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A LEI Nº 13.429/17 À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

2 A TERCEIRIZAÇÃO COMO EXPOENTE DO MODELO BRASILEIRO DE GESTÃO GERENCIAL

3.3 A LEI Nº 13.429/17 À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Qualquer ato normativo que venha a ingressar no ordenamento jurídico de um país deve guardar adequação em relação ao que disciplina a respectiva Lei Maior, em obediência ao princípio da Supremacia da Constituição, o qual enuncia que as regras e os princípios contidos no texto constitucional prevalecem, sempre, em relação aos demais regramentos que constituem o arcabouço jurídico de um Estado.

Certo é que toda novidade legislativa presume-se constitucional até que em sentido contrário seja declarada, tendo em vista o controle de constitucionalidade ao qual é submetida, seja de forma concentrada ou difusa.

Pelo controle difuso de constitucionalidade, de origem norte-americana, o Poder Judiciário decide quando e em que medida determinada norma viola a Constituição. Tal sistema de controle é também chamado de “concreto” ou “incidental”, uma vez que por ocasião do julgamento de uma situação concreta levada à análise do magistrado ou órgão colegiado de Tribunal, este decide incidentalmente, ou seja, nos fundamentos de sua decisão, sobre a constitucionalidade de determinada norma, ratificando a sua compatibilidade em relação ao texto constitucional ou declarando a mesma afrontosa à Lei Maior, afastando, neste caso, a sua aplicação à questão sub examine, exercendo, assim, o

61 Visando esta problematização o ex-deputado Sandro Mabel propôs o Projeto de Lei no 4.330/04 e após 11 anos o deputado Eduardo Cunha retomou a discussão sobre o mesmo projeto, o qual foi aprovado na Câmara dos Deputados, atualmente aguardando apreciação pelo Senado Federal.

controle repressivo da constitucionalidade62.

Noutra ponta, pelo controle concentrado, a questão constitucional é o objeto central da demanda apresentada ao Poder Judiciário para análise, de forma abstrata, uma vez que não há situação concreta a apreciar. Tal controle ocorre por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), instituídas pela Lei n° 9.868/99; ou das arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), regulamentada pela Lei nº 9.882/99, de competência do Supremo Tribunal Federal.

Ao condicionar-se a validade de um ato normativo à sua adequação ao texto constitucional, tem-se por objeto proceder ao controle das normas de modo a viabilizar o diálogo harmônico entre as fontes legais do Estado.

Acrescente-se, ainda, que diante de tantas formulações legais versando sobre os mais diversos assuntos ligados à vida em sociedade, o controle de constitucionalidade mostra-se como instrumento hábil à salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, impedindo-se o arbítrio desarrazoado do legislador, muitas vezes incutido de intenções diametralmente opostas aos anseios sociais.

Nas lições de Luís Roberto Barroso (2006, p. 141):

Um dos fundamentos do controle de constitucionalidade é a proteção dos direitos fundamentais, inclusive e sobretudo os das minorias, em face das maiorias parlamentares eventuais. Seu pressuposto é a existência de valores materiais compartilhados pela sociedade que devem ser preservados das injunções estritamente políticas. A questão da legitimidade democrática do controle judicial é um dos temas que têm atraído mais intensamente a atenção dos juristas, cientistas políticos e filósofos da Constituição, e a ele se dedicará um tópico desta exposição.

No que toca à Lei nº 13.429/2017 percebe-se a grande inquietude que ela tem causado dentre aqueles que se ocupam do estudo e da vivência do Direito do Trabalho, os quais afirmam a sua frontal inconstitucionalidade quando considerados os princípios e as normas laborais insculpidos no texto da Constituição Federal de

62 O controle de constitucionalidade de uma norma pode ocorrer de forma preventiva, antes do início de sua vigência, ou quando já estiver surtindo seus efeitos, quando, então, o controle será feito de forma repressiva (posterior). O controle preventivo pode ser exercido pelo Poder Legislativo, por meio das Comissões de Constituição e Justiça, pelo Poder Executivo, através do veto jurídico, e excepcionalmente pelo Poder Judiciário, como acontece na hipótese de uma determinada lei não ver obedecido o regular processo para sua edição (processo legislativo) quando, então, os membros de Poder Legislativo podem ir ao Judiciário buscar provimento que assegure o trâmite legislativo conforme determinado pela Constituição.

1988, razão que fez com que o Supremo Tribunal Federal fosse provocado a deslindar diversos questionamentos em relação à adequação da norma ao que preceitua a Lei Maior.

Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas63 busca-se a declaração de inadequação formal e material dos dispositivos da Lei nº 13.429/2017 aos preceitos da Constituição de 1988.

Quanto à forma, aponta-se, segundo consta na petição protocolada pela Procuradoria-Geral da República64, o Projeto de Lei nº 4.302, de 19 de março de 1998, de autoria da Presidência da República, que deu origem à Lei no 13.429/2017, não teria obedecido ao regular trâmite legislativo previsto pela Lei Maior o que, no entendimento do órgão ministerial, restou por violar o princípio da divisão funcional do poder, o poder de iniciativa legislativa extraparlamentar previsto no artigo 61 da Constituição, além de ferir, reflexamente, a norma do artigo 104 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados65.

No que diz respeito à inconstitucionalidade material da Lei em referência, a possibilidade de contratar funcionários terceirizados para funções essenciais às empresas é apontada como violadora do regime constitucional do emprego, da função social dos contratos e da propriedade, da proteção ao trabalhador, da livre associação sindical e da dignidade do ser humano uma vez que referida prática

63 ADI 5.685 – ajuizada pela Rede Sustentabilidade, ADI 5.686 – ajuizada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), ADI 5.687 – ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B),ADI 5.695 - ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria Química (CNTQ) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Têxtil, Vestuário, Couro e Calçados (Conaccovest), ADI 5.735 – ajuizada pela Procuradoria-Geral da República. Disponível em: < http://www.oabrj.org.br/noticia/108005-stf-tem-quatro-acoes-contra-lei-da-terceirizacao>. Acesso em: 10 jan. 2017.

64 Petição nº 158.884/2017-AsJConst/SAJ/PGR. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/adin- terceirizacao.pdf>. Acesso em 10 jan. 2018.

65 Art. 104. A retirada de proposição, em qualquer fase do seu andamento, será requerida pelo Autor ao Presidente da Câmara, que, tendo obtido as informações necessárias, deferirá, ou não, o pedido, com recurso para o Plenário.

§ 1º Se a proposição já tiver pareceres favoráveis de todas as Comissões competentes para opinar sobre o seu mérito, ou se ainda estiver pendente do pronunciamento de qualquer delas, somente ao Plenário cumpre deliberar, observado o art. 101, II, b, 1114.

§ 2º No caso de iniciativa coletiva, a retirada será feita a requerimento de, pelo menos, metade mais um dos subscritores da proposição.

§ 3º A proposição de Comissão ou da Mesa só poderá ser retirada a requerimento de seu Presidente, com prévia autorização do colegiado.

§ 4º A proposição retirada na forma deste artigo não pode ser reapresentada na mesma sessão legislativa, salvo deliberação do Plenário.

§ 5º Às proposições de iniciativa do Senado Federal, de outros Poderes, do Procurador-Geral da República ou de cidadãos aplicar-se-ão as mesmas regras.

enseja a precarização das relações laborais.

Diante do regramento principiológico constitucional, resta evidente a fragilidade da Lei no 13.429/2017 no que diz respeito à observância aos direitos e garantias conferidas pela Lei Maior, indistintamente, a todos os trabalhadores, razão pela qual se confia que referida norma em breve será apreciada pelo STF para, minimamente, ser a ela imposta, pelo menos, interpretação conforme a Constituição Federal, para que não haja preterição de direitos sociais em prol da elevação dos lucros das organizações.

O fato de não haver no texto constitucional proibição expressa da prática da terceirização não significa que ela seja permitida. Trata-se de situação, segundo Delgado (2015, p. 437), “somente aparentemente não tratada pelos diplomas legais disponíveis”, cuja solução está na análise do conjunto de regras norteadoras da matéria. Seria impossível às leis preverem todas as prováveis condutas dos agentes sociais. Para que inexistam lacunas no ordenamento jurídico há os princípios, fundamentos aptos a findar as dúvidas surgidas quando da aplicação das leis.

Resta evidente que à luz do que enuncia a Constituição Federal de 1988, outro não pode ser o entendimento senão o da vedação da terceirização nos moldes pensados pelo legislador ordinário, uma vez que o instituto em referência só pode ser admitido como exceção, haja vista ser contrário aos princípios inerentes às relações laborais, em especial aos princípios da função social do trabalho, da igualdade e da dignidade do ser humano.

Consequentemente, a terceirização irrestrita não pode ser admitida, pois implicaria o ferimento de toda a sistemática jurídico-constitucional que elege como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade humana, o valor social do trabalho e as próprias bases do Direito do Trabalho.

04 TERCEIRIZAÇÃO NO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE