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3 EL ESCRITOR Y EL OTRO: PERFORMANCE AUTOR-

3.2 O LEITOR E SEU NASCIMENTO

Há um momento no livro de Liscano que ao leitor é transferida não a responsabilidade de desenredar a história, mas a de visualizar aquilo que é construído com a própria escritura e que se justifica por ela mesma. Assim é pensado pelo narrador:

A partir de ese texto el escritor dibuja los caminos que subyacen a la historia, señala posibilidades que desechó, muestra sus dudas, establece vínculos con otras obras. Debajo del campo de la historia ya dicha, el lector oye la voz entrecortada del escritor. El diálogo entre esa voz y el lector transforma la historia en pretexto para reflexionar sobre el arte de contar. El lector no tiene por qué seguir lo que dice la voz o no tiene por qué

hacerlo todo el tiempo. Puede fijar su atención en la historia que le cuentan y evitar la voz que subyace en la página. Pero otro día, o con otro lector, el diálogo se establece. De ese modo el lector deja de ser pasivo, siente que de verdad le cuentan cómo son las cosas. (LISCANO, 2007a, p. 75).

Como refere Barthes (2004c) a escritura é múltipla, está composta por vários discursos que se entrecruzam, formam uma tela de falas, mas que não está para ser “decifrada”, já que está eximida de sentido sistemático. No entanto, é no leitor que esta multiplicidade é recolhida, não no autor. Portanto, aquela suposta voz demiúrgica da origem da escritura não é, para Barthes, o lugar autêntico da literatura, senão naquele que é seu destino, na ambiguidade intrínseca ao tecido textual:

[...] o leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade do texto não está em sua origem, mas no seu destino, mas esse destino já não pode ser pessoal: o leitor é um homem sem história, sem biografia, sem psicologia; ele é apenas esse alguém que mantém reunidos em um mesmo campo todos os traços de que é constituído o escrito. (BARTHES, 2004c, p. 64).

Assim o texto se recria com certa unidade no leitor, que dá sentido ao conjunto de signos ao organizá-los como leitura. Giorgio Agamben (2007), em “O autor como gesto”, vai mais longe na subjetivação da relação autor e leitor no seu vínculo de inexpressão com o texto. Para ele os dois se põem em jogo no texto e ao mesmo tempo fogem disso:

O autor não é mais que a testemunha, o fiador da própria falta na obra em que foi jogado; e o leitor não pode deixar de soletrar o testemunho, não pode, por sua vez, deixar de transformar-se em fiador do próprio inexausto ato de jogar de não se ser suficiente [...] (AGAMBEN, 2007, p. 63). Já Jitrik (2010) reconhece que a leitura inunda a escrita e a faz desaparecer como instância, porém a leitura não compromete o momento prévio a ela, a escrita. Portanto não teríamos que confundir

estes momentos de textualidade que são diferentes. Escreve o crítico argentino:

Por lo tanto, y para recuperar lo que sería propio de la escritura, tendremos que aislar ambos momentos y evitar confundirlos, operación que desafía opiniones muy difundidas acerca del lugar en el que deben ser situados los textos para determinar no sólo su valor sino aun su existencia: no carecen de vehemencia opiniones acerca de que es en realidad el lector quien crea el texto. Va de suyo que pensamos lo contrario y que lo hemos sostenido de esta forma: no existe el lector sino el texto, que es quien crea el lector. (JITRIK, 2010, p. 20).

Por isso propõe Jitrik que não se atribua à leitura uma produtividade que exceda a sua esfera, e nem ao “leitor”, pois esta figura é “[...] invocada hasta el cansancio por una crítica literaria que, sin saberlo, ha hecho desaparecer la instancia básica de producción y, de paso, a su agente, el escritor.” (JITRIK, 2010, p. 20).

Ainda que Jitrik aqui pareça andar na contramão do que dizem, por exemplo, Barthes e Agamben, sobre o valor do leitor como aquele que dá sentido ao texto, mostra-se numa posição importante para que reflitamos sobre alguns pontos de El escritor y el otro. O próprio título do livro já nos remete a um possível leitor associado ao ato da escrita, já que se dão ou quase se dão como ações simultâneas, a escrita e a leitura. Recordemos que De Man (1991) tratou a autobiografia como figura de leitura, e o momento autobiográfico como “alinhamento entre os dois sujeitos no processo de leitura”. No entanto, talvez possamos reavaliar o que diz Jitrik se pensarmos no que também escreve De Man ao contrapor-se ao pacto de Lejeune, ou seja, que não devemos converter o leitor “en juez, en poder policial encargado de verificar la ‘autenticidad’ de la firma y la consistencia del comportamiento del firmante, el punto hasta el que respeta o deja de respetar el acuerdo contractual que ha firmado” (DE MAN, 1991, p. 114). Nisso De Man, como Jitrik, não deseja também atribuir à leitura uma instância que não lhe corresponda, porém, deixa claro que o problema não reside na leitura em si, senão na questão cognoscitiva da fundamentação teórica à qual está se opondo (e por consequência das questões de assinatura e contrato).

Além disso, podemos pensar na citação e na autocitação como processos de escrita e leitura coincidentes. É o que refere Miranda (1992) ao ler Silviano Santiago. Diz que “a menção reiterada do texto a

outros textos através dos recursos apropriativos da citação concorre para o esfacelamento da exclusividade de um centro gerador de discurso, ou melhor, da noção de individualidade autoral” (p. 59). No entanto, tal postura poderia, contraditoriamente, afirmar a mesma noção de individualidade pela própria autoleitura que exige a leitura do texto alheio e que, no caso de Santiago, poderia intensificar-se pelas reflexões e comentários críticos dele ao texto lido e usado, por vezes, como pré ou posfácios. Porém, Miranda julga que tais intervenções “[...] funcionam como suplemento irônico que aguça a atenção do leitor para a ambiguidade e a complexidade da prática escritural, cujo fundamento reside no confronto incessante entre verdade e ilusão, vida e obra, sujeito e discurso.” (p. 59). Portanto, a contradição se mostra aparente e não tem o objetivo de cercear a circulação independente do texto original.

Liscano diz: “[...] uno escribe lo que le gustaría leer, yo siempre soy el primer lector de lo que escribo, entonces si me gusta leer esto me gusta este tipo de escritura [...]” (LISCANO, 2010c, s/p.). Não pensa escrever para um leitor ingênuo, seu alvo parece ser o leitor que conhece suas “jogadas” anteriores, que se dá conta do jogo da invenção. Portanto, sua produção não está isenta do permanente pensar na leitura, “sua” leitura, leitura do “outro”, enquanto escreve. Seguramente esse é um dos motivos pelo qual se refere em seu último livro ao “leitor salteado” de Macedonio Fernandez.11 Macedonio, na série de “prólogos” de sua “Primera novela buena”, dialoga como o leitor salteado em forma jocosa (mas séria), e assim discute a arte do saltear, sobre a obra salteada, sobre o autor salteado:

No te pido, lector salteado – inconfeso de leer del todo y que no dejarás de leer toda mi novela, con lo que la numeración de páginas vana para ti habrá sido desatada en vano por ti, pues en la obra en que el lector será por fin leído, Biografía del

11 Entrevistamos Liscano em seu escritório na Biblioteca Nacional do Uruguai no final de 2010, que nos revelou recém haver terminado de escrever uma espécie de continuação de El escritor y el otro intitulado, originalmente, Vida del Cuervo Blanco. Posteriormente, confiou-nos (à minha orientadora Liliana Reales e a mim), como leitores privilegiados, os originais do livro em espanhol. O mesmo foi publicado primeiramente em francês com o título Le lector inconstant suivi de Vie du Corbeau Blanc em fins de 2011, e o tivemos em mãos, enviado pelo próprio escritor, enquanto escrevíamos esta dissertação. Até o momento o livro não foi publicado em espanhol.

lector, sábese que se dirá lo que, desconcertante, le ocurrió al salteado con un libro tan zanjeado que no hubo recurso sino leerlo seguido para mantener desunida la lectura, pues la obra salteada antes – , disculpa por presentarte un libro inseguido que como tal es una interrupción para ti que te interrumpes solo y tan incómodo estás con el trastorno traídote por mis prólogos en que el autor salteado te hacía figurarte y soñar sobresaltado que eras lector continuo hasta dudar de la inveterada identidad del yo salteante. (FERNÁNDEZ, 2010, p.30).

O narrador de Liscano se confessa um leitor salteado, por isso escreve histórias inconexas a um leitor que possa descobrir sua conexão, como Macedonio Fernández quando este, por exemplo, escreve:

Al lector salteado me acojo12. He aquí que leíste toda mi novela sin saberlo, te tornaste lector seguido e insabido al contártelo todo dispersamente y antes de la novela [...]

Te dedico mi novela, Lector Salteado; me agradecerás una sensación nueva: el leer seguido. Al contrario, el lector seguido tendrá la sensación de una nueva manera de saltear: la de seguir al autor que salta. (FERNÁNDEZ, 2010, p. 130). Em nosso objeto de estudos o outro do livro bem pode ser o leitor adjunto ao ato da escrita e, portanto, partícipe na produção do texto. Esse outro, assim sendo, pode tanto figurar o escritor como o leitor. Em A orelha do outro, Derrida (1988) afirma que o assinante do texto autobiográfico é seu mesmo destinatário, a assinatura não ocorreria no momento da escrita, mas no momento que o outro o escuta, a orelha do outro se constitui no “eu autobiográfico”.