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Leibniz e a unidade metafísica do Mundo

Capítulo I-A Teoria do Céu (1755) e suas bases histórico-científico-filosóficas

1.3. Leibniz e a unidade metafísica do Mundo

A ciência pré-newtoniana desenvolveu-se em estreita aliança com a filosofia pré-

newtoniana, na Inglaterra e em toda a Europa continental; a ciência não se discriminava da

filosofia natural e as pessoas notáveis desse período eram também os grandes cientistas.

Newton, com sua teoria física, efetuou a “[...] distinção que chegou a produzir-se entre as

duas; no essencial, a filosofia passou a deixar a ciência de lado [...].” (BURTT, 1983, p. 22). E

como decorrência dessa iniciativa (metodológica) newtoniana, instilou-se, nas pesquisas

positivas, a proscrição da preocupação com as causas finais; propiciando, pois, a emancipação do

inquérito cosmológico em relação à tutela teológica (CLAVIER, 1997).

Leibniz repudiou, intransigentemente, essa possível alforria. Cosmologia e Teologia, em

seu ajuizamento, seriam indissociáveis, dado que não se pode encontrar a razão suficiente de

existir (a necessidade física) do Mundo senão numa razão última extramundana das coisas

(numa necessidade metafísica), que é Deus. Em alusão a isso, Leibniz – em Da origem primeira

das coisas (1697) – profere as asserções que se seguem:

Além do mundo, ou agregado das coisas finitas, existe [...] um ser dominante [...]. [...] o dominante único do universo não apenas rege o mundo, mas ainda o fabrica ou faz, sendo superior ao mundo e, por assim dizer, extramundano, de modo a constituir a razão última das coisas. Com efeito, não se pode encontrar a razão suficiente de existir, nem em cada um dos indivíduos, nem tampouco em todo o agregado e série das coisas. [...]. [...]. As razões, portanto, do mundo acham-se em algum ser extramundano, diverso da cadeia dos estados ou da série das coisas, cujo agregado constitui o mundo. Assim, pois, há de chegar-se da necessidade física, ou hipotética, que determina as coisas posteriores do mundo pelas anteriores, a alguma coisa que seja de necessidade absoluta, ou metafísica, da qual não se possa dar a razão. Ora, o mundo presente é necessário física ou hipoteticamente, mas não absoluta ou metafisicamente. Isso quer dizer que, uma vez admitido que exista semelhante mundo, segue-se que tais ou tais coisas surgirão. Visto, pois, que a última raiz deve estar em algo que seja de necessidade metafísica, e dado que a razão do existente não pode provir senão de um existente, deve existir algum Ser único de necessidade metafísica, ou a cuja essência pertence a existência, e portanto existir algo diverso da pluralidade dos seres, ou mundo, que concedemos e mostramos não ser de necessidade metafísica.

[...]. Do que ficou dito já se compreende muito bem como na produção das coisas se tenha exercido certa matemática divina, ou mecanismo metafísico, realizando-se a tendência para o máximo. [...].

Já temos, dessa forma, a necessidade física, derivada da necessidade metafísica: ainda que o mundo não seja metafisicamente necessário, de modo que o contrário implique contradição ou absurdo lógico, é necessário fisicamente, ou determinado, de modo que o contrário implica imperfeição ou absurdo moral. E, como a possibilidade é o princípio da essência, também a perfeição, ou grau da essência, [...] é o princípio da existência. Verificamos por aí como se encontra liberdade no Autor do mundo, embora faça tudo determinadamente, porque opera conforme o princípio da sabedoria ou perfeição. [...].

Entretanto, dirás, [...] que as possibilidades, ou essências, [...] são imaginárias ou fictícias, não se podendo [...] procurar nelas nenhuma razão de existir. Respondo que nem essas essências, nem o que chamam verdades eternas a seu respeito são fictícias, mas existem em alguma espécie de região das idéias, a saber, no próprio Deus, fonte de toda essência e existência das outras coisas. O que [...] vem indicado pela própria existência atual da série das coisas. Com efeito, como nela [...] não se encontra uma razão suficiente, mas deve ser procurada nas necessidades metafísicas, [...] e como [...] as coisas existentes não podem provir senão de existentes, cumpre que as verdades eternas tenham existência em algum sujeito absoluta ou metafisicamente necessário, ou seja, em Deus, pelo qual se realizem [...] essas coisas que, caso contrário, seriam imaginárias.

E na verdade vemos que no mundo tudo se faz segundo as leis das eternas verdades, não só geométricas, mas também metafísicas, isto é, não apenas conforme as necessidades materiais, mas também segundo as razões formais; e isso é verdade não só em geral na razão do mundo existente, [...] mais que na razão do não-existente e mais que do existente de outra forma, [...] mas também, descendo aos casos particulares, verificamos que, com razão admirável, vigoram em toda a natureza as leis metafísicas da causa, da potência e da ação, prevalecendo sobre as próprias leis puramente geométricas da matéria [...].

Assim, portanto, encontramos a razão última da realidade, tanto das essências como das existências, em um Ser único que precisa, sem dúvida, ser maior, superior e anterior em relação ao mundo, dado que por ele não só têm realidade as coisas existentes, as quais o mundo abrange, mas também a têm as possíveis. Isso, porém, somente pode ser procurado numa única fonte, em vista da conexão entre todas essas coisas. Vê-se, logo, que dessa fonte as coisas existentes promanam e se produzem continuamente, e por ela foram produzidas, pois não há motivo de pensar que dela flua um estado do mundo de preferência a outro, o de ontem mais que o de hoje. Patenteia-se, ainda, como Deus opera não apenas fisicamente, mas também livremente, e como é ele não só o eficiente, mas também o fim das coisas. Da mesma forma, nele está tanto a razão da grandeza e potência da máquina do universo já constituída, como da bondade e da sabedoria ao constituí-la. (LEIBNIZ, 1983c, p. 155-158).

Em Leibniz, pois, o “motivo da existência” (“a razão suficiente de existir”) da Máquina

do Universo (do Mundo; do “agregado das coisas finitas”) – esta que é perfeitíssima fisicamente

(ou, metafisicamente) e moralmente – não estaria “nem em cada um dos indivíduos, nem em todo

o agregado e série das coisas”, mas descenderia (“dado que a razão do existente não pode provir

senão de um existente”) de uma “certa matemática divina, ou mecanismo metafísico” (do

“dominante único do universo”, que “não apenas rege o mundo, mas o fabrica ou faz, sendo

superior ao mundo de modo a constituir a razão última das coisas”; de um Ser “extramundano,

diverso da cadeia dos estados ou da série das coisas, cujo agregado constitui o mundo”); isto é,

de um Deus inexcedível, que “[...] faz tudo da maneira mais desejável [...].” (LEIBNIZ, 1983b, p.

119), “[...] que nada faz fora da ordem [...].” (1983b, p. 122) e que, por seu Ser, “não só têm

realidade as coisas existentes, as quais o mundo abrange, mas também a têm as possíveis”.

No que se reporta a Deus – de quem “as coisas existentes promanam e se produzem

continuamente”; Ele que é o genitor “das verdades eternas, essenciais ou metafísicas” das quais

A noção mais aceita e mais significativa que possuímos de Deus exprime-se muito bem nestes termos: Deus é um Ser absolutamente perfeito. Não se tem considerado, porém, devidamente, suas conseqüências e, para aprofundá-la mais, convém notar que há na natureza várias perfeições muito diferentes, possuindo-as Deus todas reunidas e que cada uma lhe pertence no grau supremo.

É preciso, também, conhecer o que é a perfeição. Eis uma marca bem segura dela, a saber: formas ou naturezas insuscetíveis do último grau não são perfeições, como, por exemplo, a natureza do número ou da figura; pois o número maior de todos (ou melhor, o número dos números), bem como a maior de todas as figuras implicam contradição; mas a onisciência e a onipotência não encerram qualquer impossibilidade. Por conseguinte, o poder e a ciência são perfeições, e enquanto pertencem a Deus não têm limites.

Donde se segue que Deus, possuindo suprema e infinita sabedoria, age de forma mais perfeita, não só em sentido metafísico mas também moralmente falando, podendo, relativamente a nós, dizer-se que, quanto mais estivermos esclarecidos e informados sobre as obras de Deus, tanto mais dispostos estaremos a achá-las excelentes e inteiramente satisfatórias em tudo o que possamos desejar [...].

[...]. Assim, afasto-me muito dos que defendem a opinião da ausência de quaisquer regras de bondade e de perfeição na natureza das coisas ou nas idéias que Deus tem delas, e que as obras divinas são boas apenas pela razão formal que Deus as fez. Se assim fosse, Deus, que bem sabe ser o seu autor, não precisava contemplá-las depois e achá-las boas, como testemunha a Sagrada Escritura, que parece ter recorrido a esta antropologia apenas para nos mostrar que se conhece sua excelência olhando-as nelas mesmas, mesmo quando não se faça reflexão alguma sobre essa pura denominação extrínseca que as refere à sua causa. Isto é tanto mais verdadeiro porque se pode descobrir o obreiro pela consideração das obras. Portanto, é preciso que estas obras tragam em si o caráter de Deus. Confesso que a opinião contrária me parece extremamente perigosa e bastante semelhante à dos últimos inovadores, cuja opinião é a beleza do universo e a bondade atribuída por nós às obras de Deus não passarem de quimeras dos homens que concebem Deus à sua maneira.

Também me parece que afirmando que as coisas são boas tão-só por vontade divina e não por regra de bondade destrói-se, sem pensar, todo o amor de Deus e toda a sua glória. Pois, para que louvá-lo pelo que fez, se seria igualmente louvável se fizesse precisamente o contrário? Onde, pois, sua justiça e sapiência, se afinal apenas restasse determinado poder despótico, se a vontade substituísse a razão, e se, conforme a definição dos tiranos, o que agrada ao mais forte fosse por isso mesmo justo? Ademais, parece que toda vontade supõe alguma razão de querer, razão esta naturalmente anterior à vontade. Eis por que me parece inteiramente estranha a expressão de alguns outros filósofos quando consideram simples efeitos da vontade de Deus as verdades eternas da metafísica e da geometria, e por conseguinte, também, as regras da bondade, da justiça e da perfeição. A mim, pelo contrário, me parecem tão-somente conseqüências do seu intelecto, o qual seguramente em nada depende da sua vontade, assim como a sua essência também dela não depende. (LEIBNIZ, 1983b, p. 119-120).

Depreendendo o Mundo como uma Unidade que repercute o intelecto divino (como o

máximo de possibilidade ou essência que se fez ato, que se fez existência), e que, por isso,

encerra toda perfeição possível; e, além disso, discernindo que “vigoram em toda a natureza as

leis metafísicas da causa, da potência e da ação, prevalecendo sobre as leis puramente

geométricas da matéria” – ou seja, que no Mundo “tudo se faz segundo as leis das eternas

verdades, não só geométricas, mas também metafísicas, isto é, não apenas conforme as

necessidades materiais, mas também segundo as razões formais” –, Leibniz propendeu-se a

preceituar que a simetria (ou, que a harmonia das partes) do Universo não:

[...] poderia ser dada na matéria somente. É o ponto sobre o qual se apóiam os Ensaios de Teodicéia (1710) para defender a causa de Deus: “O universo, qual que ele possa ser, é todo de uma peça, como um oceano.” Ora, “é impossível se achar os princípios de uma verdadeira unidade na matéria unicamente, porque tudo nela é apenas coleção, ou montes de partes até o infinito” [...]. Logo, a unidade de “toda a série e toda a coleção de todas as coisas existentes” [...] reside somente em Deus. (CLAVIER, 1997, p. 28, tradução nossa).

Para Leibniz, pois, “a unidade de toda a série e toda a coleção de todas as coisas

existentes” – ou, a “[...] conexão de toda a matéria do pleno [...].” (1983a, p. 111) – teria morada

“somente em Deus”, e, por esta forma, não poderia, jamais, emanar da “matéria unicamente”,

porque “tudo nela é apenas coleção, ou montes de partes até o infinito”. Portanto, a estrutura (e a

vinculação) física (e mecânica) do Mundo (seu funcionamento, seus pormenores e suas

operações naturais) não se proporcionaria inteligível com o auxílio restrito (como perpetrou

Descartes, por exemplo) de uma visão geométrica e mecânica dos corpos, visto que sua razão

última (e suficiente) jaz em uma necessidade (absoluta) metafísica, que é Deus (Ele que governa

as propriedades da matéria e as extrapola). Como testifica Leibniz, em sua Monadologia (1714):

37. [...] é preciso que a razão suficiente ou última esteja fora da seqüência [...] deste pormenor (détail) das contingências, mesmo que a seqüência seja infinita.

38. Por esse motivo, a razão última das coisas deve encontrar-se numa substância necessária, na qual o pormenor das modificações só esteja eminentemente, como na origem. É o que chamamos Deus.

39. Ora, sendo esta substância razão eficiente de todo [...] pormenor que, por sua vez, está entrelaçando em toda parte, há um só Deus, e esse Deus é suficiente.

40. Esta suprema substância única, universal e necessária, sem nada externo independente dela, e simples resultado da sua possibilidade, pode também julgar-se que não é suscetível de limites e que contém o máximo possível de realidade.

41. Segue-se daí que Deus é absolutamente perfeito, pois a perfeição é, apenas, a grandeza da realidade positiva tomada rigorosamente, excluídos os limites ou restrições nas coisas em que os há. E onde não houver quaisquer limites, quer dizer, em Deus, a perfeição é absolutamente infinita.

42. Segue-se, também, que as criaturas devem suas perfeições à influência divina, e as imperfeições à sua própria natureza, incapaz de ser ilimitada. É por isso que se distinguem de Deus. Essa imperfeição original das criaturas manifesta-se na inércia natural dos corpos.

43. É ainda verdade encontrar-se em Deus não só a fonte das existências, mas também a das essências, enquanto reais, ou do que há de real na possibilidade. Por isso o entendimento divino é a região das verdades eternas, ou das idéias de que elas dependem. Sem ele nada haveria de real nas possibilidades, e não somente nada haveria existente, como ainda nada seria possível.

44. Pois se há alguma realidade nas essências ou possibilidades, ou então nas verdades eternas, é absolutamente necessário fundar esta realidade em algo existente e atual, e por conseguinte na existência do Ser necessário, em que a essência contém a existência, ou no qual é suficiente ser possível para ser atual.

45. Assim, só Deus (ou o Ser necessário) possui este privilégio: se é possível tem de existir necessariamente. Ora, como nada pode impedir a possibilidade do que não tem quaisquer limites, qualquer negação e, por conseguinte, contradição, isto é suficiente para se conhecer a priori a existência de Deus. Demonstramo-la, também, pela realidade das verdades eternas, mas igualmente acabamos de prová-la a posteriori pela existência dos seres contingentes, que não podem ter a razão última ou suficiente senão no ser necessário, que em si mesmo possui a razão de existir.

46. No entanto, de nenhuma maneira se pode pensar, com alguns, serem as verdades eternas, pela sua dependência de Deus, arbitrárias e subordinadas à sua vontade, como parece aceitá-lo Descartes e, após ele, Poiret. Essa opinião só é verdadeira relativamente às verdades contingentes, cujo princípio é o da conveniência ou escolha do melhor; ao passo que as verdades necessárias dependem exclusivamente do entendimento divino, constituindo o seu objeto interno. (LEIBNIZ, 1983a, p. 109-110).

Se “a razão suficiente ou última” do Mundo está “fora da seqüência ou séries das

contingências” que o configuram, pois que “deve encontrar-se numa substância necessária” (que

é Deus), Leibniz, para lograr congraçar as leis mecânicas, físicas e geométricas (as máximas

subalternas) da Natureza com as causas finais extramundanas (com o mecanismo metafísico

retentor de sua razão última) – ou, com “[...] a mais geral das leis de Deus, reguladora de toda a

seqüência do universo [...].” (1983b, p. 123) –, decidiu invocar proteção a uma concepção

dinâmica dos corpos. Tanto que, para ele, os seres não seriam máquinas que se movem, mas

forças vivas; os corpos, estes, exprimir-se-iam não como extensão, mas como forças; e a matéria,

ela, em si, seria essencialmente atividade. O Mundo, sob essa óptica, se estribaria, pois, em

substâncias (em formas substanciais); sendo que cada substância “[...] singular exprime todo o

universo à sua maneira; e que em sua noção estão compreendidos todos os seus acontecimentos

com todas as circunstâncias e toda a seqüência das coisas exteriores.” (LEIBNIZ, 1983b, p. 125).

E, para Leibniz, quem matutar acerca da natureza da substância, constatará não centrar-se

exclusivamente na extensão (no tamanho, figura e movimento) toda a natureza do corpo, mas que

é mandatório “[...] reconhecer aí algo relacionado com as almas e que vulgarmente se denomina

forma substancial, muito embora esta nada modifique nos fenômenos, tanto como a alma dos

irracionais, se a possuem.” (1983b, p. 127). Outrossim, a extensão (que é geométrica, homogênea

e uniforme), ela mesma, não explica o movimento e nem a resistência dos corpos ao movimento;

pois não se é razoável, de jeito algum, deduzir, dela, tal resistência. Nesse encadeamento:

Em 1686 Leibniz publica um artigo, que despertou grande alvoroço, intitulado Brevis demonstratio erroris memorabilis Cartesii. Descartes cometeu um “erro memorável” achando que na natureza a quantidade de movimento (o produto da massa pela velocidade de um corpo) se mantém constante. Mas [...] é o contrário: o que se mantém efetivamente constante é a vis viva ou força viva (aquilo que mais tarde seria denominado de energia cinética) que é equivalente ao produto da massa pelo quadrado da velocidade. Na perspectiva cartesiana quantidade de movimento e força eram

consideradas idênticas. Na base do erro de Descartes e dos cartesianos está o fato de terem tomado como modelo as simples máquinas. Leibniz traça uma linha clara de demarcação entre a estática e a dinâmica [...].

Do ponto de vista de Leibniz, a força viva não é um número ou uma pura quantidade matemática. Em tal força se manifesta uma realidade metafísica cujas manifestações não só não combinam com as premissas do mecanicismo, mas exigem a sua derrubada. Para Leibniz, matéria e movimento são as manifestações fenomênicas de uma realidade metafísica. O pólo ativo de tal realidade é o conatus (que é um termo tirado de Hobbes), e a energia ou a vis viva que aparecem fenomenicamente como movimento. O pólo passivo é a matéria-prima que aparece fenomenicamente como inércia, isto é, a impenetrabilidade ou resistência ao impacto da matéria. Os corpos físicos ou substâncias compostas são resultados fenomênicos de pontos metafísicos ou centros de forças ou substâncias simples e indivisíveis criadas diretamente por Deus, que, usando de um termo derivado de Pitágoras e de Giordano Bruno, Leibniz chama de mônadas. (ROSSI, 2001, p. 266-267).

Eis, pois, que Leibniz, tomando como incitamento a interpretação da matéria como

essencialmente atividade, formula a idéia de que o Universo é composto por unidades de força,

as Mônadas, conceito capital de sua Metafísica. Disserta ele, em sua Monadologia:

1. A Mônada, de que falaremos aqui, é apenas uma substância simples que entra nos compostos. Simples, quer dizer: sem partes.

2. Visto que há compostos, é necessário que haja substâncias simples, pois o composto é apenas a reunião ou aggregatum dos simples.

3. Ora, onde não há partes, não há extensão, nem figura, nem divisibilidade possíveis, e, assim, as Mônadas são os verdadeiros Átomos da Natureza, e, em uma palavra, os Elementos das coisas.

4. Delas também não há a temer qualquer dissolução: é inconcebível que uma substância simples possa perecer naturalmente.

5. Pela mesma razão, é inconcebível que uma substância simples possa começar naturalmente, pois não poderia formar-se por composição.

6. Assim, pode dizer-se que as Mônadas só podem começar ou acabar instantaneamente ou, [...] só lhes é possível começar por criação e acabar por aniquilamento, ao passo que todo o composto começa e acaba por partes.

7. Não há meio também de explicar como a Mônada possa ser alterada ou modificada em seu íntimo por outra criatura qualquer, pois nada se lhe pode transpor, nem se pode conceber nela algum movimento interno que, de fora, seja excitado, dirigido, aumentado ou diminuído lá dentro, como nos compostos, onde há mudança entre as partes. As Mônadas não têm janelas por onde qualquer coisa possa entrar ou sair. [...]. Assim, nem substância, nem acidente podem vir de fora para dentro da Mônada.

8. No entanto, as Mônadas precisam ter algumas qualidades, pois, caso contrário, nem mesmo seriam entes. Se as substâncias simples em nada diferissem pelas suas qualidades, não haveria meio de se aperceber qualquer modificação nas coisas, pois o que está no composto não pode vir senão dos ingredientes simples, e as Mônadas, não tendo qualidades, seriam indistinguíveis umas das outras, visto não diferirem também em quantidade; e, por conseguinte, admitido o pleno, cada lugar receberia sempre, no movimento, só o equivalente do que antes contivera, e um estado de coisas seria, portanto, indiscernível de outro.

9. É mesmo preciso todas as Mônadas diferirem entre si, porque na Natureza nunca há dois seres perfeitamente idênticos, onde não seja possível encontrar uma diferença interna, ou fundada em uma denominação intrínseca.

10. Dou ainda por aceito estar todo ser criado sujeito à mudança, e [...] também a Mônada criada, e considero ser esta mudança contínua em cada uma dela.

11. [...] conclui-se que as mudanças naturais das Mônadas procedem de um princípio

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