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A realidade brasileira marca a necessidade de se insistir na qualificação da ação pedagógica dos professores do primeiro segmento do ensino fundamental, bem como a necessidade de uma política de formação de leitores. Nesse sentido, há que se ressaltar o significado das políticas de leitura como caminhos fundamentais para a consolidação das aprendizagens do ler e do escrever.

A diminuição da carência em língua portuguesa e matemática passa por uma atenção maior da escola no incentivo à leitura. Ou seja, aprender a ler, a escrever e a usar com competência as operações matemáticas básicas, a partir de textos atraentes e de real significado para o aluno. É a leitura como ponto chave na construção do conhecimento nas salas de alfabetização de crianças, jovens e adultos de todas as idades.

No programa com o tema “Ler e escrever: compromisso da escola”, do programa Salto para o Futuro, apresentado de 12 a 16 de agosto de 2002, destacou- se que o ensinar a ler e a escrever se constitui em tarefa da escola. Trata-se de um desafio indispensável para todas as áreas/disciplinas escolares. Isto porque o ler e o escrever são os meios básicos para o desenvolvimento da capacidade de aprender, constituindo-se em competências para a formação do estudante, responsabilidade maior da escola.

Como a leitura e a escrita são competências não apenas de uso, mas igualmente de compreensão da vida em sociedade, a responsabilidade da escola está em a partir da ênfase na leitura intensificar o aprendizado da escrita, valorizando esse conhecimento a partir de contribuições que o aluno traz do contato diário com a realidade em que está inserido.

A experiência do professor em sala de aula mostra que o processo de aquisição da escrita é o mesmo para a criança e o adulto. Portanto, durante o seu percurso de vida, a pessoa enfrenta o desafio de aprender para crescer como cidadão do mundo. E para orientar-se nessa direção a leitura surge como a base para a boa escrita. Segundo Barreto (2005), não só se deve ler para escrever algo, mas para enriquecer-se culturalmente. Para tanto, ela aconselha:

[...] O melhor estímulo para a reflexão é a leitura, é ler o que os outros já escreveram a respeito do que leram de outros e assim sucessivamente, pois a escrita está impregnada de outras escritas, ou seja, a leitura é diálogo direto ou indireto com outras leituras. A leitura é um diálogo velado com o outro.

Pode-se, então, perceber a importância de se discutir o mundo pelos infinitos caminhos da leitura. Andreoli (2002) compreende a leitura como uma conquista que “nos provoca, nos instiga, nos faz pensar e agir, contra ou a favor daquilo que lemos. Acreditando que o desafio de ler o mundo é algo que pode ser aprendido, um hábito a ser adquirido, e que permeia nossas relações, ela diz que: “um jornal, um outdoor, uma revista, um folheto de informações... Tudo é parte de um mundo que se apresenta pela escrita, e que se revela a nós pela leitura, de diferentes formas”.

O que se procura hoje é ter como referência a dimensão que a leitura pode ganhar no cotidiano da escola. Na sala de aula, o aprender a ler e a escrever tem que ser sinônimo de prazer que se intensifica em cada momento de leitura. Ainda mais quando pesquisas apontam a precariedade da educação no país e, principalmente o pouco interesse dos brasileiros adultos pela leitura. A Câmara Brasileira do Livro (CBL) divulgou em 2 de junho de 2004, que 61% desses brasileiros adultos alfabetizados têm pouco ou nenhum contato com os livros. Nessa pesquisa chamada “Retrato da Leitura no Brasil”, entre as 17 milhões de pessoas que afirmaram não gostar de ler livros, 11,5 milhões têm até oito anos de estudos.

O déficit da leitura pode ser avaliado a partir de dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) que revelam que cerca de 1,3 mil municípios brasileiros das regiões mais pobres (são 5.560 municípios no país) não possuem uma biblioteca pública e que 89% das cidades brasileiras não têm sequer uma livraria. No Brasil, existem apenas 1,5 mil livrarias, sendo que o ideal seria pelo

menos 10 mil. O incentivo à leitura ganha força e deve ter real caminho na escola, especialmente nas públicas, onde está a maioria dos brasileiros mais pobres.

A falta de leitura no âmbito escolar vem transformando o próprio ato de ler num processo de não leitura, contribuindo, conseqüentemente, para a formação do não leitor, segundo Silva (2001, p. 92). Lamentando o fato da leitura ser pouco estimulada, tanto no ensino fundamental como também em alguns segmentos da educação, a autora salienta que “[...] o contato com o livro, que deveria representar uma porta aberta para o mundo, converte-se numa experiência limitada, não prazerosa, contrariando desta forma o princípio da leitura como fonte de prazer e saber” (p. 92)

Considerando o fato de que a leitura prazerosa é a fonte que alimenta outras buscas, alfabetizar sem material de leitura é dar o superficial que acaba se perdendo após tanto esforço para aprender. Aqui, vale assinalar a contribuição do texto “País paga alfabetização, mas ignora resultado” (Folha de S. Paulo, 6 de setembro de 2004), que registra que o Brasil paga a alfabetização, mas ignora os resultados da leitura. Para exemplificar a extensão da perda, o texto aponta que a palavra leitura, como tantas outras, é apenas um amontoado de letras sem sentido para 15% dos alunos que concluem o curso da Alfabetização Solidária, a principal parceira do governo federal, no mutirão que pretende reduzir o número de analfabetos no país.

Simka (2005, p.50) escreve que “[...] a leitura para centenas de pessoas se constituiu algo ausente, como um prato de comida”. Essa imagem sugere e já está sendo difundida por escritores brasileiros, como Ziraldo Alves Pinto, também artista plástico, que considera que o livro deve fazer parte da cesta básica. No momento da alfabetização de jovens, adultos e idosos, os professores devem apresentar o livro, a revista, o jornal e outros textos, sempre avaliando a sua qualidade, para que

esses alunos entendam que saber ler é saber interpretar mais do que palavras, mas o mundo e o seu imenso potencial de leitura.

Para Govoni (1980, p. 66), um adulto que aprende a ler e a escrever não é mais o mesmo após essa experiência. O autor considera que essa mudança “não é tanto porque se lhe descortina um mundo de mensagens e idéias escondidas nas palavras que vai decifrar, mas sobretudo porque sua alfabetização visa iniciá-lo na problemática da vida comunitária e nas soluções políticas, que o afetam” (p.66).

Nesse aspecto, o importante está no estímulo à leitura para marcar a qualidade do aprendizado do ler e do escrever. A formação de professores mediadores de leitura apresenta-se como um bom caminho, porque, hoje, a ausência de uma biblioteca na escola, às vezes, inibe esse trabalho necessário da promoção da leitura entre os alunos. Dados do Censo escolar de 2004, registram que 47,8% dos alunos matriculados no ensino básico e profissional não têm bibliotecas na escola. Duzentas e quatorze mil escolas responderam o questionário socioeconômico, sendo que 56.698 (26,4%) afirmaram possuir biblioteca, 35,1% (privadas) e 64,9% (públicas).

A visão da realidade, da ainda pobre situação da educação no país, força a urgente mudança de rumos em todos o níveis do ensino. Para o ensino fundamental, o acesso aos livros e a outros essenciais caminhos de leitura torna-se uma necessidade, exigindo a presença de professores que estimulem a leitura, tornando- a uma ferramenta de transformação do cidadão. Do Instituto Ação Educativa e coordenadora do trabalho de pesquisa sobre a performance dos brasileiros na leitura transformado no livro “Letramento no Brasil” (Lançado em 2003 no 14º Congresso de Leitura – Cole, realizado na Universidade de Campinas – Unicamp), Vera Masagão Ribeiro considera que o tempo de escolaridade preconizado pela Unesco,

de quatro anos, como indicador do chamado alfabetismo funcional, precisa ser revisto.

A educadora diz que “o aluno para se tornar um leitor de textos básicos do cotidiano, e incorporar isso às suas práticas sociais, necessita pelo menos de oito anos de escolaridade básica. Ela reconhece que a tarefa é difícil diante da pesquisa da Ação Educativa/Ibope (2003) que revela que 50% dos brasileiros não têm sequer o ensino fundamental. Dado que há uma forte correlação entre escolarização e habilidade de leitura, os esforços de agora, que deveriam ter sido de ontem, são vitais para a transformação e a instituição da qualidade efetiva da educação do país. Quando o hábito da leitura ganha ênfase no ensino fundamental (e até antes), esse convívio surge como um incentivo para a continuidade desse envolvimento em todos os outros níveis de escolaridade. Para Rocco (1989, p.126), o fundamental é que se instaure o desejo e que a leitura, não se configurando como normalmente ocorre, em amargo dever, se institua como um direito infinito do leitor”. O acesso crítico ao texto escrito passa necessariamente pela qualidade da leitura, ou seja, do diálogo que o leitor mantém com cada um dos textos que escolhe ou precisa ler.

Com uma profunda e justificada presença nos espaços da alfabetização de jovens e adultos, Paulo Reglus Neves Freire, ou simplesmente Paulo Freire, que, exerce grande influência sobre o pensamento da educação brasileira e também do mundo, registrou que:

Toda leitura da palavra pressupõe uma leitura anterior do mundo, e toda leitura da palavra implica a volta sobre a leitura do mundo, de tal maneira que “ler o mundo” e “Ler palavra” se constituem um movimento em que não há ruptura, em que você vai e volta. E “ler mundo” e “ler palavra”, no fundo para mim, implica “reescrever” o mundo – reescrever com aspas, quer dizer transformá-lo. A leitura da palavra deve ser inserida na compreensão da

transformação do mundo, que provoca a leitura dele e deve remeter-nos, sempre à leitura de novo do mundo. (1986, p. 15).

Quando milhões de brasileiros jovens e adultos, guiados por um sonho, se integram, cada vez mais, às classes de alfabetização, torna-se importante um ponto de observação sobre os caminhos da contribuição de Paulo Freire, que desde sua adolescência esteve ligado à formação de jovens e adultos. Ele que compreendeu e formulou um método de alfabetização, na busca de determinar uma modificação no relacionamento do alfabetizado com a realidade da sociedade (meio) em que vive.