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LEITURA: CONCEPÇÃO E ENSINO-APRENDIZAGEM

2.7. LEITURA E LETRAMENTO.

Há uma íntima relação, como podemos perceber, entre as teorias aqui expostas e aquelas referentes ao processo de letramento. Refletindo um pouco mais sobre o objeto de estudo deste projeto de pesquisa, é possível perceber que se trata de um estudo de letramento, uma vez que a leitura está sendo estudada em seu caráter social, relacionado ao seu uso e ao seu ensino-aprendizagem.

Há, no processo de formação inicial do professor de português, pelo menos três conjuntos de ações de leitura: as compulsórias (próprias da formação em Letras); as decorrentes do processo formativo (resultado das provocações dos professores formadores – sugestões de leitura) e as autônomas (aquilo que o aluno lê espontaneamente). Estes três conjuntos constituem o repertório de leitura (gêneros textuais da modalidade escrita) do aluno em formação e revelam a relação deste aluno com o universo da leitura (suas crenças, portanto), ou seja, constituem o letramento deste futuro professor em processo de formação inicial.

O termo letramento não é novo, mas ainda é um conceito em processo de consolidação, havendo, exatamente por isso, uma gama de definições possíveis, ou como afirma Thomas (2005, p. 21), “uma multiplicidade de níveis e significados”. Gostaria de apresentar algumas dessas definições, ou significados e seus respectivos autores, sem, entretanto, discuti-los a fundo, posto que não é este o objetivo deste trabalho.

Sendo assim:

AUTOR DEFINIÇÕES DE LETRAMENTO

Rojo (2009, p. 10) Letramento é “um conjunto muito diversificado de práticas sociais situadas que envolvem sistemas de signos, como a escrita ou outras modalidades de linguagem, para gerar sentidos”

Cavalcanti (2003, p. 107) Letramento é “um conjunto plural de práticas sociais que envolvem modos de falar, interagir, pensar, avaliar e acreditar”.

Kleiman (2003, p. 19) Trata-se de “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”.

Signorini (2001, p. 8/9) Letramento é visto “enquanto conjunto de práticas de comunicação social relacionadas ao uso de materiais escritos, e que envolvem ações de natureza não só física, mental e linguístico-discursiva, como também social e político-ideológica”.

Signorini (2001, p. 124) Letramento é o “conjunto de ações e atividades orientadas para a interação social, que envolvem o uso da leitura e da escrita e que integram a dinâmica da vida cotidiana dos indivíduos e dos grupos de uma dada comunidade, ou de diferentes comunidades”.

Soares (1998, p. 47) “Estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita”.

Tfouni (1995, p. 09) Letramento “focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita...”.

escrita que as pessoas dominam mesmo sem saber ler e escrever, que é adquirido desde que estas estejam inseridas em uma sociedade letrada”.

Matêncio (2002, p. 44) Letramento são todas “as interações que se constituem por meio da palavra escrita”.

Costa (2000,p. 15) Letramento ligado à “concepção paulofreiriana ampla de alfabetização (Freire, 1966/1980): desenvolvimento de uma consciência crítica e reflexiva de sujeito, para que ele possa ter acesso à cultura e se liberte como cidadão. Portanto um processo (ou uma prática) social/coletivo de democratização do saber”.

Barton (1994, p. 19) Letramento visto como “visões mais abrangentes de leitura e de escrita, e que, como tal, é aplicado em diversas disciplinas e em frases como: letramento emergente, usadas em educação”.

Quadro 02 – Definições do termo letramento.

O que se observa de comum em todas as definições é a presença da língua escrita em práticas sociais. O letramento ultrapassa o conhecimento dos mecanismos de leitura e escrita (grafia, writing para GNERRE 2003; escrito para Rojo, 2001) e atinge a instância do social, do uso efetivo e funcional da escrita (cf. TFOUNI, 1995).

Entendo letramento, com base nas definições acima expostas e na contribuição de Bazerman (2005), como a interação social que se dá por meio da apropriação dos usos, funções e aspectos dos mais variados conjuntos e sistemas

de gêneros5 escritos que constituem a comunicação cotidiana do sujeito, seja ela formal ou informal, íntima ou coletiva, pessoal ou profissional, técnica ou artística. Letrar-se é, portanto, ser capaz de fazer uso genuíno, significativo e eficaz da língua escrita na vida – é tornar-se autor e gestor de sentidos construídos para os inúmeros textos que nos cercam e que garantem a interação humana.

Os conceitos de letramento expostos no quadro acima aproximam leitura e escrita, ao tratar ambas como práticas sociais envolvendo a língua escrita. A leitura, embora mantenha inegável relação com a escrita, dela se distancia quando pensamos nos processos e nos caminhos envolvidos em sua produção, uso e função. Para Fischer (2006, p. 08):

Apesar de a leitura e a escrita estarem plenamente relacionadas, a leitura é, na verdade, a antítese da escrita. Na realidade, cada uma ativa regiões distintas do cérebro. A escrita é uma habilidade, a leitura, uma aptidão natural. A escrita originou-se de uma elaboração; a leitura desenvolveu-se com a compreensão mais profunda pela humanidade dos recursos latentes da palavra escrita. A história da escrita foi marcada por uma série de influência e refinamentos, ao passo que a história da leitura envolveu estágios sucessivos de amadurecimento social. Escrita é expressão, leitura é impressão. A escrita é pública; a leitura, privada. A escrita é limitada; a leitura, infinita. A escrita congela o momento. A leitura é para sempre.

Quando o autor fala que a leitura é natural, percebo uma concepção de leitura muito próxima daquelas de letramento, ou seja, uma concepção que ultrapassa os

5  CONJUNTO DE GÊNEROS – gêneros textuais que circulam em determinada esfera social;

 SISTEMA DE GÊNEROS – diversos conjuntos de gêneros utilizados por pessoas que interagem de forma organizada e também as relações padronizadas que se estabelecem na produção, circulação e uso desses gêneros.

limites do código, uma leitura ampla, expansiva. Aproxima-se da concepção de leitura de Paulo Freire (2011), aquela que antecede a palavra e ao mesmo tempo a extrapola.

Ambas, leitura e escrita, entretanto, são ações sociais e comunicativas, isto é, são ações por meio das quais o homem interage consigo, com o outro e com o mundo.

Kleiman (2001) fez um estudo sobre o letramento da professora alfabetizadora (a autora prefere o feminino) amplamente presente na mídia. Seu estudo revelou uma imagem distorcida da professora em relação à sua competência leitora. Ao defender a ideia de que a professora não é iletrada como sugerem os meios de comunicação de massa, a autora perpassa, ainda que não use a mesma terminologia, a ideia de Bazerman (2005) sobre conjuntos e sistemas de gêneros, uma vez que ela afirma que:

A questão do letramento da professora deveria ser analisada da perspectiva de práticas contextualmente situadas, própria dos estudos do letramento, ou seja, a partir da perspectiva das práticas de leitura e de escrita para o trabalho e no contexto do trabalho, levando em consideração, portanto, as exigências e capacidades de comunicação efetivamente requeridas para ensinar. (KLEIMAN 2001, p. 43)

É possível perceber que o que Kleiman está afirmando é que o letramento da professora tem relação direta com os conjuntos e sistemas de gêneros que ela, efetivamente, precisa acionar no exercício de suas funções.

Refletindo sobre a ideia de conjunto e sistemas de gêneros (BAZERMAN, 2005) e sobre o processo de ensino-aprendizagem, bem como encaminhando este capítulo para sua conclusão, é possível afirmar que o objetivo do ensino de português na escola deveria ser habilitar o aluno a circular no maior número possível de conjuntos e sistemas de gêneros existentes, de forma oral e escrita, produzindo e lendo textos com competência, autonomia e criticidade.

Este capítulo buscou discutir questões relacionadas à leitura e ao seu processo de ensino-aprendizagem, destacando alguns aspectos, tais como: definição do conceito de leitura; a leitura na escola; o processo de autoria, presente não só em quem escreve um texto, mas também no sujeito que lê; as questões do gênero e do letramento.

Merece destaque a percepção de que o aluno de Letras, futuro professor de português é um sujeito com uma vasta experiência sobre ensino de português, advindas de sua escolarização. Estas experiências, ou melhor, a interpretação subjetiva dessas experiências forma uma espécie de conhecimento não sistematizado, aprendido ou ensinado. Um conhecimento não técnico ou científico, mas extremamente importante na tomada de decisões como profissional, nas escolhas didáticas do professor e em todo o seu fazer docente. Este conhecimento de que falo são as crenças, assunto a ser tratado no próximo capítulo.

CAPÍTULO 3