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CAPÍTULO 5 DESCREVENDO A LEGISLAÇÃO APROVADA EM SEGURANÇA

5.6 Leis Concentradas

F) Leis que instauram privilégios exclusivamente a um indivíduo ou grupo:

102 Art. 34 da citada Convenção declara que "os Estados Partes se comprometem a proteger a criança contra

todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados Partes tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: a) o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal; b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; c) a exploração de crianças em espetáculos ou materiais pornográficos". O decreto 28 de setembro de 1990 ratificou o texto da ONU no Brasil.

179 5.6.1 PRISÃO ESPECIAL AOS MILITARES

As leis aqui denominadas concentradas representam as leis que concedem privilégios de status exclusivamente a um grupo determinado. No caso, discuto duas leis que concederam ‘direitos’ aos militares e a concessão de foro privilegiado a ex-titular de cargo público.

No primeiro caso, a lei 10.258 de 2001 alterou o art. 295 do Código de Processo Penal, concedendo prisão especial aos militares dos Estados, do Distrito Federal e Territórios. O Projeto de Lei N° 270 é de autoria do Deputado Paulo Baltazar PSB-RJ e foi apresentado pelo deputado no dia 16 de março de 1999. A sanção do Executivo ocorreu em 11 de julho de 2001. A lei tramitou aproximadamente 845 dias.

O artigo 295 estabelece que serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva: V - os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Para efeito de comparação, na redação anterior do Código de Processo Penal estava disposto que a prisão especial era destinada a - V - os oficiais das Forças Armadas e do Corpo de Bombeiros. Assim, de acordo com o Código de Processo Penal foi a partir da lei 10.258 de 2001 que os militares passaram a ter o ‘direito’ da prisão especial. Vale citar, de acordo com o CPP, quais grupos e indivíduos possuem acesso a prisão especial:

I - os ministros de Estado;

II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia;

III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados;

IV - os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito";

V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

180 VI - os magistrados;

VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; VIII - os ministros de confissão religiosa;

IX - os ministros do Tribunal de Contas;

X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função;

XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.

A lei incluiu mais cinco parágrafos. O primeiro, por exemplo, definiu que prisão especial consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum. O segundo parágrafo dispôs que se não houver estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento.

Quanto à cela especial, ficou definido no terceiro parágrafo que poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana e que o transporte do preso especial não será realizado juntamente com o preso comum (quarto parágrafo).

Por último, após esta norma instituir e formalizar a desigualdade jurídica em função da ‘qualidade’ das pessoas presas sob o status de serem ‘especiais’, no quinto parágrafo o legislador discretamente retoma o princípio da cidadania plena: “Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum."

5.6.2 FORO PRIVILEGIADO

Na mesma direção, a lei 10.628 sancionada em 2002 concedeu foro especial de processo e julgamento a ex-titular de cargo público. Alterou assim a redação do artigo 84 do Código de Processo Penal. O projeto da Lei (n° 6295) é do deputado Bonifácio de Andrada do PSDB-MG, apresentado dia 13 de março de 2002 e sancionado por Fernando Henrique no dia 24/12/2002, tramitando aproximadamente 281 dias.

181 A lei estabeleceu que a competência do STJ pela prerrogativa de função prevalecerá, quando o ato for praticado no exercício do cargo, ainda que o inquérito ou ação sejam iniciados após a cessação do exercício funcional. Concedeu, assim, foro especial de processo e julgamento (foro privilegiado) a ex-autoridade titular de cargo público.

A redação do artigo 84 do Código de Processo Penal ficou desta forma:

Art. 1o O art. 84 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:"Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

Retomando a clássica discussão de Marshall (1967) sobre cidadania103, no Brasil a dimensão civil da cidadania - o princípio da igualdade de todos perante a lei e perante os tribunais – é formalmente violado, para além dos recorrentes ‘jeitinhos’ informais de se instaurar e produzir a desigualdade de direitos civis, como nas leis citadas acima.

Como afirma Kant de Lima (2004) a desigualdade e a hierarquização se dão em nossa sociedade como um princípio organizador, desde os tempos coloniais. Essa característica entranhada no tecido social contamina as relações nas instituições sociais, sendo o sistema de justiça criminal apenas mais uma dimensão institucional de legitimação da desigualdade, conforme vimos neste item.