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3 COMUNIDADES QUILOMBOLAS BRASILEIRAS: REGULARIZAÇÃO

4.4 LEI 10.639/03 E SUA IMPLANTAÇÃO NAS COMUNIDADES TRADICIONAIS

A partir de um levantamento feito pela “Tempo em Curso”, publicação eletrônica editada pelo LAESER12, evidencia-se que a não efetivação da Lei N 10.639/03 é uma realidade. De acordo com um questionário realizado com diretores das escolas participantes da Prova Brasil 2009, constatou-se que na Bahia somente 81% desses profissionais tinham maior conhecimento sobre a Lei N 11.645/200813. (LAESER, 2013, p. 3) Vale frisar que a Bahia é o Estado com o maior número de afrodescendentes do país, mas hoje se encontra na

12 Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais 13

Em 2003, a Lei 10.639 tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e incluiu no calendário escolar o Dia Nacional da Consciência Negra. A Lei 11.645/08 estendeu a obrigatoriedade para a História e Cultura Indígena, entendendo que negros e índios convivem com problemas de natureza semelhante.

décima posição no ranking dos Estados com maior número de diretores com conhecimento da Lei.

Nas comunidades tradicionais quilombolas, a efetivação da Lei N 10.639/03 é muito mais difícil, pois a maioria das crianças desses territórios não tem acesso a uma escola quilombola, em que os conteúdos, as vivências educativas e a merenda escolar valorizem e respeitem seus modos de vida. Na Paraíba, a única experiência de escola quilombola é a da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Firmino Santino da Silva em Alagoa Grande que, em 2010, foi premiada com o Selo da Educação para a Igualdade Racial (GOMES, 2009, p. 40).

Apesar da Secretaria de Estado da Educação (SEE) da Paraíba criar o Prêmio Estadual de Educação para Equidade Racial João Balula, realizar formação de profissionais da educação a partir do projeto A Cor da Cultura e promover o Fórum Estadual de Educação para a Diversidade Etnicorracial com o propósito de implantar a Lei N 10.639/03 na Paraíba, ainda há muito a ser feito, principalmente, nas comunidades tradicionais quilombolas paraibanas (SEMDH, 2011, p.8).

A Lei N 10.639/03 gera demandas específicas, tais como, formar professores para desenvolver uma educação para as relações étnico-raciais, cujos conteúdos até então estavam apagados dos currículos escolares e da formação profissional dos docentes; produzir materiais didáticos (livros infanto-juvenis, vídeos, cartilhas etc) que abordem a história e cultura dos afro-descendentes brasileiros.

A educação formal, cuja metodologia de ensino é predominantemente baseada na concepção tradicional, é um obstáculo para uma educação em prol de uma cultura em direitos humanos, pois se utiliza na maioria das vezes de textos escritos (textos materiais). Contudo, nessas vivências educativas, faz-se necessário que os educandos aprendam a ler textos imateriais (esculturas, danças, pinturas, ornamentos etc) que registrem a africanidade (SILVA, P. B. G. e., 2013, p.3).

No campo do currículo escolar tradicional, abrem-se novos debates e naturalmente novas perguntas: Até que ponto, o conhecimento transmitido pelas escolas pode influenciar na construção de identidades estigmatizadas? Como a pluralidade cultural é debatida e praticada na escola? Qual peso da escola na difusão de preconceitos e discriminação? Como são representados os negros nos livros didáticos?

Dada a situação de tensão, violência, racismo, violação dos direitos humanos, extermínio, opressão e luta vivida pelas comunidades quilombolas do país, pode-se assegurar que o ensino, o currículo e o Projeto Político-Pedagógico das instituições educacionais, sob a

tendência tradicional, não dialogam com a realidade quilombola nem tampouco têm conhecimento dos avanços e dos desafios da luta antirracista e dos povos quilombolas no Brasil.

Diante dessa realidade, há que se pensar nas especificidades e nos pontos comuns dessas comunidades, para que elas sejam realmente inseridas na sociedade de modo geral. Com esse propósito, ocorre em Brasília, em 2010, a Conferência Nacional de Educação (CONAE) que realizou um debate sobre a diversidade no campo da política educacional. As discussões da CONAE resultaram na inclusão da educação escolar quilombola como modalidade da educação básica no Parecer CNE/CEB 07/2010 e na Resolução CNE/CEB 04/2010 que instituem as Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica.

Deverá seguir, também, as orientações do Parecer CNE/CP 03/2004 e Resolução CNE/CP 01/200414 que instituem a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro- brasileira e africana nos currículos das escolas públicas e privadas da Educação Básica, bem como as demais orientações e resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE) voltadas para a educação nacional.

Isso significa que a regulamentação da Educação Escolar Quilombola nos sistemas de ensino deverá ser consolidada em nível nacional e seguir orientações curriculares gerais da Educação Básica e, ao mesmo tempo, garantir a especificidade das vivências, realidades e histórias das comunidades quilombolas do país.

A política de educação voltada às comunidades quilombolas objetiva ampliar e qualificar a oferta de educação básica ao contemplar as especificidades da história, vivência, tradições, cultura e inserção no mundo do trabalho, próprios das populações quilombolas. Conforme o documento final da Conferência Nacional de Educação, União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão:

a) Garantir a elaboração de uma legislação específica para a educação quilombola, com a participação do movimento negro quilombola, assegurando o direito à preservação de suas manifestações culturais e à sustentabilidade de seu território tradicional;

b) Assegurar que a alimentação e a infraestrutura escolar quilombola respeitem a cultura alimentar do grupo, observando o cuidado com o meio ambiente e a geografia local;

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Este parecer visa a atender os propósitos expressos na Indicação CNE/CP 6/2002, bem como regulamentar a alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Lei 10.639/200, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica

c) Promover a formação específica e diferenciada (inicial e continuada) aos/às profissionais das escolas quilombolas, propiciando a elaboração de materiais didático-pedagógicos contextualizados com a identidade étnico-racial do grupo;

d) Garantir a participação de representantes quilombolas na composição dos conselhos referentes à educação, nos três entes federados;

e) Instituir um programa específico de licenciatura para quilombolas, para garantir a valorização e a preservação cultural dessas comunidades étnicas;

f) Garantir aos professores/as quilombolas a sua formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização;

g) Instituir o Plano Nacional de Educação Quilombola, visando à valorização plena das culturas das comunidades quilombolas, à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica; h) Assegurar que a atividade docente nas escolas quilombolas seja exercida preferencialmente por professores/as oriundos/as das comunidades quilombolas (CONAE, 2010, p. 131-132).