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No ano de 2013, após mais de uma década de adesão a uma das primeiras convenções internacionais contra a corrupção, o Brasil viveu um momento de extrema cobrança e luta popular contra esse mal. Em meio a essas manifestações populares contra a corrupção, foi aprovada a Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, que tem como matéria a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas que praticam atos contra a administração pública nacional ou estrangeira. Essa lei traz especificidade ao tema da corrupção, que, de forma implícita, já havia sido tratado na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92), que regula a atuação ilícita de agentes públicos no âmbito administrativo.

Destaque-se que o objetivo maior da Lei Anticorrupção é o combate às empresas que há muito vêm logrando êxito em se apoderar de recursos públicos por meio da prática de atos que violem a legislação vigente e até mesmo os princípios norteadores da administração pública elencados no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Até então, não havia previsão expressa de punições específicas, capaz de intimidá-las; dessa forma, o novo regulamento tem como fundamento zelar pelos recursos públicos, principalmente pelo capital, que se origina de todos nós cidadãos que pagamos os nossos impostos.

Sendo assim, concebe-se que a introdução da Lei Anticorrupção no ordenamento jurídico brasileiro consolida o cerco às instituições privadas que agem de má-fé e que antes tinham suas condutas reprováveis punidas em trechos isolados de alguns diplomas legais vigentes. Com acerto, o legislador infraconstitucional introduziu de forma clara a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica no texto legal

em comento. Nesse contexto, a simples ocorrência de um fato típico, que gere dano à Administração Pública, e que seja direcionado ao benefício ou interesse da pessoa jurídica, pode ser suficiente para a responsabilização civil e administrativa, independentemente da existência de dolo ou culpa.

Contudo, é importante destacar que a Lei n. 12.846/2013 não inovou na tipificação de condutas além daquelas já previstas pelo Código Penal, ou por legislação especial, mas recepcionou antigas condutas ilícitas, já conhecidas e reprováveis no âmbito da administração pública, dando-lhes novas perspectivas punitivas.

Essa inovação guarda estreita relação e harmonia com outros diplomas legais já consagrados, como a Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93), Lei de Improbidade (Lei n.

8.429/92) e a Lei de Defesa da Concorrência (Lei n. 12.529/2011). Todos esses diplomas trazem a previsão de condutas ilícitas que, por pouco, não são idênticas às previstas na Lei Anticorrupção, mas, que ao fim, reservam sanções diversas para quem incorrer em conduta prevista em seu rol delitivo.

Portanto, a mudança de perspectiva dada pelo legislador no combate aos crimes contra a Administração Pública só foi possível a partir do momento em que esse ordenamento jurídico vislumbrou a substituindo o direito penal e a persecução do agente, pessoa física, pelo direito administrativo sancionador, que visa à pessoa jurídica, ainda que continue a se valer de conceitos e instrumentos oriundos do Direito Criminal (MACIEL, 2014).

A Lei Anticorrupção prevê expressamente que, na esfera judicial, há a possibilidade de decretação de algumas sanções que possam servir de punição para aqueles que cometem atos de corrupção contra a administração pública como:

perdimento de bens, direitos e valores, suspensão ou interdição parcial de atividades, proibição do recebimento de incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público durante um prazo de um a cinco anos. Da mesma forma, a lei traz mecanismos na tentativa de impedir que novas empresas criadas por sócios de empresas declaradas inidôneas contratem com a Administração Pública.

Na mesma senda punitiva, serão aplicadas tais sansões com a obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado as sociedades controladoras, controladas, coligadas, as consorciadas pelas práticas de atos ilícitos.

No âmbito do processo administrativo, podem ser aplicadas multas de até 20%

do faturamento bruto da empresa no exercício anterior ao da instauração do procedimento ou de até R$ 60 milhões quando não houver a possibilidade de realização desse cálculo. Também fica aberta a possibilidade de se realizar a publicação extraordinária da sentença condenatória em meios de comunicação de grande circulação.

Uma grande inovação é a permissão para que a Administração Pública celebre acordos de leniência com as empresas que se comprometerem a colaborar de forma efetiva com as investigações realizadas para apuração e responsabilização dos agentes públicos e privados, pessoas físicas e/ou jurídicas envolvidas nos casos de corrupção contra a Administração Pública.

Com a ratificação do acordo mencionado, as empresas ganham a chance de serem penalizadas de forma mais branda, ou até mesmo, de serem isentadas de punição a depender do seu grau de envolvimento e beneficiamento na ação ilícita praticada. O foco dessa concessão legal é estimular as empresas, seus colaboradores e/ou representantes a realizarem de forma espontânea a denúncia de ocorrência de possíveis práticas ilícitas nos negócios celebrados com o poder público.

Além de impor-se como um regramento de coerção às más práticas administrativas, a Lei Anticorrupção, de forma implícita, estimula uma nova cultura gerencial, alicerçada em valores éticos e morais de natureza fundamental para o desenvolvimento de um mercado política e economicamente probo, pois incentiva a aplicação efetiva de códigos de ética no âmbito das empresas nacionais.

Tal incentivo consolida-se quando as empresas implementam mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e estímulo à denúncia de irregularidades, ou seja, a adoção de programas de compliance.

O diploma legal traz a previsão de que a existência desses programas será levada em consideração no momento em que forem aplicadas as sanções administrativas. Além disso, também cria o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), onde serão reunidas e publicadas as sanções aplicadas conforme o disposto

em seus comandos, possibilitando um fácil acesso à consulta de informações sobre as empresas punidas de forma simultânea ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS).

O principal objetivo do Sistema é instrumentalizar a publicação dos dados dessas sanções nos cadastros CEIS (Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas) e CNEP (Cadastro Nacional das Empresas Punidas) no Portal da Transparência de forma a atender as determinações da Lei 12.846/2013 (Lei da Empresa Limpa). O acesso ao Sistema é feito de forma restrita pelos entes públicos para que seja preservada a fidedignidade dos dados registrados (BRASIL, 2016).

Com acerto, o fato é que apenas estabelecer regras legais para a punição de atos de corrupção não se amolda como suficiente, sendo necessário o fomento e desenvolvimento de uma verdadeira cultura organizacional voltada para a ética e a probidade.

Na esteira dessa necessidade, o compliance desenvolvido e estimulado para o setor privado vem ganhando espaço no âmbito estatal, recebendo a nome de programas de integridade.