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A LEISHMANIOSE CAUSA ESTRESSE OXIDATIVO,

CAPÍTULO 2 - A LEISHMANIOSE CAUSA ESTRESSE OXIDATIVO, ALTERAÇÃO DO METABOLISMO OXIDATIVO E DA VIABILIDADE DE NEUTRÓFILOS DE CÃES

ALMEIDA, B.F.M.; NARCISO, L.G.; MELO, L.M.; PREVE, P.P.; BOSCO, A.M.; LIMA, V.M.F.; CIARLINI, P.C.

Resumo - Com o objetivo de testar a hipótese de que o estresse oxidativo,

alteração do metabolismo oxidativo e apoptose dos neutrófilos de cães varia com o estágio da leishmaniose e que a uremia contribui para tal variação, foram quantificados marcadores de estresse oxidativo, a produção de superóxido, viabilidade e taxa de apoptose em neutrófilos de cães com leishmaniose. Os cães foram classificados de acordo com o LeishVet Consensus em estágio moderado da doença (Leish II, n=20), estágio muito severo quando a uremia está instalada (Leish IV, n=20) e de cães com uremia sem leishmaniose (Urêmico, n=10), comparando-os a cães saudáveis (Controle n=30). Foi determinada a capacidade antioxidante total (CAT), a peroxidação lipídica, os teores de glutationa total e os antioxidantes plasmáticos albumina, ácido úrico e bilirrubina. A produção de superóxido foi determinada utilizando a sonda hidroetidina, a viabilidade e apoptose utilizando anexina V-PE, ambos em citometria de fluxo capilar. O estresse oxidativo ocorre na uremia e na leishmaniose com redução da CAT, associado à maior produção de superóxido e apoptose induzida. Espontaneamente, neutrófilos de cães urêmicos com e sem leishmaniose possuem menor viabilidade, maior taxa de apoptose e maior peroxidação lipídica. Conclui-se que a intensidade do estresse oxidativo não varia com o estágio da leishmaniose, entretanto a condição urêmica contribui para diminuição da viabilidade dos neutrófilos em cães no estágio final da doença.

1 Introdução

O estresse oxidativo ocorre quando há desequilíbrio entre a produção de substâncias oxidantes e as defesas antioxidantes do organismo (PEAKE; SUZUKI, 2004). Células especializadas em realizar fagocitose, como os neutrófilos, possuem grande capacidade de produção de substâncias oxidantes, as espécies reativas de oxigênio (ERO), que podem contribuir de forma significativa para o estresse oxidativo (ZAMZAMI et al., 1996). As ERO são produzidas espontaneamente e após a ativação do metabolismo oxidativo neutrofílico a partir do ânion superóxido, gerando compostos altamente reativos como o peróxido de hidrogênio, óxido nítrico, ácido hipocloroso e o ânion superóxido propriamente dito (NATHAN, 2006).

A produção exagerada e contínua dessas substâncias oxidantes leva ao consumo das defesas antioxidantes orgânicas. Assim, essas substâncias reagem com componentes celulares e teciduais causando a peroxidação lipídica e danos ao DNA celular, que levam à apoptose (ZAMZAMI et al., 1996). O estresse oxidativo está envolvido na patogênese de diversos processos patológicos, como anemia hemolítica (STOCKS; DORMANDY, 1971), aterosclerose (KATSURA et al., 1994), lesão de reperfusão tecidual (PARK; LUCCHESI, 1999) e até mesmo como potencial carcinogênico (SHACTER et al., 1988).

O papel dessas substâncias oxidantes vem sendo estudado com o objetivo de entender a função desses compostos na patogênese das doenças infecciosas (BILDIK et al., 2004; EREL et al., 1997; OLIVEIRA; CECHINI, 2000).

Dentre essas doenças infecciosas destaca-se a leishmaniose. Os protozoários do gênero Leishmania conseguem evadir o sistema imune e perpetuar a infecção. Existem evidências de que o parasita no estabelecimento da infecção seria capaz de inibir o metabolismo oxidativo neutrofílico e prolongar a sobrevida da célula, fazendo com que o neutrófilo funcione como “Cavalo de Tróia” no início da infecção (LASKAY et al., 2003). Entretanto, em cães com a doença já estabelecida há aumento da produção de superóxido em neutrófilos (CIARLINI et al., 2010; GÓMEZ-OCHOA et al., 2010), o que poderia contribuir de forma significativa para o estresse oxidativo.

São escassos os estudos avaliando o metabolismo oxidativo neutrofílico em cães nos diversos estágios da leishmaniose visceral. Gómez-Ochoa et al. (2010) sugeriram que a produção de superóxido se altera de acordo com o estágio da doença, uma vez que observaram aumento da produção de superóxido neutrofílico no início da infecção e um discreto decréscimo nos estágios finais da leishmaniose visceral. Animais em estágios avançados da doença geralmente apresentam doença renal crônica que pode levar à uremia (SOLANO-GALLEGO et al., 2009). Portanto é razoável hipotetizar que a menor produção de superóxido observada nos estágios finais da leishmaniose visceral por Gómez-Ochoa et al. (2010), esteja associada à uremia, uma vez que há comprovação in vitro de que o soro urêmico é capaz de inibir o metabolismo oxidativo neutrofílico em cães (BARBOSA et al., 2010). Também já se sabe que a uremia decorrente da DRC é capaz de inibir o metabolismo oxidativo neutrofílico e que a menor produção de superóxido está associada ao aumento da taxa de apoptose em humanos (CENDOROGLO et al., 1999).

Não foi encontrado qualquer registro de investigação sobre a viabilidade de neutrófilos de cães com leishmaniose visceral, ficando a esclarecer se há relação entre a apoptose neutrofílica e o estresse oxidativo causado tanto pela infecção quanto pela uremia. Por esta razão, no presente estudo foi testada a hipótese de que tanto o estresse oxidativo, quanto o metabolismo oxidativo e a viabilidade dos neutrófilos variam com estágio da leishmaniose canina e que a condição urêmica na fase final da doença contribui para esta variação. Para tal, foram avaliados marcadores plasmáticos de estresse oxidativo, produção de superóxido, viabilidade e taxa de apoptose em neutrófilos de cães com leishmaniose no estágio moderado da doença, no estágio muito severo quando a uremia está instalada e de cães com uremia sem leishmaniose, comparando-os a cães saudáveis. Foi possível comprovar que tanto a leishmaniose quanto a uremia causam estresse oxidativo, afetam o metabolismo oxidativo e a apoptose dos neutrófilos. As diferenças observadas quanto aos estágios da infecção e sua associação com a uremia são discutidas, assim como as implicações de tais alterações na imunossupressão dos cães.

2 Material e Métodos

O experimento ocorreu de acordo com os princípios éticos em uso de animais do Comitê de Ética em Experimentação Animal da Universidade Estadual Paulista (Protocolo FOA-9678/10).

2.1 Seleção dos animais

Foram selecionados 80 cães de variados padrões raciais e divididos em quatro grupos: Grupo Controle (n=30) constituído por número igual de machos e fêmeas com idade de 4±2 anos, todos clinicamente saudáveis, sem alterações nos exames físico e laboratoriais conforme demonstrado na Tabela 1 e parasitologicamente e sorologicamente negativos para leishmaniose visceral. Grupo Leish II (n=20), formado por 11 cães machos e nove fêmeas com leishmaniose visceral e em estágio moderado da doença. Grupo Leish IV (n=20), sendo 10 machos e 10 fêmeas com leishmaniose visceral em estágio muito severo. Grupo Urêmico (n=10), sendo oito machos e duas fêmeas com idade média de 6±2 anos sem leishmaniose visceral e com uremia decorrente de DRC nos estágios III e IV, com valores de creatinina acima de 2,1 mg/dL conforme Tabela 1.

O diagnóstico da leishmaniose visceral foi realizado por meio de sorologia por ELISA (LIMA, et al., 2003) e confirmado por exame parasitológico direto do aspirado de linfonodo poplíteo em microscopia óptica (100X). A exclusão da doença também baseou-se nos mesmos exames.

Os cães com leishmaniose foram classificados com doença moderada (estágio II) ou doença muito severa (estágio IV) de acordo com as diretrizes do

LeishVet Consensus (SOLANO-GALLEGO et al., 2009). Os animais foram

classificados com doença moderada por apresentarem sinais clínicos típicos de leishmaniose e alterações laboratoriais como anemia não-regenerativa leve, hiperglobulinemia, hipoalbuminemia, perfil renal normal (creatinina <1,4 mg/dL) e proteinúria (UPC 0,5-1,0) (Tabela 1). Foram classificados com doença muito severa os cães que além de apresentarem os sinais típicos da leishmaniose, possuíam sinais clínicos característicos da síndrome urêmica decorrente da DRC

em estágio final e valores de creatinina acima de 2,1 mg/dL, síndrome nefrótica e intensa proteinúria (UPC >1,0).

Tabela 1 - Frequência de sinais clínicos e análises laboratoriais (média e desvio

padrão) de cães do grupo controle e com leishmaniose visceral nos estágios moderado (Leish II) e muito severo (Leish IV) e animais urêmicos sem leishmaniose (Urêmico).

Parâmetro Controle Leish II Leish IV Urêmico

Sinais clínicos

Linfadenopatia Ausente 95% 60% Ausente

Onicogrifose Ausente 90% 90% Ausente

Ulcerações de pele Ausente 75% 90% 15%

Alopecia periocular Ausente 90% 50% Ausente

Caquexia Ausente 40% 90% 80%

Halitose urêmica Ausente Ausente 85% 90%

Ulceração oral e na língua Ausente Ausente 90% 95%

Desidratação Ausente 15% 95% 60% Exames laboratoriais Hemograma Volume globular (%) 47,7 ± 3,3 34,6 ± 6,5 20,2 ± 9,8 28,0 ± 8,22 Hemácias (1012/L) 6,5 ± 0,5 4,80 ± 1,15 2,84 ± 1,34 3,88 ± 1,18 Hemoglobina (g/dL) 15,9 ± 1,0 11,5 ± 2,5 6,5 ± 2,8 9,08 ± 2,91 VCM (fL) 73,2 ± 2,9 73,4 ± 3,4 72,6 ± 2,6 72,6 ± 6,27 CHCM (%) 33,3 ± 0,2 33,2 ± 0,8 33,8 ± 1,42 32,32 ± 2,06 Leucócitos totais (109/L) 9,9 ± 2,6 14,1 ± 5,2 12,0 ± 6,12 14,1 ± 5,55 Bioquímica Albumina (g/L) 31,8 ± 1,6 20 ± 5,8 22,3 ± 3,2 25,3 ± 3,3 ALT (UI/L) 44,29 ± 13,2 66,3 ± 10,1 42,5 ± 15,6 51,3 ± 22,4 AST (UI/L) 26,1 ± 8,1 47,6 ± 10,1 42,4 ± 17,0 39,6 ± 18,8 Colesterol (mg/dL) 178,3 ± 51,4 201,7 ± 43,2 279,7 ± 50,3 288 ± 82,4 Creatinina (mg/dL) 1,07 ± 0,16 0,89 ± 0,25 4,43 ± 2,1 9,48 ± 3,72 Glicose (mg/dL) 94,9 ± 10,7 84,5 ± 10,6 96,67 ± 10,1 78,56 ± 12,1 Globulina (g/L) 34,8 ± 6,0 59,1 ± 18,9 58,0 ± 18,0 36,4 ± 5,4 Proteína total (g/L) 65,8 ± 6,3 80,1 ± 18,0 80,9 ± 17,1 65,8 ± 23,3 Ureia (mg/dL) 32,6 ± 8,1 29,0 ± 10,8 263,0 ± 114,6 348,7 ± 90,1 Urinálise Densidade urinária 1,043 ± 0,003 1,040 ± 0,009 1,016 ± 0,003 1,015 ± 0,004 UPC 0,2 ± 0,07 0,8 ± 0,6 3,6 ± 1,5 4,1 ± 2,0

* VCM – Volume corpuscular médio; CHCM – Concentração hemoglobínica corpuscular média; UPC – Relação proteína/creatinina urinária.

Os animais do Grupo Urêmico foram estadiados segundo as diretrizes da

International Renal Interest Society (IRIS, 2006), de forma que só foram

selecionados animais nos estágios III (creatinina 2,1-5,0 mg/dL) e IV (creatinina >5,0 mg/dL), que correspondem aos estágios dos animais com leishmaniose muito severa, conforme demonstrado na Tabela 1.

Animais tratados com medicamentos antioxidantes ou que alterassem a função neutrofílica não foram incluídos no estudo.

2.2 Colheita das amostras e análises laboratoriais

Após jejum alimentar de oito a 12 horas, 10 mililitros de sangue total foram colhidos de cada animal por punção da veia jugular. Nove mililitros de sangue foram acondicionados em tubos heparinizados estéreis protegidos da luz e foram destinados ao isolamento dos neutrófilos e obtenção de plasma para análises bioquímicas. O restante do sangue foi acondicionado em tubo com EDTA para realização do hemograma. O isolamento dos neutrófilos foi realizado imediatamente após a colheita do sangue. O plasma foi armazenado protegido da luz à -20ºC para as análises bioquímicas e à -80ºC para determinação da capacidade antioxidante total (CAT), peroxidação lipídica e glutationa total, por no máximo 15 dias após a colheita.

As análises bioquímicas plasmáticas foram realizadas em espectrofotômetro automatizado (BTS 370 Plus, Biosystems, Barcelona, Espain) previamente calibrado com calibrador e soros controles níveis I e II utilizando reagentes comerciais (Biosystems, Barcelona, Espain). Foi determinado o teor de ácido úrico (método uricase/peroxidase); albumina (método do verde de bromocresol); ALT e AST (método enzimático UV segundo IFCC); bilirrubina (método sulfanílico diazotado); colesterol (método enzimático oxidase/peroxidase); creatinina plasmática e urinária (método cinético do picrato alcalino); glicose (método glicose oxidase/peroxidase); proteína plasmática total (método do biureto); proteína urinária (método vermelho de pirogalol); e ureia (método enzimático UV urease/glutamato desidrogenase). Todas as reações bioquímicas foram processadas a 37°C conforme orientações dos fabricantes.

O hemograma foi realizado em contador de células automatizado veterinário (BC-2800Vet, Shenzhen Mindray Bio-Medical Eletronics Co., Nanshan, China). A urina foi colhida por cistocentese para realização do exame de urina tipo I e determinação da relação proteína/creatinina urinária (UPC). A densidade urinária foi obtida por refratometria.

A capacidade antioxidante total plasmática foi determinada pelo método colorimétrico do cátion ABTS (2,2’-azino-bis 3-ethylbenz-thiazoline-6-sulfonic acid) em que substâncias antioxidantes presentes no plasma inibem a oxidação dos substratos presentes nos reagentes, impedindo a mudança de cor do meio e, assim, determinando a capacidade antioxidante do plasma. Os resultados foram expressos em mmol de equivalente de Trolox/L após comparação das amostras com uma curva padrão com diversas concentrações de Trolox (EREL, 2004).

O teor plasmático de glutationa total (GSH) foi determinado utilizando conjunto de reagentes comerciais (Ransod and Ransel, Randox Laboratories, Oceanside, CA) em leitora automática de placas de 96 poços (Readwell Touch, Robonik PVT LTD, Thane, India) em 405 nm, segundo recomendações do fabricante.

A peroxidação lipídica plasmática foi determinada pelo método TBARS (substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico) utilizando reagente comercial (TBARS Assay Kit, ZeptoMetrix Corporation, USA) e leitora automática de placas de 96 poços (Readwell Touch, Robonik PVT LTD, Thane, India) em 545 nm segundo recomendações do fabricante. Os valores são expressos em µmol/L após comparação das amostras com uma curva de calibração com diversas concentrações de malondialdeído proposta pelo fabricante.

2.3 Isolamento dos neutrófilos

Quatro mililitros de sangue heparinizado foram utilizados para o isolamento dos neutrófilos em duplo gradiente de separação contendo 3 mL de Histopaque- 1119® e 3 mL de Histopaque-1070® (Sigma-Aldrich Co., St. Louis, USA). As células isoladas foram então lavadas duas vezes com tampão de lise (NH4Cl 150

Hanks (HBSS) (Sigma-Aldrich Co., St. Louis, USA). Após contagem em hemocitômetro, as células foram diluídas em meio RPMI 1640 (Sigma-Aldrich Co., St. Louis, USA) na concentração 106/mL. A viabilidade foi estimada pelo método de exclusão do azul de tripan e a pureza foi determinada por citologia. Apenas os isolamentos que obtiveram viabilidade e pureza acima de 95 e 93%, respectivamente, foram incluídos no estudo.

2.4 Avaliação do metabolismo oxidativo neutrofílico

Para determinação da produção de superóxido dos neutrófilos utilizou-se a sonda hidroetidina (HE) em citometria de fluxo capilar. Resumidamente, em 180 μL da suspensão de neutrófilos (106/mL) em RPMI 1640 foram acrescidos 20 μL de solução tamponada de HE (0,1 mmol/L), na ausência e presença de acetato miristato de forbol 0,3 µM (PMA) (Sigma-Aldrich Co., St. Louis, USA), para a realização da prova estimulada. Após incubação a 37ºC por 15 minutos, a amostra foi mantida em banho de gelo e protegida da luz até o momento da leitura. A média de fluorescência do etídio foi quantificada em citômetro de fluxo capilar (Guava EasyCyte Mini®, Guava Technologies, Industrial Boulevard Hayward, USA) ajustado para o comprimento de onda máximo para emissão (593 nm) e excitação (473 nm) do etídio. Para eliminação dos debris celulares selecionou-se a população com maior tamanho compatível com a população de neutrófilos. Os resultados de 10.000 eventos foram analisados em programa computacional específico (Guava Express, CytoSoft Data Acquisition and Analysis Software. Personal Cell Analysis, v.4.1, 2006. Guava Technologies, Industrial Boulevard Hayward, USA) e considerada a unidade arbitrária de fluorescência média (ẋ-mean) vermelha do etídio, formado a partir da oxidação espontânea e estimulada de HE pelo superóxido.

2.5 Avaliação da viabilidade e taxa de apoptose neutrofílica

A viabilidade e as taxas de apoptose espontânea e induzida foram estimadas por citometria de fluxo capilar utilizando o sistema Anexina V-PE (Guava Nexin Kit, Guava Technologies, USA). Para tal, a solução de neutrófilos

(106/mL) em RPMI 1640 foi incubada na ausência e presença de camptotecina 10 mM (CAM) (Sigma-Aldrich Co., St. Louis, USA) para a realização da prova induzida. Após incubação por uma hora a 37ºC, com agitação por um minuto (600 rpm) a cada 15 minutos em termociclador microprocessado (Thermomixer, Eppendorf, Mod. Comfort, Hamburg, Germany), a suspensão de células foi aliquotada em 100 μL e acrescida de 100 μL de Anexina V-PE, com posterior incubação por 20 minutos em temperatura ambiente sob proteção da luz. Utilizando-se citômetro de fluxo capilar, os resultados de 10.000 eventos foram analisados em programa computacional específico após a compensação do citômetro para o fluorocromo vermelho para reação positiva de 7-AAD e fluorocromo amarelo para reação positiva da Anexina V. Foi possível quantificar as seguintes populações celulares: células viáveis (anexina V– e 7-AAD–); apoptose inicial (anexina V+ e 7-AAD–) e apoptose final (anexina V+ e 7-AAD+). A taxa de apoptose total foi obtida após soma das populações de células em apoptose inicial e final.

2.6 Análise estatística

Após os estudos das distribuições das variáveis quanto à normalidade e homocedasticidade, foram utilizados os testes de Kruskal-Wallis com pós-teste de Dunn e ANOVA com pós-teste de Tukey para comparar os grupos. As análises estatísticas foram realizadas em programa computacional estatístico (SAS Institute Inc. The SAS System, release 9.2., Cary:NC, 2008), sendo considerado significativo p<0,05.

3 Resultados e Discussão

3.1 A produção de superóxido dos neutrófilos ativados de cães com leishmaniose visceral aumenta independentemente da condição urêmica

Durante o estabelecimento da infecção, a Leishmania spp. é capaz de inibir o metabolismo oxidativo de neutrófilos parasitados com o objetivo de sobreviver no hospedeiro (LAUFS et al., 2002). Já estudos avaliando a produção de superóxido pelo teste de NBT em neutrófilos de cães infectados observaram

aumento do metabolismo oxidativo no estágio inicial da doença (CIARLINI et al., 2010; GÓMEZ-OCHOA et al., 2010). Porém, outros estudos utilizando quimiluminescência observaram uma inibição do metabolismo oxidativo neutrofílico de cães infectados frente a estímulos como o zymosan (BRANDONISIO et al., 1996; VUOTTO et al., 2000) e o PMA (VUOTTO et al., 2000). De forma semelhante a estudos que utilizaram o NBT (CIARLINI et al., 2010; GÓMEZ-OCHOA et al., 2010), no presente estudo observamos que na leishmaniose visceral a produção de superóxido dos neutrófilos na presença de estímulo com PMA está aumentada independentemente do estágio da doença (Tabela 2). Espontaneamente, embora houvesse aumento do metabolismo oxidativo em relação ao grupo controle, não foi observada diferença significativa (Tabela 2).

Existem evidências in vitro de que a uremia decorrente da DRC inibe o metabolismo oxidativo de neutrófilos de cães (BARBOSA et al., 2010), semelhante ao observado in vivo em humanos (COHEN et al., 2011; HIRAYAMA et al., 2001; SARDENBERG et al., 2006). No presente estudo observamos que a uremia (Grupo Urêmico) aumenta o metabolismo oxidativo frente a estímulo com o PMA (Tabela 2), conforme já descrito em felinos (KEEGAN; WEBB, 2010) e em humanos (KLEIN et al., 1999; MCLEISH et al., 1996; WARD; MCLEISH, 1995). Não foi observada diferença quanto à produção espontânea de superóxido do Grupo Urêmico e do Grupo Controle (Tabela 2), o que já foi demonstrado em cães (KRALOVA et al., 2009).

Na presença de estímulo, a condição urêmica aumenta o metabolismo oxidativo da mesma forma que a leishmaniose (Tabela 2). Entretanto, em neutrófilos não ativados existe uma diminuição do metabolismo oxidativo de cães urêmicos sem leishmaniose (Grupo Urêmico) em relação a cães urêmicos com leishmaniose (Grupo Leish IV), evidenciando a tendência de a leishmaniose aumentar o metabolismo oxidativo neutrofílico espontaneamente.

Tabela 2 - Produção de superóxido utilizando a sonda hidroetidina espontânea (NE) e estimulada com

acetato miristato de forbol (PMA), viabilidade e apoptose total de neutrófilos utilizando o sistema anexina V-PE espontâneas (NE) e induzidas com camptotecina (CAM) (média ± desvio padrão) de cães do Grupo Controle, com leishmaniose moderada (Leish II) e muito severa (Leish IV) e de cães urêmicos sem leishmaniose (Grupo Urêmico).

Parâmetro Controle Leish II Leish IV Urêmico

Superóxido NE (fluorescência) 59,93 ± 12,0ab 62,55 ± 22,6a 81,26 ± 39,6a 41,09 ± 10,3b

Superóxido PMA (fluorescência) 149,4 ± 76,2b 412,36 ± 129,2a 409,27 ± 104,8a 449,86 ± 86,6a

Viabilidade NE (%) 98,94 ± 0,15a 98,79 ± 0,27a 98,15 ± 0,74b 98,38 ± 0,36b

Viabilidade CAM (%) 85,51 ± 2,95a 79,57 ± 4,0b 79,49 ± 3,75b 78,38 ± 5,14b

Apoptose total NE (%) 0,23 ± 0,07b 0,22 ± 0,10b 0,51 ± 0,29a 0,46 ± 0,12a

Apoptose total CAM (%) 7,29 ± 2,27b 15,81 ± 4,79a 16,91 ± 3,3a 18,46 ± 4,26a

* A presença de pelo menos uma letra coincidente na mesma linha indica que não há diferença estatística (p>0,05)

Tabela 3 - Marcadores de estresse oxidativo (média ± desvio padrão) de cães do Grupo Controle,

com leishmaniose moderada (Leish II) e muito severa (Leish IV) e de cães urêmicos sem leishmaniose (Grupo Urêmico).

Marcador Controle Leish II Leish IV Urêmico

CAT (mmol/L) 0,96 ± 0,03a 0,48 ± 0,07c 0,62 ± 0,25b 0,63 ± 0,05b

TBARS (µmol/L) 17,8 ± 9,56b 19,76 ± 7,5ab 27,7 ± 12,2a 31,13 ± 15,5a

GSH (nmol/L) 9,73 ± 1,57b 13,34 ± 3,83a 11,6 ± 2,0ab 8,52 ± 1,38b

Ácido úrico (mg/dL) 1,97 ± 0,16a 0,86 ± 0,5b 0,57 ± 0,15b 0,46 ± 0,15b

Albumina (g/L) 31,8 ± 1,6a 20 ± 5,8b 22,3 ± 3,2b 25,3 ± 3,3ab

Bilirrubina (mg/dL) 0,31 ± 0,11a 0,39 ± 0,20a 0,28 ± 0,25a 0,60 ± 0,46a

* A presença de pelo menos uma letra coincidente na mesma linha indica que não há diferença estatística (p>0,05). CAT – Capacidade antioxidante total; TBARS – peroxidação lipídica pelas substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico; GSH – Glutationa total.

O fato de os neutrófilos dos grupos Leish II, Leish IV e Grupo Urêmico aumentarem significativamente a produção de superóxido frente ao estímulo com PMA (Tabela 2), um potente ativador neutrofílico (EL-BENNA et al., 2008), sugere uma prévia sensibilização dessas células. Os neutrófilos quiescentes se tornam

primed na presença de um estímulo inicial e completamente ativados após um segundo estímulo, produzindo superóxido de forma mais intensa (SWAIN et al., 2002). O estado primed pode ser causado por quadros infecciosos (ANWAR; WHYTE, 2007), como o da leishmaniose, e/ou presença de toxinas urêmicas (KLEIN et al., 1999; MCLEISH et al., 1996).

Em estudos humanos, já se sabe que os neutrófilos primed produzem discretamente, porém significativamente, mais superóxido ao longo do tempo que neutrófilos quiescentes (MAZOR et al., 2008). No presente estudo, a análise do metabolismo oxidativo foi pontual, impossibilitando a avaliação da produção de superóxido ao longo do tempo, entretanto foi possível evidenciar o estado primed dos neutrófilos quando um potente ativador neutrofílico como o PMA foi adicionado às células. Uma contínua e maior produção de superóxido durante toda a sobrevida da célula primed pode predispor ao estresse oxidativo, conforme já demonstrado em humanos (MAZOR et al., 2008).

3.2. Cães com leishmaniose sofrem estresse oxidativo independente do estágio da doença

O estresse oxidativo em cães com leishmaniose visceral foi muito pouco investigado. Sem considerar o estágio da doença, Bildik et al. (2004) e Heidarpour et al. (2012) constataram estresse oxidativo em cães com leishmaniose visceral devido à redução da CAT e albumina plasmática, promovendo aumento da peroxidação lipídica. De forma semelhante, no presente estudo foi observado que cães com leishmaniose visceral sofrem estresse oxidativo por redução da CAT em ambos os estágios da doença, porém de forma mais intensa na fase moderada da doença (Grupo Leish II) (Tabela 3). Em estágios mais avançados da doença, quando a DRC está presente, o aumento da peroxidação lipídica plasmática foi mais significativo (Tabela 3).

Os teores plasmáticos de albumina e ácido úrico, substratos plasmáticos com capacidade antioxidante, também diminuem em ambos os estágios da leishmaniose visceral canina. Não há diferença quanto aos teores de bilirrubina (Tabela 3).

A glutationa é um substrato com capacidade antioxidante preventiva (WAYNER et al., 1987). Estudos avaliando GSH na leishmaniose visceral apresentam resultados contraditórios, alguns observaram aumento em hamsters (SEN et al., 2001) enquanto outros não observaram diferença em cães (BILDIK et al., 2004). No presente estudo, foi observado que os teores de glutationa

dependem do estágio da doença, aumentando no estágio moderado e não se alterando no estágio muito severo (Tabela 3). Uma vez que cães do Grupo Leish II apresentaram os maiores teores de GSH e a menor CAT (Tabela 3), é plausível supor que devido ao estresse oxidativo mais evidenciado nesse grupo, houvesse uma maior demanda e maior produção de GSH na tentativa de impedir os danos da oxidação tecidual.

3.3 A uremia causa estresse oxidativo e maior peroxidação lipídica

Em humanos, o estresse oxidativo decorrente da uremia é a causa de diversos processos patológicos (KOTUR-STEVULJEVIĆ et al., 2012; JOHNSON-

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