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O CONTEXTO DA REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

1.3 A POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM PANORAMA DA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA

1.3.1 Lei 9394/1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Com base na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB no 9.394/1996), no que se refere à formação de professores, é salutar destacar os principais aspectos que implicaram em significativas mudanças no cenário da atuação dos profissionais da educação, em especial dos profissionais do magistério.

Em um primeiro momento é propício analisar que a atual LDB (Lei no 9.394/1996), regulamentada pelo Decreto no 3.860, de 9 de julho de 2001, definiu novas orientações para a organização do ensino superior no Brasil, permitindo a implementação de modelos diversificados de instituições (universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades e institutos superiores), os quais têm conduzido à oferta de educação de qualidade questionável e o favorecimento do setor privado, tendo em vista a ruptura do trinômio ensino, pesquisa e extensão. Maués (2003) analisa o fato da seguinte forma:

Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de no 9.394/96 fica determinado que “A formação de docentes para atuar na educação básica far-se- á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação...” (art.62). Faz-se, neste artigo, a introdução de um novo lócus organizacional, diferente das Universidades, para abrigar a formação. Surgem, na letra da lei, os Institutos Superiores de Educação, que deverão manter, dentre outras atividades “cursos formadores de profissionais para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental” (art. 63, I). Assim, a reforma

aponta para uma formação em nível superior, em Institutos Superiores e no Curso Normal Superior (p. 4).

Tal aspecto poderá ocasionar nas políticas de formação de professores no Brasil, segundo Linhares e Silva (2003):

Enfraquecimento da Universidade como lugar de formação de professores, em proveito do fortalecimento do ISE; e, também, o enfraquecimento do curso de graduação em pedagogia como lugar de formação de professores da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, em proveito do fortalecimento do Curso Normal Superior (p.37).

A LDB prevê também no artigo 63, inciso II, a existência de programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que pretendam se dedicar à educação básica, mediante a licenciatura especial, que consiste em uma “formação pedagógica” de 540 horas, o que diversifica ainda mais as possibilidades de formação dos profissionais da educação básica.

Monlevade (1997) afirma que a flexibilidade dos processos de formação, a ponto de permitir que profissionais de outras áreas possam ingressar no magistério por meio da complementação pedagógica, por meio dos cursos de licenciatura especial de 540 horas poderá contribuir para o retorno das chamadas “licenciaturas curtas”, amplamente criticadas pelos setores da sociedade civil organizada comprometida com a formação de professores no país.

Esse processo de aligeiramento e flexibilização, que tem implicado na banalização da formação de professores, contribui para a fragilização do processo de construção da identidade profissional dos professores, tendo em vista que “um dos principais fatores que definem a identidade de uma categoria profissional é a especificidade do curso de formação” (LINHARES; SILVA, 2003, p. 45).

O artigo 87, parágrafo 4o da LDB, que aponta como meta que todos os professores da educação básica tenham nível superior até o fim da década da educação (1997-2007), em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, constitui outro ponto da referida lei, amplamente discutido por entidades que defendem uma política global de formação de professores, dentre as quais a ANFOPE e a ANPED. Sobre esta questão é relevante destacar que tal propósito, findada a década da educação, ainda constitui um grande desafio no campo da política de formação de professores.

No que se refere à formação continuada de professores, esta temática está presente de forma bastante dispersa, podendo ser observada em várias partes da referida lei. A LDB preconiza, no artigo 6119, que esta deve ocorrer da seguinte forma:

A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos: II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades.

Neste artigo verifica-se que a formação em serviço traz uma ideia de preparação do professor para a prática, desfavorecendo a efetivação de uma sólida fundamentação teórica. Sobre esta questão, Freitas (2002) analisa que as reformas educativas têm enfatizado o que acontece na sala de aula em detrimento do que acontece na escola, o que implica no retorno ressignificado da concepção tecnicista de educação.

No que concerne à valorização dos profissionais da educação, entendida como indissociável da formação de professores, a LDB prevê tal aspecto no artigo 6720

, da seguinte forma:

I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;

II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;

III - piso salarial profissional;

IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;

V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;

VI - condições adequadas de trabalho.

Com base na análise dos artigos apresentados, observa-se uma preocupação em garantir legalmente a formação continuada de professores, na modalidade presencial e a distância. No entanto, tal preocupação com a formação docente manifestada na LDB não vem sendo contemplada por uma indispensável política de formação continuada de qualidade. Desse modo, destaca-se que a legislação não traz mudanças, quando não inserida em um contexto de políticas públicas que de fato possa contribuir para a melhoria das condições

19 O artigo 61 da LDB de 1996 foi modificado por meio da Lei 12.014 de 2009.

20Este artigo também foi alterado Lei nº 11.301 de 10 de maio de2006, que altera o art. 67 da Lei nº 9.394/96, incluindo, para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201 da Constituição Federal, definição de funções de magistério.

necessárias para a concretização da educação. Daí a necessidade de se compreender as políticas educacionais no contexto mais amplo da sociedade.

A LDB/1996 está em vigor e há tentativas de aperfeiçoamento referente a essa temática, o que é manifestado, inclusive, por mudanças introduzidas, como as citadas. Também essa Lei vem sendo, desde a sua promulgação, regulamentada.

Em contrapartida, é preciso ressaltar, conforme analisado anteriormente, que a valorização dos profissionais da educação, em particular do magistério, configura-se até o presente momento como uma “bandeira de luta” dos movimentos sociais ligados ao campo educacional, o que implica constatar que a valorização dos profissionais da educação, em um sentido pleno, não constitui a realidade. A dificuldade de efetivação da implementação da Lei 11.738/2008, referente ao Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica é o fato mais recente que evidencia esta constatação.

No que se refere de modo mais restrito à formação docente, é preciso afirmar que foram criadas inúmeras políticas de formação (inicial e continuada), tal como era recomendado no referido documento, no entanto, fragmentadas (com separação entre teoria e prática), aligeirada (de curta duração) e, descontextualizada. Além disso, a melhoria das condições de trabalho e de profissionalização, tida como “obstáculo e desafio” a ser enfrentado na educação, ainda persiste.