• Nenhum resultado encontrado

A adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem é uma possibilidade que há muito tem vindo a ser debatida pelas Instituições Europeias. Foi alvo de um parecer por parte do Tribunal de Justiça e até à assinatura do Tratado de Lisboa era uma questão que dividia os Estados-membros, as instituições e a doutrina europeia. Hoje, a questão está definitivamente decidida, pois o Tratado de Lisboa não só cria as bases legais que irão permitir a adesão, como faz da adesão uma obrigação de resultado, como pode ler-se no artigo 6º nº 2: “A União adere à Convenção Europeia...”. Por ora questiona-se o timing, a forma como irá ser efectuada e suas consequências.

A adesão à Convenção Europeia é tida no Tratado de Lisboa por uma questão de natureza constitucional129, sujeita à ratificação pelos Estados-membros, exigência formal que vai para além das exigências comuns para a adopção de um acordo internacional e que poderá prolongar ou atrasar o processo de conclusão do Tratado130.

Desde 1979, que a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu têm apresentado propostas ou manifestado interesse na adesão da União à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A questão foi sendo sucessivamente analisada pelo Conselho e pelo Tribunal, merecendo sempre parecer negativo. No entanto, atendendo ao facto de todos os Estados-membros fazerem parte do Conselho da Europa e serem signatários da Convenção, estando por isso sujeitos à jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do

129

Também assim foi considerada pelo TJ no seu parecer 2/94, acerca da adesão da então CEE à CEDH.

130

Nos termos do Programa de Estocolmo adoptado pelo Conselho Europeu, em 11 de Dezembro de 2009, pretende-se que seja um processo rápido.

Homem, esse adiamento resumia-se, segundo vários autores131, a uma questão de vontade politica (ou de falta dela) e não verdadeiramente a uma questão jurídica.

Muito embora se concorde com esse argumento, há que reconhecer que a adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem levanta inúmeras questões jurídicas, de natureza processual e institucional, que se colocam às duas organizações e que não são facilmente resolúveis. É curioso notar que nos vários relatórios e pareceres que foram sendo produzidos pelas instituições da União e pelos Estados-membros se percebe que a preocupação era manifestamente política. Mas da análise dos trabalhos publicados pela doutrina europeia retira-se, diferentemente, uma maior preocupação pelos problemas de natureza jurídica132, para além de questões práticas como o volume cada vez maior de processos que se acumulam no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. De resto, a reforma do Tribunal Europeu é tida como condição necessária à adesão.

A primeira instituição a manifestar-se a favor da adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem foi o Parlamento, em 1979, data em que defende igualmente a criação, por parte da então Comunidade Económica Europeia, de um catálogo próprio de Direitos Fundamentais133. Nessa altura, também a Comissão se manifestou favorável à adesão, contrariando as suas posições iniciais expressas em 1975 e 1976134, sendo o Conselho a instituição que apresentava maiores reticências.

Por seu turno, a grande maioria dos Estados-membros não mostrava grande interesse na adesão, uma vez que a matéria dos Direitos Fundamentais é tida como “núcleo duro” do Direito Constitucional interno. Deste modo, ao aderir à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a União Europeia (então Comunidade Económica Europeia) aproximar-se-ia cada vez mais do exercício de um poder público de natureza estadual. Por outro lado, receavam igualmente pela perda de autonomia da (então) Comunidade Económica Europeia face a uma organização internacional externa135.

131

Vd., a título de exemplo, Ezilo Perillo, “L’Adesione della Comunitá alla Convenzione Europea sulla salvaguarda dei Diritto dell’Uomo: il parere della Corte de Guistizia delle Comunitá Europee”, in La Tutela Giurisdizionale dei diritti nel sistema comunitario, p. 320.

132

Neste sentido, Maria Luísa Duarte, Estudos sobre o Tratado de Lisboa, p. 101.

133 Resolução de 27/4/1979, JOCE C 127 de 21/05/1979. 134

Consequência da decisão do Tribunal Constitucional Alemão no Caso Solange; vd., Jean-Claude Piris, The Lisbon Treaty – A legal and Political Analysis, p. 164.

135

Neste sentido, Robert Uerpmann-Wittzach, “The Constitutional Role of International Law”, in Principles of European Constitutional Law, p. 148 e 149.

71

Em Abril de 1994 e ao abrigo do disposto no artigo 228º (6) TCE136, o Conselho pediu ao Tribunal de Justiça para elaborar um parecer referente à viabilidade da adesão da então Comunidade Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Questionava o Conselho se a adesão da Comunidade à Convenção Europeia era compatível com o Tratado da Comunidade Europeia. O Tribunal pronunciou-se de forma negativa137. Considerou que, no âmbito do quadro legal em vigor, a Comunidade carecia de competência para aderir à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Não obstante considerar que o respeito pelos Direitos Fundamentais era condição de legalidade da actuação das Comunidades, julgou o Tribunal que a adesão acarretaria uma modificação substancial do sistema de protecção de Direitos Fundamentais, na medida em que implicaria a adesão a uma organização internacional e a incorporação da convenção no então designado Direito Comunitário. Seria, pois, uma mudança de natureza constitucional e que ultrapassaria o escopo de competências conferido à Comunidade. Nos termos do então artigo 3º B do TCE, a Comunidade apenas poderia actuar no limite das atribuições que lhe foram conferidas pelos Estados e com o objectivo de alcançar os propósitos estabelecidos no Tratado (o chamado princípio das competências conferidas). Considerou, assim, o Tribunal de Justiça que: «Nenhum artigo do Tratado atribui às Instituições Comunitárias um qualquer poder geral para legislar no âmbito dos Direitos Fundamentais ou para concluir convenções

internacionais nessa matéria»138. Por outro lado, considerou igualmente o Tribunal que,

mesmo ao abrigo do então artigo 235 TCE139, a adesão não seria possível, sob pena de alargar o escopo de competências atribuídos à Comunidade Europeia.

Contudo, há quem considere que os argumentos do Tribunal de Justiça, contrários às posições defendidas por vários Estados–membros140, não passavam de um

136

Nos termos do qual: «O Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão ou qualquer Estado-Membro podem obter previamente o parecer do Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade de um projecto de acordo com as disposições do presente Tratado. Um acordo que tenha sido objecto de parecer negativo do Tribunal de Justiça só pode entrar em vigor nas condições previstas no artigo 48º do Tratado da União Europeia» – actualmente art 218º (11) TFUE.

137

Vd, parecer 2/94, disponível em: www.ena.lu ou www.eur-lex.europa.eu.

138

Parecer 2/94, parág. 27; no original em inglês: «No Treaty provision confers on the Community institutions any general power to enact rules on human rights or to conclude international conventions in this field».

139 Actual art. 352º TFUE, que estabelece um mecanismo de competência subsidiário, que permite ao

Conselho agir em todas as situações em que uma acção da UE é tida como necessária para atingir um dos objectivos definidos no Tratado, sem que este tenha expressamente previsto essa competência.

140

Com se pode verificar pelo texto do próprio parecer 2/94, que contém um resumo das posições defendidas pelos Estados-membros.

subterfúgio ou consequência de receio por parte do Tribunal de se submeter ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem141. No entanto, a Comunidade Europeia encontrava-se na altura sujeita a mecanismos de controlo jurisdicional externo, que não mereceram qualquer reparo por parte do Tribunal, como no caso da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) e da Organização Mundial do Comércio (WTO)142, que como organizações de cariz económico estariam mais próximas no conjunto das suas competências da Comunidade Europeia.

Hoje, existe uma base jurídica clara e precisa que permite à União aderir à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A adesão é uma obrigação de resultado e as negociações com o Conselho da Europa foram já iniciadas. Parar tanto teve que se proceder a uma alteração do disposto no artigo 59º nº 1 da CEDH, nos termos do qual a Convenção encontrava-se apenas aberta à assinatura dos membros do Conselho da Europa e, por isso, unicamente a Estados143. Esta questão foi ultrapassada através da alteração introduzida ao texto da Convenção pelo Protocolo 14, que prevê expressamente a adesão da União Europeia à Convenção144.