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3. O DIREITO PENAL DO INIMIGO E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

3.3. DIREITO PENAL DO INIMIGO NO BRASIL

3.3.1. A Lei Antidrogas – Lei 11.343/06

A nova Lei Antidrogas (Lei 11.343/06)158, que entrou em vigor em 23 de agosto de 2006, pode ser considerada como legítima representante do direito penal do inimigo na legislação brasileira.

A mencionada Lei estabelece clara distinção no tratamento de traficantes e usuários de drogas, o que se amolda às concepções de Direito Penal do Inimigo e Direito Penal do Cidadão, enunciadas por Günther Jakobs. Isso porque os indivíduos incursos no crime de tráfico de drogas recebem um tratamento diferenciado e severo, com restrições de garantias penais e processuais.

O crime de tráfico de drogas está previsto no art. 33159 da Lei Antidrogas. O dispositivo prevê 18 verbos caracterizadores, notadamente, não do tipo penal, mas sim do sujeito que pratica o delito. São 18 condutas distintas que, certamente, ofendem a bens jurídicos também distintos, ou que, em alguns casos, sequer deveriam possuir relevância jurídica. Ocorre que, alguns desses verbos também estão presentes na redação do art. 28160, que prevê o crime de porte de drogas.

157 RAIZMAN, Daniel Andrés; PEDRINHA, Roberta Duboc. Os Fundamentos Epistemológicos da Construção do

Direito Penal do Inimigo na Contemporaneidade: Aspectos Nacionais e Transnacionais. Disponível em:

<http://www.freixinho.adv.br/_recursos/pdf/artigos/011.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2016.

158

BRASIL. Lei 11.343, de 23 de Agosto de 2006. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 23 fev. 2016.

159

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

160 Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal,

drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

Como afirma Gilmar Mendes em voto para o Recurso Extraordinário 635.659 percebe-se que o legislador objetivou conferir tratamento diferenciado aos usuários e traficantes de drogas161.

Cumpre observar que a Lei Antidrogas não prevê um critério objetivo de distinção entre traficantes e usuários de drogas, de modo que a classificação subsume-se ao arbítrio do Estado. Nesse sentido:

[...] o estereótipo do inimigo se amolda à figura do traficante de drogas – categoria associada ao segmento social dos pobres – nele incide o modelo criminal; em contraponto, vigora o modelo médico-sanitário, incidente nos consumidores de drogas – integrantes dos elevados estratos sociais162

.

Ademais, o art. 44163, caput, estabelece que são vedados a fiança, o sursis, a graça, o indulto, a anistia e a liberdade provisória aos incursos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 a 31. A redação deste artigo, em especial no tocante à vedação da liberdade provisória, suscitou a discussão acerca da inconstitucionalidade do dispositivo. Sobre o tema, Luiz Flávio Gomes defende que:

Afirmar que não é cabível a liberdade provisória no crime de tráfico de drogas é um rematado equívoco (seja do ponto de vista legal, seja do ponto de vista constitucional). Cuida-se de postura típica do Direito penal do inimigo (de Jakobs), que consiste precisamente em admitir que o processo contra o inimigo não deve ter todas as garantias do processo contra o cidadão164.

É importante destacar que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da expressão “liberdade provisória”, presente no caput do art.

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

161

Voto disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE635659.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2016.

162 RAIZMAN, Daniel Andrés; PEDRINHA, Roberta Duboc. Os Fundamentos Epistemológicos da Construção do

Direito Penal do Inimigo na Contemporaneidade: Aspectos Nacionais e Transnacionais. Disponível em:

<http://www.freixinho.adv.br/_recursos/pdf/artigos/011.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2016.

163 Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de

sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

164 GOMES, Luiz Flávio. DAMÁSIO, Bárbara. Liberdade provisória e tráfico de drogas. Disponível em

44, no julgamento do HC 104.339/SP165, bem como da parte final do dispositivo, que veda a conversão das penas em restritiva de direitos, no julgamento do HC 97.256/RS166. No entanto, ainda há garantias processuais que são vedadas aos incursos no crime de tráfico de drogas.

No Brasil, “pouco se fala do tipo penal tráfico, vislumbra-se mesmo o traficante, ocasião que ressoa a imperatividade do Direito Penal do autor” 167

. Aos traficantes não há garantia dos direitos do cidadão, pois, no imaginário social, estes ocupam uma categoria à parte, trata-se de um criminoso hediondo, que “mais do que inimigos, são o símbolo do mal, rebaixados da qualidade humana, são coisificados, sequer apresentam modo de vida de gente, nome de gente”168

.

Aos usuários de drogas, porém, aplica-se o Direito Penal do Cidadão, sustentando-se um modelo médico-sanitário. Nesse sentido, o art. 28 da Lei Antidrogas estabelece penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Nota-se que são penas com caráter muito mais educativo do que propriamente punitivo, destinadas a auxiliar o usuário de drogas e não a combatê-lo.

Em contrapartida, a pena aplicada ao crime de tráfico de drogas, prevista no art. 33, é a reclusão de 5 a 15 anos e multa, o que aponta a desproporcionalidade da punição ao crime de tráfico e de consumo de drogas.

Como salientam o Professor Daniel Raizman e Roberta Pedrinha, há uma nítida distinção no tratamento de usuários e traficantes de drogas. O primeiro é compreendido como doente e o segundo como criminoso, de modo que “sobre os traficantes incide o discurso jurídico e sobre os consumidores recai o discurso médico-psiquiátrico” 169

. Trata-se de posicionamento típico do Direito Penal do Inimigo, em clara violação aos princípios fundamentais.

165

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº. 104.339/SP, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2012. DJe 239, publicado em 06/12/2012, dez. 2012.

166

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº. 97.256/RS, Relator: Min. Ayres Brito, Tribunal Pleno, julgado em 01/10/2010. RT, v. 100, n. 909, p. 279-333, dez. 2010.

167 RAIZMAN, Daniel Andrés; PEDRINHA, Roberta Duboc. Os Fundamentos Epistemológicos da Construção do

Direito Penal do Inimigo na Contemporaneidade: Aspectos Nacionais e Transnacionais. Disponível em:

<http://www.freixinho.adv.br/_recursos/pdf/artigos/011.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2016.

168 Ibidem. 169

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