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Newton: seu Sistema-Mundo e a destruição do Cosmos

Capítulo I-A Teoria do Céu (1755) e suas bases histórico-científico-filosóficas

1.2. Newton: seu Sistema-Mundo e a destruição do Cosmos

Newton exerceu uma preeminência na Ciência moderna que se guarda indisputável; sendo

sua influência na teoria, na prática e na mentalidade ocidentais de inexecutável mensuração e

abissal complexidade (BURTT, 1983; CASINI, 1995). Sua obra simboliza, por certo, a

racionalidade iluminista içada ao seu pináculo; ademais, para “[...] a geração de cientistas que a

herdou de maneira mais direta ou imediata [...].” (ABRANTES, 1989, p. 5), legislou, ela, “[...]

por um lado, a proposta de uma nova grade conceitual a ser aplicada à natureza, e, por outro, uma

nova grade conceitual a ser aplicada à Ciência ela mesma.” (ABRANTES, 1989, p. 5).

De fato, com sua filosofia natural (e sua metodologia), como nunca dantes, Matemática e

Física se conciliam e promovem ganhos indeléveis ao espírito humano. Por resultado, a inspeção

da Natureza, sob os auspícios do paradigma matemático-geométrico, abiscoitara sua estatura mais

elevada e a imagem arquitetural e acabada do Mundo físico (tracejada, sobretudo, em Principia e

em Opticks) infligira um modelo durável a toda a Ciência; pois que, prevalecendo-se “[...] de sua

capacidade natural para absorver em alto grau todas as qualidades essenciais à mente científica –

proeminentemente a da imaginação matemática –, a qual, provavelmente, nunca foi igualada.”

(BURTT, 1983, p. 167), Newton conseguiu inventar a ferramenta conveniente a “[...] reduzir os

maiores fenômenos de todo o universo da matéria a uma simples lei matemática [...].” (p. 167).

Newton é, pois, o monumento de uma era. O artesão da mais extraordinária (e mais bem

sucedida) empresa pessoal do raciocínio humano que a história até hoje registra (BURTT, 1983).

Um douto superlativo, que, alçando-se por sobre os ombros de gigantes, transportou a Filosofia

às maiores altitudes que ela pode alcançar e sedimentou um sistema de física firmado no rígido (e

espesso) suporte da verificação matemática (BURTT, 1983; ABRANTES, 1989; CASINI, 1995).

No que se reporta, ainda, ao renome de Newton, aquilatamos ser válido sublinhar que,

desde os seus dias, lhes são (rotineiramente) conferidas acentuadas deferências (BURTT, 1983):

Do ponto de vista popular, ele afetou profundamente o pensamento do homem médio inteligente com seus notáveis êxitos científicos. O que causou mais impacto foi sua conquista dos céus em nome da ciência humana através da identificação da gravitação terrestre com os movimentos centrípetos dos corpos celestes. Por maior que seja a reverência que hoje prestamos a Newton, é difícil imaginar a adoração com que ele era visto em toda a Europa no século XVIII. Se nos ativermos à volumosa literatura da época, parecia aos homens daquele século que realizações tais como a descoberta das leis do movimento e da lei da gravitação universal representavam uma vitória incomparável e singularmente importante do pensamento, que coube a um único homem através da história – e esse homem foi Newton. [...].

Um estudioso da história da ciência física atribuirá a Newton uma outra importância que o homem comum mal pode apreciar. Ele verá no gênio inglês uma figura primordial na invenção de certos instrumentos científicos necessários a férteis evoluções posteriores, tais como o cálculo infinitesimal. Ele encontrará em Newton a primeira formulação clara da união entre os métodos experimental e matemático, que se consubstanciou em todas as descobertas subseqüentes da ciência exata. Ele notará, em seu pensamento, a separação entre as pesquisas científicas positivas e as interrogações a respeito da causa última. E, mais importante, talvez, do ponto de vista do cientista exato, Newton foi o homem que tomou termos vagos como força e massa e deu-lhes significados precisos como contínuos quantitativos, de tal modo que, através de seu uso, os fenômenos principais da física tornaram-se redutíveis ao tratamento matemático. É devido a este notável desempenho científico que a história da matemática e da mecânica parece, por todo o século posterior a Newton, ser principalmente um período dedicado à assimilação de seu trabalho e à aplicação de suas leis aos mais variados tipos de fenômenos. Na medida em que os objetos eram massas movendo-se no espaço e no tempo sob a ação de forças como ele as definira, o comportamento desses objetos era agora, em conseqüência de sua obra, totalmente explicável em termos de matemática exata.

É possível, no entanto, que Newton seja ainda uma figura extremamente importante por uma terceira razão. Ele não só encontrou um uso matemático preciso para conceitos como força, massa, inércia como deu novos significados a velhos termos como espaço,

tempo e movimento, os quais haviam tido, até então, pequena importância, mas passaram a ser categorias fundamentais do pensamento humano. (p. 22-24).

Assim sendo, Newton – que Burtt (1983) classifica como um cientista genial, todavia um

filósofo carente de crítica, ambíguo, inconsistente e secundário – foi promotor não de uma, mas

de várias revoluções, na Matemática e nas ciências físicas. Entre essas revoluções, cativa-nos

averiguar as que se efetuaram na mecânica racional e na Cosmologia, pois são nesses domínios

que Newton noticiara o seu Sistema-Mundo, a destruição do Cosmos e a tese da imutabilidade da

Natureza; assertivas estas de maiúscula valia para o deserendar da genealogia da Teoria do Céu

de Kant. E para se atingir a este fito, encentrar-nos-emos, de início, na protuberante cizânia

metafísica (ressaltantemente na esfera metodológica) que há entre Newton e Descartes.

Newton pôs-se em dissídio, tal como o fizera com a filosofia natural aristotélico-tomista-

medieval, com as definições cartesianas de matéria e de espaço. Descartes, recordemos,

equacionava a matéria com a extensão; para ele, matéria e movimento não eram nada senão

modificações da simples extensão; o Universo seria um plenum, pois que o espaço não podia ser

vazio, ele era repleto de algum tipo de matéria (CASINI, 1995; COHEN & WESTFALL, 2002).

Foi, por sinal, esse seu enfoque que o manejou a intuir a luz como uma pressão comunicada

através do espaço pleno; a excogitar o céu como um agrupamento de enormes redemoinhos ou

vórtices; a alegar que o Sol estaria no centro de um desses vórtices e os planetas, por sua vez,

seriam arrastados em redor dele como gravetos flutuando na água; e a afiançar que, sem embargo

os fenômenos da Natureza poderem ser interpretados em termos de partículas de matéria em

movimento, nenhuma partícula era indivisível (CASINI, 1995; COHEN & WESTFALL, 2002).

Newton, em seu De Gravitatione et aequipondio fluidorum – opúsculo redigido,

presumivelmente, entre 1664 e 1669, e que se manteve ignoto até 1962, quando foi editado (por

A. R. Hall e Marie Boas Hall) como parte dos Unpublished Scientific Papers of Isaac Newton –,

censura, intolerantemente, as normativas da física, da mecânica e da metafísica de Descartes.

Ditando “[...] que o espaço é distinto do corpo, e [...] que o movimento é algo que acontece com

respeito às partes desse espaço, e não com respeito à posição de corpos vizinhos [...].”

(NEWTON, 1983c, p. 62) – e apoiando-se numa perspectiva corpuscular da matéria (objetando-

se, portanto, diametralmente, à noção de res extensa) –, Newton endereça circunspetas

reprovações às conjecturas cartesianas do movimento dos corpos, especialmente àquelas

concernentes ao movimento dos corpos celestes (CASINI, 1995; COHEN & WESTFALL, 2002).

De acordo com Newton, a suposição cartesiana (em conformidade com o sentir filosófico

e não com a acepção vulgar do movimento) do repouso relativo da Terra (visto ela não se

deslocar da proximidade do éter contíguo) e dos planetas no interior dos aludidos turbilhões, não

passaria de um disparate. Outrossim, para ele, o movimento cartesiano “[...] não é movimento,

pois não tem velocidade, nem definição, não havendo tampouco espaço ou distância percorridos

por ele.” (1983c, p. 69). Aos olhos de Newton (1983c), a ausência de um sistema de referência e

de forças físicas agentes tornaria, pois, improlífica e autocontraditória a teoria cartesiana dos

turbilhões, dado que é “[...] necessário que a definição de lugares, e conseqüentemente também

dos movimentos locais, seja referida a alguma coisa destituída de movimento, tal como a

extensão sozinha, ou o espaço, na medida em que se vê que este se distingue dos corpos.” (p. 69).

Ou seja, em seu De Gravitatione et aequipondio fluidorum, Newton – versando o corpo

“[...] não enquanto este constitui uma substância física dotada de qualidades sensíveis, mas tão-

somente enquanto constitui um ser extenso, móvel e impenetrável [...].” (1983c, p. 62) – postula

que a idéia de lugar (e a de movimento local) insinua um sistema de referência imóvel, o espaço.

Aqui está um traço nodal de sua desavença com a teoria física cartesiana: ao passo que Descartes

não apartava o espaço da extensão (banindo-o para, por este meio, recusar o vazio, um lócus onde

Deus não pudesse estar), Newton designa o espaço não como substância, como acidente, ou

como sendo nada em absoluto, mas como um contentor de corpos, um efeito emanante de Deus,

que possui uma duração eterna e uma natureza imutável (1983c). Em suma, para Newton:

1) Em todas as direções, o espaço pode ser distinguido em partes, sendo que os limites que unem essas partes costumam ser denominados superfícies; por sua vez, estas superfícies podem ser distinguidas em todas as direções, em partes, cujos limites comuns costumamos denominar linhas; finalmente, estas linhas podem ser distinguidas, em todas as direções, em partes que chamamos pontos. Daqui segue que as superfícies não têm profundidade, nem as linhas possuem largura, nem os pontos possuem dimensões [...]. Além disso, os espaços em toda parte são contíguos a outros espaços, uma extensão está em toda parte colocada perto de outra extensão, e assim, em toda parte existem limites comuns a partes contíguas [...]. Por conseguinte, existem em toda parte toda espécie de figuras [...].

2) O espaço tem uma extensão infinita em todas as direções. Com efeito, não podemos imaginar qualquer limite onde quer que seja, sem com isto mesmo imaginarmos ao mesmo tempo que para além deste espaço existe outro. [...].

3) As partes do espaço são destituídas de movimento. Se elas se movessem, seria necessário afirmar ou que o movimento de cada parte constitui um deslocamento da proximidade de outras partes contíguas, [...] ou [...] que constitui um deslocamento fora do espaço para dentro do espaço, isto é, fora de si mesmo, a menos que talvez se diga que em toda parte dois espaços coincidem, isto é, um dotado de movimento e outro destituído de movimento. [...].

4) O espaço constitui uma disposição do ser enquanto ser. Não existe nem pode existir ser algum, que não tenha alguma relação com o espaço, de uma forma ou de outra. Deus

está em toda parte, as inteligências criadas estão em algum lugar, o corpo está no espaço que ocupa, sendo que qualquer coisa que não estivesse nem em nenhum lugar nem em algum lugar, na realidade não existiria. Daqui se infere que o espaço constitui um efeito derivante da própria existência do ser, pois, ao se postular algum ser, postula-se também para ele o espaço. O mesmo pode ser afirmado quanto à duração: com efeito, ambos constituem disposições do ser ou atributos, segundo os quais denominamos quantitativamente a presença e a duração de qualquer coisa que exista individualmente. [...].

Além disso, para que ninguém [...] imagine que Deus é como um corpo, isto é, extenso e feito de partes divisíveis, importa saber que os próprios espaços não são atualmente divisíveis, e mais, que cada ser tem uma forma peculiar de estar localizado nos espaços. Com efeito, é muito grande a diferença existente entre o espaço e o corpo, e a que existe entre o espaço e a duração. [...].

5) As posições, distâncias e movimentos locais dos corpos devem ser referidos às partes do espaço. Isso se evidencia pelas propriedades do espaço enumeradas nos pontos 1 a 4, tornando-se ainda mais claro se considerarmos que existem vácuos espalhados entre as partículas [...]. A isto se pode acrescentar ainda o seguinte: no espaço não existe nenhuma força de qualquer espécie, que possa impedir, ou favorecer, ou de qualquer forma alterar os movimentos dos corpos. [...].

6) Finalmente, o espaço é eterno em sua duração e imutável em sua natureza, o que ocorre por ser ele o efeito que deriva de um ser eterno e imutável. Se em algum momento o espaço não tivesse existido, naquele momento Deus não teria estado em nenhum lugar, e nesta hipótese Deus ou teria criado o espaço mais tarde (espaço no qual ele mesmo não estaria), ou então, Deus teria criado a sua própria ubiqüidade – o que seria igualmente contraditório à razão. Ora, embora talvez possamos imaginar que não existe nada no espaço, todavia não podemos pensar que o espaço não exista [...]. (1983c, p. 70; 71; 73; 74; 75).

Denuncia-se, pois, que, segundo Newton, os espaços não são os próprios corpos, mas os

lugares nos quais os corpos existem e se movem. Por seqüela, divergentemente de Descartes –

para quem “[...] o lugar não pode ser definido ou determinado a não ser pela posição dos corpos

adjacentes [...].” (NEWTON, 1983c, p. 68), isto é, “[...] o lugar não é outra coisa senão a

superfície dos corpos adjacentes ou a posição entre alguns outros corpos mais distantes [...].” (p.

68); e o movimento de um corpo, por seu turno, apenas pode ocorrer “[...] em relação à

proximidade de corpos contíguos [...].” (p. 68), ou, “[...] como parte de outros corpos que assim

se deslocam [...].” (p. 68) –, para Newton, rejeitando-se os acidentes dos corpos, o que

permanece não é só a extensão, mas “[...] também as faculdades em virtude das quais os corpos

podem estimular as percepções na inteligência e pôr em movimento outros corpos.” (p. 83).

Porém, o dissentimento peremptório de Newton com o programa físico cartesiano, e,

concomitantemente, com a quebradiça solidez (metafísica) da ciência física tomista-aristotélica-

substancialista, propala-se, suntuosamente, em seus Philosophiae naturalis principia

mathematica – livro publicado, em Londres, em 1687; e em cujas laudas pronuncia-se uma

abordagem altamente matematizada do movimento e forma dos astros (a Mecânica Celeste), bem

como de determinadas áreas da Mecânica (como a Hidráulica e a Teoria das Vibrações),

rematando e sistematizando, assim, coerentemente, no nível do método e no das soluções, a

Revolução Científica encetada por Copérnico e por Galileu (BURTT, 1983; CASINI, 1995).

Em seus Principia, Newton exibe – afora um novo artifício matemático que é o cálculo

das fluxões (CASINI, 1995) – uma comprobação crucial das possibilidades de aproveitamento do

instrumental matemático na pesquisa da Natureza e, por igual, rescinde metodologicamente com

a tradição da filosofia mecânica do século XVII, contrapondo, rigorosamente, um indutivismo

radical ao uso desenfreado de hipóteses como ponto de arranque no estudo da Natureza

(ABRANTES, 1989). O título mesmo dos Principia indicia, francamente,

[...] uma tomada de posição com relação à física cartesiana: os princípios da filosofia têm um caráter matemático. Ao contrário de Descartes, Newton apresentava em linguagem matemática os princípios da filosofia natural e ao mesmo tempo tornava própria a lição da tradição do experimentalismo e assumia como constitutiva do método científico a desconfiança – que foi própria de Bacon e dos baconianos – pelas hipóteses sem conexões com a evidência empírica. (ROSSI, 2001, p. 387-388).

Realmente, os Principia – que promulga a primeira “[...] teoria física axiomatizada (no

sentido moderno do termo) de onde as leis empíricas particulares descobertas anteriormente

podem ser deduzidas matematicamente [...].” (SEIDENGART, 1984, p. 15, tradução nossa) –

difunde uma nova metodologia (de base indutiva) inspirada dos textos de Galileu (que são

antípodas aos de Descartes) (BURTT, 1983; SEIDENGART, 1984). E uma das diretrizes

regimentais da metodologia newtoniana proclama-se, fulgentemente, na cláusula da:

[...] Terceira das Regras que é preciso seguir no Estudo da Física, à guisa de prelúdio ao último livro dos Princípios: “As qualidades dos corpos ... que pertencem a todos os corpos sobre os quais se pode fazer experiências, devem ser consideradas como pertencentes a todos os corpos em geral” [...]. A universalidade desta extensão é garantida pela matematização da física. Mas, em compensação, é esta mesma matematização que nos compele ao “Hypotheses non fingo”, [...] isto é a não imaginar hipótese que nenhuma experiência possa verificar. [...]. (KERSZBERG, 1984, p. 209, tradução nossa).

Escancara-se, pois, a obstinada vigilância de Newton em suscitar conhecimentos

conceitualmente depurados e arguciosos com o subsídio de recursos experimentais que o

auxiliassem no estabelecimento de suas sínteses teóricas – matrimoniando, mediante um emprego

criterioso e simétrico, indissoluvelmente, a Razão e a Experiência (BURTT, 1983).

Essa postura de Newton, inclusive, o separa visivelmente de Descartes; pois que esse

sublime erudito francês valoriza por demasia a Razão, decretando que nada poderia ser acolhido

como verdadeiro sem, antes, ser subjugado, impreterivelmente, ao seu crivo (BASTOS FILHO &

XAVIER, 1989). Num equivalente entretom, na Quarta das Regras discorridas por Newton,

[...] no começo do último livro dos princípios, encontramos a exigência de uma concepção inteiramente indutiva do universo. Newton escreve: “Na Filosofia experimental, as proposições tiradas por indução dos fenômenos devem ser consideradas apesar de hipóteses contrárias, como exatamente ou aproximadamente verdadeiras, até que alguns outros fenômenos as confirmem inteiramente ou façam ver que elas são sujeitas a exceções” [...]. Deve assim existir uma base firme de proposições, que não poderá jamais ser modificada, mas somente precisada ou sujeita a exceções. Essa regra é tão determinante que ela é inseparável da recusa das “falsas hipóteses”; comentando esta Regra, Newton escreve que “uma hipótese não pode enfraquecer os raciocínios fundados sobre a indução tirada da experiência” [...]. Ora, os Princípios são inteiramente concebidos para dar este conjunto imutável de proposições certas. (KERSZBERG, 1984, p. 211, tradução nossa).

Essas duas Regras (a Terceira e a Quarta das que servem de prelúdio ao Livro III de

Principia) desnudam a indissociabilidade que há entre a “concepção inteiramente indutiva do

Universo” e a “matematização da física”; o que nos remete aos dois aspectos do método de

Newton. Pois, por uma parte, ele outorga à Matemática uma função basilar a desempenhar na

filosofia natural – em congruência com a sua inabalável esperança de que todos os fenômenos

naturais pudessem vir a ser aclarados em termos de mecânica matemática (BURTT, 1983) –;

imputação esta (à Matemática) que Newton anuncia, com nitidez, no Prefácio de seus Principia:

[...] apresento esta obra como os Princípios Matemáticos da Filosofia. Com efeito, a dificuldade precípua da filosofia parece consistir em que se investiguem, a partir dos fenômenos dos movimentos, as forças da natureza, demonstrando-se a seguir, por meio dessas forças, os outros fenômenos. A isso se destinam as proposições gerais do primeiro e segundo livros. No terceiro, porém, dou um exemplo disso por meio da explicação do sistema mundano. Aí, de fato, pelas proposições matematicamente demonstradas nos livros anteriores, derivam-se dos fenômenos celestes as forças de gravidade pelas quais os corpos tendem para o sol e os vários planetas. Depois deduzo dessas forças, por proposições também matemáticas, o movimento dos planetas, dos cometas, da lua e do mar. Oxalá pudéssemos também derivar os outros fenômenos da natureza dos princípios mecânicos, por meio do mesmo gênero de argumentos, porque muitas razões me levam a suspeitar que todos esses fenômenos podem depender de certas forças pelas quais as partículas dos corpos, por causas ainda desconhecidas, ou se impelem mutuamente, juntando-se segundo figuras regulares, ou são repelidas e retrocedem umas em relação às outras. Ignorando essas forças, filósofos tentaram em vão até agora a pesquisa da natureza. Espero, no entanto, que os princípios aqui estabelecidos tragam alguma luz sobre esse ponto ou sobre algum método melhor de filosofar. (NEWTON, 1983a, p. 4).

Por outra parte, contudo, Newton defende, analogamente a Kepler, Galileu e Hobbes, que

nosso trabalho está nas causas de efeitos perceptíveis; e apregoa, em toda declaração de seu

método, que são os fenômenos observados da Natureza que devemos nos esforçar para elucidar.

Em seu entender, pois, supervisão experimental e verificação devem, imprescindivelmente,

acompanhar cada ato do processo explanatório. Para Newton, conseguintemente, não havia,

[...] absolutamente, certezas a priori, como Kepler, Galileu e, especialmente, Descartes acreditavam, que o mundo é repetidamente matemático e, menos ainda, que seus segredos podem ser completamente desvendados pelos métodos matemáticos até então aperfeiçoados. O mundo é o que é; enquanto leis matemáticas exatas puderem ser nele descobertas, ótimo; de outra forma, nós teremos de buscar a expansão da nossa matemática ou contentarmo-nos com algum outro método menos seguro. Este é, claramente, o espírito do parágrafo do prefácio de Principia [...]: “Quisera poder deduzir o resto dos fenômenos da natureza da mesma forma de raciocínio a partir de princípios mecânicos ... mas espero que os princípios aqui expostos permitam alguma luz àquele ou a algum outro método de filosofia mais verdadeiro”. A tentativa de empirismo está presente aqui, de forma franca, e é a partir daqui que, para Newton, em marcante contraste com Galileu e Descartes, passa a haver uma clara diferença entre verdades matemáticas e verdades físicas. “Que a resistência de corpos existe em razão da

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