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A lei e a árvore: controvérsias sobre a prática da restauração ecológica no Brasil

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CAPÍTULO V – TÉCNICAS DE RESTAURAÇÃO ECOLÓGICA NO

5.3. A lei e a árvore: controvérsias sobre a prática da restauração ecológica no Brasil

Em 2010 as páginas da Revista Árvore (MG) foram tomadas por uma discussão que poderia parecer à primeira vista de uma minuciosidade técnica desconcertante: mas afinal, é possível estipular e determinar como regra um número mínimo de espécies que deveriam constar nos projetos de restauração ecológica? Tratava-se de um debate sobre uma resolução publicada pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo que regulamentava a prática e dava orientações a respeito dos procedimentos que deveriam ser adotados para aprovação da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) dos planos de restauração ecológica – chamados de ―florestas heterogêneas‖ – e que estipulavam a exigência de pelo menos 80 diferentes espécies. Esse requisito foi o desencadeador de uma discussão que envolvia todos os aspectos da prática atualmente constituída no Brasil – já que a legislação do Estado de São Paulo estava se tornando modelo para outros estados brasileiros.

Como dissemos anteriormente há um movimento de abertura e fechamento sem o qual nenhuma diferença seria criada; estriar e alisar o espaço são aspectos indissociáveis (DELEUZE; GUATTARI, 2012). Mas se, por exemplo, todos os cientistas entrevistados por

nós eram de acordo com a necessidade de existir uma legislação que delimitasse alguns critérios à restauração ecológica, o problema no debate sobre o mínimo de espécies dizia respeito a como isso deveria ser feito. O problema era o da uniformização dos procedimentos para criação de uma metodologia padrão. A metodologia envolveria aspectos legais para normatização da prática. Se não podemos dizer que o debate colocava frente a frente dois grupos distintos, por outro lado temos razões para supor que as diferenças entre eles mostravam divergências sobre aspectos importantes da prática.

De acordo com o grupo que defendia a necessidade dessa normatização, havia a justificativa que ela seria o resultado de um longo debate democrático – entre especialistas – desenvolvido ao longo dos anos. Não se tratava, portanto, de imposição. Após uma primeira versão, novas discussões foram realizadas de forma a aprimorar a resolução e incorporar novos conhecimento e perspectivas sobre os limites para a prática. Entre os impactos positivos assinalado pelos defensores dessa medida estava o aumento do número de espécies disponíveis em viveiros florestais no Estado de São Paulo, saltando de uma produção em 2001 de 13.000.00 em 55 viveiros (277 espécies) para 33.000.000 em 2008 em 114 (582 espécies)99 em decorrência do aumento da demanda por restauração ecológica. Como constatado por Rodrigues et al. (2009b, p. 1246) ―legal and political changes were and are the most effective driving forces to shape restoration in the Atlantic Forest‖.

A determinação de um número mínimo de espécies estava ligada a diversidade que poderia ser encontradas nas florestas tropicais (BRANCALION et al., 2010). 100 A

comparação se dava pela produtividade de diversidade por hectare considerado. Ou seja,

a floresta tropical como sistema de referência colocava o parâmetro para os restauradores introduzirem essa diversidade. Grande parte do artigo reitera aspectos que fundamentam a ecologia da restauração, como os processos e dinâmicas de sucessão florestal. Reteremos

99 Muitas vezes os próprios centros de pesquisa possuem seus viveiros, algo que permita uma maior capacidade

de desenvolvimentos das suas experiências, já que implica acompanhar todo o processo de coleta de sementes, colocação em tubetes e o período final de instalação das mudas no solo. A questão dos viveiros estará diretamente relacionada ao predomínio da abordagem do plantio total para os trabalhos de restauração. Se restauração foi tomada como sinônimo de formação florestal, para que isso ocorra foi necessário um investimento grande em produção de mudas para reflorestamento

100

O primeiro ―grupo‖, que defendia a normativa era composto dos seguintes pesquisadores: Pedro Henrique S. Brancalion, Doutor em Fitotecnia pela ESALQ e Professor de Silvicultura de Espécies Nativas do Departamento de Ciências Florestais (USP/ESALQ) coordenador do Laboratório de Silvicultura Tropical (LASTROP). Ricardo Ribeiro Rodrigues (USP/ESALQ)). Sergius Gandolfi, mestre em Biologia Vegetal (1991) e Doutor em Biologia Vegetal (2000) pela Universidade Estadual de Campinas (2000). Professor na USP/ESALQ. Paulo Yoshio Kageyama (USP/ESALQ). André Gustavo Nave, Doutor em Recursos Florestais (ESALQ/USP) e gerente do Programa de Adequaçao Ambiental (LERF/ESALQ/USP) Flávio Bertin Gandara, Mestre em Biologia Vegetal (UNICAMP) e Doutor em Recursos Florestais (ESALQ/US). Luiz Mauro Barbosa, Mestre em Fitotecnia (ESALQ/USP), Doutor em Agronomia (UNESP) é pesquisador do Instituto de Botânica/SP. Marcelo Tabarelli, Mestre e Doutor em Ecologia (USP) é Professor do Departamento de Botânica na Universidade Federal de Pernanbuco.

apenas algumas implicações. A grande variedade de espécies favoreceria os processos sucessionais ao permitir uma ampliação da dinâmica entre diferentes grupos ecológicos. Se não fossem estabelecidos critérios mínimos de diversidade os cientistas estariam ―informando à sociedade que é possível restaurar florestas biodiversas usando qualquer quantidade de espécies vegetais (BRANCALION et al, 2010, p. 465). Outra crítica feita à resolução apontava que a definição de um padrão generalizável estaria desestimulando iniciativas de restauração ecológica. À essa crítica os autores contrapunham o aumento do número de empresas e atores envolvidos com a restauração. Ao custo da restauração argumentavam que a diversidade não encareceria as ações já que o custo maior seria de mão-de-obra, e não com as mudas. À alta especialização da restauração que poderia dificultar a ação de atores distituidos de recursos para esse investimento (principalmente agricultores familiares), os cientistas argumentavam que para isso eram previstos mecanismos de assistência técnica (pelo Estado) para o acompanhamento dessas ações.

Por sua vez, o outro grupo101 observava que em situações de modificação de habitats seria difícil inferir as características da vegetação pré-existente para que pudesse ser usada como referência; além disso, criticavam o plantio de mudas como método prioritário para a restauração ecológica – algo que poderia inibir a desenvolvimento de novas técnicas que prescindiam do plantio total. Criticava-se o pressuposto de que ―restaurar significava reintroduzir árvores‖. A disseminação desses pressupostos estaria conformando um modelo ―dominante‖ sobre como fazer restauração ecológica no Brasil; contrariando o debate internacional onde ―no one size fits all‖ a priorização da diversidade de espécies arbóreas ignorava não apenas os problemas decorrentes do plantio, mas também a diversidade de metas que poderiam ser priorizadas de acordo com situações particulares; o exemplo disso seriam os serviços ambientais e o controle de erosão do solo. A crítica, enfim, seria em relação ao estabelecimento de um conjunto de fatores – técnico-científicos, políticos e legais – pela qual as trajetórias deveriam ser promovidas e de como os agentes envolvidos na restauração deveriam proceder. Segundo os autores, com essa postura os defensores da norma ―deixam de

101 Giselda Durigan (Laboratório de Ecologia e Hidrologia Florestal, Floresta Estadual de Assis, Instituto

Florestal). Vera Lex Engel, Mestre em Ciencias Florestais (USP) e Doutora em Ecologia (USP), Professora na Universidade EStadual Paulista (UNESP). José Marcelo Torezan, Mestre em Botânica (UFPR), Doutor em Ciências da Engenharia Ambiental (USP) é coordenador do Laboratorio de Biodiversidade e Restauraçao de Ecossistemas (LABRE/UEL) Antônio Carlos Galvão de Melo, Mestre e Doutor em Ciências da Engenharia Ambiental (USP) analista do Intituto de Florestas do Estado de Sao Paulo. Márcia Cristina Mendes Marques, mestrado e doutorado em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de Campinas (1994; 2002). É Professora Associada da Universidade Federal do Paraná. Sebastião Venâncio Martins, mestrado em Ciência Florestal (UFV) e doutorado em Biologia Vegetal (UNICAMP). Ademir Reis (UFSC) e Fabio Rubio Scarano, doutorado em ―Ecology‖ na University of St. Andrews, é professor do Departamento de Ecologia (UFRJ).

admitir a imprevisibilidade e as múltiplas trajetórias possíveis para conduzir a área de um estado de degradação até a sua restauração‖ (DURIGAN et al., 2010, p. 481).

A questão controversa que está colocada não dizia respeito apenas ao limite instituído com a exigência de um número mínimo de espécies, mas sim ao modelo de ecossistema que

será construído. Enquanto construção de relações, a restauração não apenas cria as condições

para um ―retorno da natureza‖: ela forma e dá uma forma à natureza, institui novas dinâmicas e estabelece certos limites; os restauradores desencadeiam processos conectivos

múltiplos. A restauração é sempre uma prática situada moduladora de conexões parciais entre agentes e agências heterogêneas. Como vimos no debate sobre sistemas de

referência e ―nature in flux‖, a delimitação das metas que o restaurador colocará deve passar por uma série de critérios que inclui não apenas uma história das formações ecossistêmicas e dos habitantes não-humanos do território. O conhecimento científico também não seria suficiente para determinar que tipo de ação deveria ser tomada já que, como vimos nos debates, a questão do sistema de referência não pode ser tomada de modo não problemático: o restaurador não pode simplesmente evocar o passado dessa natureza como fiador do modelo que ele se engaja em produzir. Ele deve fazer escolhas não só a respeito das espécies que serão selecionadas, mas também dos meios e dos agentes que ele envolverá, assim como dos mecanismos que deverão ser acionados para que isso aconteça.

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