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CAPÍTULO II: O DIREITO DA CRIANÇA A SER OUVIDA NOS PROCESSOS JUDICIAIS QUE

2. A LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO

Para este estudo interessa analisar a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei

n.º31/2003 de 22 Agosto)8, que tem por objeto a promoção e a proteção das crianças e dos jovens em

perigo com o intuito de garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, tendo como destinatários as crianças e jovens em perigo, com idade inferior a 18 anos ou 21 anos caso solicite a continuação da intervenção iniciada antes de atingir os 18 anos, que residam ou se encontrem em território nacional (artigos 1.º, 2.º e 5.º).

As circunstâncias legitimadoras da intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e jovem em perigo são as seguintes (artigo 3.º, n.º 1): a) os pais, o representante legal ou quem tem a guarda de facto ponham em perigo a segurança, saúde, formação da criança ou jovem; b) quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros, em que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto da criança ou do jovem não se oponham de modo adequado a removê-lo; ou c) quando esse perigo resulte de ação ou omissão da própria criança ou do jovem, em que os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto não se oponham de modo adequado a removê-lo. Considera- se que a criança ou o jovem está em perigo quando se encontra numa das seguintes situações (artigo 3.º, n.º 2): a) está abandonada ou vive entregue a si própria; b) sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) é obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; e) está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; ou f) assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de forma a remover o perigo a que a criança está exposta.

A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e jovem em perigo obedece aos seguintes princípios (artigo 4.º): interesse superior da criança; privacidade; intervenção mínima; intervenção precoce; proporcionalidade e atualidade; responsabilidade parental; prevalência da família; obrigatoriedade da informação; audição obrigatória e participação; e subsidiariedade.

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A intervenção judicial nos processos de promoção e proteção é residual e de jurisdição voluntária, conferindo ao juiz um amplo poder de iniciativa, e só tem lugar em casos específicos, presentes no artigo 11.º, como, por exemplo, quando não seja prestado, ou seja retirado, o consentimento necessário à intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (CPCJ), quando o acordo da promoção/proteção seja reiteradamente não cumprido, ou quando a criança ou jovem se oponha à intervenção da CPCJ. O processo judicial de promoção e proteção, que tem carácter urgente, é constituído pelas fases de instrução (artigo 109.º), debate judicial, que é realizado por um juiz que preside e por dois juízes sociais (artigo 115.º), decisão e execução da medida (artigos 125.º e 59.º, n.ºs 2 e 3). No entanto, a instrução e o debate judicial não constituem fases imprescindíveis do processo, porque o mesmo pode decorrer e culminar na aplicação de uma medida de promoção e proteção sem que aquelas etapas tenham ocorrido (Bolieiro & Guerra, 2009: 55). A iniciativa processual compete, por regra, ao Ministério Público e o seu requerimento inicial deve abarcar os factos que advêm da situação de perigo que, de acordo com o artigo 3.º, legitimam a intervenção judicial de proteção.

Um dos princípios orientadores subjacentes à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, anteriormente referido, é o da audição obrigatória e participação. A criança e jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa que tenha sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos processuais e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção (artigo 4.º, alínea i)). Num processo judicial de promoção e proteção, a criança com 12 ou mais anos (ou com idade inferior, desde que a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção o aconselhe) é ouvida, individualmente ou acompanhada pelos pais ou representante legal, por advogado ou por pessoa da sua confiança, quanto aos factos que originaram a intervenção e quanto à aplicação, revisão ou cessação da medida de promoção e proteção (artigo 84.º). O processo deve decorrer de forma compreensível para a criança, tendo em conta a sua idade e o grau de desenvolvimento intelectual e psicológico (artigo 86.º, n.º 1). Na audição da criança e durante os outros atos processuais ou diligências que o justifiquem, o juiz pode determinar a intervenção ou a assistência de médicos, psicólogos ou outros especialistas ou pessoa da confiança da criança, ou determinar a utilização de meios técnicos que lhe pareçam adequados (artigo 86.º, n.º 2).

As medidas de promoção dos direitos e de proteção visam afastar o perigo em que a criança ou o jovem se encontra e proporcionar as condições que permitam proteger e promover a sua segurança a

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junto dos pais, apoio junto de outro familiar, confiança em pessoa idónea e apoio para autonomia de vida (artigo 35.º, n.º 1 alíneas a), b), c), d)); medidas de colocação – acolhimento familiar, acolhimento em instituição e confiança a pessoa selecionada para a adoção ou instituição com vista à futura adoção (artigo 35.º, n.º 1, alíneas e), f), g)). A medida aplicada é obrigatoriamente revista quando concluído o prazo estabelecido no acordo ou na decisão judicial ou decorridos períodos nunca superiores a seis meses (artigo 62.º, n.º1). A decisão de revisão da medida pode determinar (artigo 62.º,n.º 3): a cessação da medida; a substituição da medida por outra mais adequada; a continuação ou a prorrogação da execução da medida; a verificação das condições de execução da medida. As medidas cessam quando (artigo 63.º, n.º 1): decorra o respetivo prazo de duração ou eventual prorrogação; a decisão de revisão lhes ponha termo; seja decretada a adoção; o jovem atinja a maioridade ou, nos casos em que tenha solicitado a continuação da medida para além da maioridade, complete 21 anos; seja proferida decisão em procedimento cível que assegure o afastamento da criança ou do jovem da situação de perigo.

3. O QUE REVELAM OS ESTUDOS NACIONAIS ACERCA DA AUDIÇÃO DE CRIANÇAS EM