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LEGISLAÇÃO DE ENQUADRAMENTO PARA A P ARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS NA CRIAÇÃO E GESTÃO DE ESPAÇOS VERDES PÚBLICOS

APLICAÇÃO E EXPLANAÇÃO DO CASO DE ESTUDO

8. INSERÇÃO DA AGRICULTURA URBANA EM ESTRUTURAS ECOLÓGICAS O PAPEL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS APLICAÇÃO AO CASO DE ESTUDO NA

8.3. LEGISLAÇÃO DE ENQUADRAMENTO PARA A P ARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS NA CRIAÇÃO E GESTÃO DE ESPAÇOS VERDES PÚBLICOS

Sendo objetivos desta Associação, como atrás visto, a criação e gestão de espaços verdes urbanos, e sendo objetivo da presente Tese como se pode concretizar aquela situação por práticas de cidadania, é relevante analisar a legislação de enquadramento para a participação dos cidadãos na criação e gestão de espaços verdes públicos.

Iniciando esta análise pela Lei fundamental de Portugal - a “Constituição da República Portuguesa” (CRP)68 - no seu Artigo 2.º “Estado de direito democrático”, afirma:

“A República Portuguesa é um Estado de direito democrático (…), visando a realização da democracia

económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.” (sublinhado nosso)

As “Tarefas fundamentais do Estado” estão também claramente definidas no Artigo 9.º da CRP, das quais são de ressalvar para a presente investigação, as seguintes (todos os sublinhados nossos):

(…)

“c. Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na

resolução dos problemas nacionais;”

(…)

“e. Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar

os recursos naturais e assegurar um correto ordenamento do território;”

(…)

A CRP é ainda mais específica nesta última matéria, nomeadamente no seu Artigo 66.º sobre “Ambiente e qualidade de vida”, onde se lê:

"1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o

defender.

2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:

a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;

b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socio-económico e a valorização da paisagem;

68 Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, revista pelas Leis Constitucionais n.º 1/82, de 30 de Setembro, 1/89, de 8 de Julho, 1/92, de 25 de Novembro, 1/97, de 20 de Setembro e 1/2001, de 12 de Dezembro,1/2004, de 24 de Julho e 1/2005, de 12 de Agosto.

c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e Sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;

d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;

e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da proteção das zonas históricas;

f) Promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial; g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente;

h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida.” (sublinhados nossos).

É assim consagrado o imperativo do Estado Português na gestão ambiental com o envolvimento e participação dos cidadãos, sendo também um direito dos mesmos o contribuírem ativamente para tal.69

Continuando nesta análise, no seu Artigo 267.º (Estrutura da Administração), a CRP reforça que: (sublinhado nosso)

“1. A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das

populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática.“

Na Lei fundamental portuguesa é assim dado inquestionável peso à participação dos cidadãos, per se ou em estruturas que os representem.

Nas palavras de Georges Burdeau (in “A Democracia”, 1975), “o que faz a autoridade do povo não é o número

de indivíduos que ele engloba, é o facto de nele, por intermédio dos cidadãos que reúne, residir um poder indiscutível porque procede da vontade de seres livres.”70

A participação dos cidadãos na gestão dos seus caminhos comuns, é assim para nós, a expressão da suprema liberdade da escolha individual, respeitando os direitos dos outros a essa mesma liberdade. É assim caminho de expressão criadora e de capacidade de auto-desígnio. É assim o privilégio de viver em sociedades livres, governadas pelo “povo”, e não apenas pelos seus números e correspondentes governantes eleitos, mas essencialmente pela expressão das suas vontades e diversidades individuais. Ou, regressando às palavras de BURDEAU,1975: “o poder é a energia da ideia.”71

69Um exemplo mais específico desta lógica conceptual, consta no CAPÍTULO V da CRP, “Organizações de moradores”, cujo texto parcialmente a seguir se transcreve: (sublinhado nosso)

“Artigo 263.º (Constituição e área)

1. A fim de intensificar a participação das populações na vida administrativa local podem ser constituídas organizações de moradores residentes em área inferior à da respectiva freguesia”.

(…)

Mas como SOROMENHO-MARQUES (1994, pag. 70) refere, “a política é também a arte do possível” (em itálico no original), no entendimento do que esse “possível” se materializa sempre num contexto de aqui e agora, sendo portanto dinâmico e sujeito a alterações de acordo com a conjuntura espaço-temporal da atuação.

Assim, a tradução prática do postulado na CRP está consagrada na Lei n.º 60/2007 de 4 de Setembro, que procede à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, publicada no Diário da República, 1.ª série — N.º 170 — 4 de Setembro de 2007, em particular nos seu Artigos 46.º - "Gestão das infra-estruturas e dos espaços verdes e de utilização coletiva" e 47º - "Contrato de concessão", que a seguir se transcrevem:

Artigo 46.º - Gestão das infra-estruturas e dos espaços verdes e de utilização coletiva

1 — A gestão das infra-estruturas e dos espaços verdes e de utilização coletiva pode ser confiada a moradores ou a grupos de moradores das zonas loteadas e urbanizadas, mediante a celebração com o município de acordos de cooperação ou de contratos de concessão do domínio municipal.

2 — Os acordos de cooperação podem incidir, nomeadamente, sobre os seguintes aspetos: a) Limpeza e higiene;

b) Conservação de espaços verdes existentes; c) Manutenção dos equipamentos de recreio e lazer; d) Vigilância da área, por forma a evitar a sua degradação.

3 — Os contratos de concessão devem ser celebrados sempre que se pretenda realizar investimentos em equipamentos de utilização coletiva ou em instalações fixas e não desmontáveis em espaços verdes ou a manutenção de infra -estruturas.

Artigo 47.º

Contrato de concessão

1 — Os princípios a que devem subordinar-se os contratos administrativos de concessão do domínio municipal a que se refere o artigo anterior são estabelecidos em diploma próprio, no qual se fixam as regras a observar em matéria de prazo de vigência, conteúdo do direito de uso privativo, obrigações do concessionário e do município em matéria de realização de obras, prestação de serviços e manutenção de infra -estruturas, garantias a prestar e modos e termos do sequestro e rescisão.

2 — A utilização das áreas concedidas nos termos do número anterior e a execução dos contratos respectivos estão sujeitas a fiscalização da câmara municipal, nos termos a estabelecer no diploma aí referido.

3 — Os contratos referidos no número anterior não podem, sob pena de nulidade das cláusulas respectivas, proibir o acesso e utilização do espaço concessionado por parte do público, sem prejuízo das limitações a tais acesso e utilização que sejam admitidas no diploma referido no n.º 1.

Neste contexto e dados os enquadramentos anteriores, urbanísticos e sociais, da Alta de Lisboa e dos objetivos da valorização ambiental sustentável urbana, a AVAAL, propôs à Câmara Municipal de Lisboa a possibilidade de recuperação de uma das poucas áreas restantes integradas em Estrutura Ecológica Urbana ainda não desenhadas ou ocupadas, para Parque Agrícola da Alta de Lisboa.

Utilizando esta legislação específica, um grupo informal de moradores, de onde viria a nascer a AVAAL, entregou na CML, em 2009 uma “MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE AO ABRIGO DO ARTIGO 46º DO DECRETO-LEI Nº177/2001, DE 4 DE JUNHO” para “GESTÃO DOS ESPAÇOS VERDES DA ALTA DE LISBOA PELOS SEUS MORADORES".

8.4. O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DE UM ESPAÇO VERDE DE AGRICULTURA URBANA;