estudo psicossocial realizado. A postulante, ao tempo da propositura da demanda, possuía 14 anos de idade, completando 15 anos no último dia 16 de julho; Situação fática que não se amolda ao disposto no art. 1.517, do Código Civil; Situações excepcionais elencadas no art. 1.520, do Código Civil. Inobservância na hipótese; Estudo social que sugere que o pleito de suprimento não seja deferido, posto que a menor encontra-se numa etapa não compatível com a realidade e as responsabilidades advindas de um

casamento; Sentença fundamentada no caráter biopsicológico; Julgado que merece ser mantido; Recurso conhecido e desprovido à unanimidade (TJSE. Apelação Cível nº 0001659-56.2017.8.25.0073, primeira CÂMARA CÍVEL, Relator(a): Elvira Maria de Almeida Silva, Julgado em 24/09/2018).

Observa-se quanto à análise de entendimentos dos Tribunais de Justiça de diversos estados do país que a maioria segue o caminho de observação apenas da lei, existindo poucas exceções que tomam como relevante as fases da vida de infância e de adolescência que a (o) menor vivencia.

Assim, ante a análise da legislação, da doutrina e de entendimentos de tribunais estaduais, pode concluir que a lei está sendo aplicada sem atribuir à devida

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