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TURNOS DIÁLOGOS: 1º HORÁRIO COLETIVO

4.1.3 A leitura de jornal na sala de aula

Uma semana após o encontro de formação contínua no HC da escola, no qual ficou definido o trabalho com a leitura compartilhada na sala de aula, a professora P3 planejou o trabalho com seus alunos do quarto ano PIC42 do EFI. Essa turma, caracterizou-se pelo número inferior de alunos, em relação às demais classes da escola. De acordo com a CP,

isso ocorreu, em virtude de que esses alunos apresentavam, no início do ano, defasagem na aprendizagem de diferentes conteúdos, entre eles, a leitura. O currículo desenvolvido com essa classe é diferenciado em diversos aspectos, pois, conforme constou, vários alunos somente aprenderam a ler no final do terceiro ano.

Para o trabalho em sala de aula, a P3 organizou as cadeiras e mesas da sala em fileiras e os alunos ficaram sentados, prestando atenção à aula. A professora P3 levou para a sala de aula diferentes jornais, tais como, Jornal da Tarde, O Retrato, Gazeta do Tatuapé e organizou-os sobre sua mesa a fim de fazer a leitura compartilhada.

A pesquisadora limitou-se a filmar a aula. O objetivo, nesse momento, foi coletar dados, para analisar os desdobramentos (na sala de aula) do trabalho de formação contínua oferecido no HC.

A P3 apresentou os jornais aos alunos. Sentada em sua cadeira e ergueu os jornais sobre a sua mesa, um de cada vez, de frente para a sua turma, apontando no jornal as informações que desejava que os alunos aprendessem.

O diálogo a seguir (anexo 2 – 1ª sala de aula) revela o que aconteceu na aula da P3, durante a leitura compartilhada que planejou.

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P3: (sentada à mesa com os jornais, pega o jornal ‘O Retrato’, levanta-o e mostra aos alunos, dizendo:) “o que é esse aqui?” Pedido de esclarecimento Mecanismo de interrogação Mecanismo nominal introdutótio do tópico jornal Mecanismo de conexão de exemplificação 63 Alunos: jornal! (todos falam

juntos, em coro)

Esclarecimento Mecanismo nominal de retomada

64 P3: Que jornal que é esse?

Pedido de esclarecimento Mecanismo de interrogação Mecanismos nominais de retomada

65 Alunos: o Retrato. Esclarecimento Mecanismo nominal de retomada

66 P3: outro aqui que eu trouxe

pra vocês, é a Gazeta do?

Pedido de

esclarecimento

Mecanismos nominais de retomada

Mecanismo de conexão de exemplificação

Mecanismo de

distribuição de vozes em 1ª pessoa do singular para assumir a ação de trazer o jornal

Mecanismo verbal de processo material Mecanismo de distribuição de vozes em 2ª pessoa para implicar os demais participantes

67 Alunos: Tatuapé. Esclarecimento Mecanismo nominal de retomada

68 P3: Gazeta do? Repetição do pedido de esclarecimento anteior

Mecanismo nominal de retomada

69 Alunos: Tatuapé. Repetição do

esclarecimento anterior

Mecanismo nominal de retomada

70 P3: e o que vai ter dentro desse jornal aqui?

Pedido de esclarecimento Mecanismo de interrogação Mecanismo verbal de processo existencial Mecanismos de conexão de exemplificação Mecanismo nominal de retomada

71 Alunos: Tudo. Esclarecimento genérico Mecanismo nominal de retomada

72 P3: tudo sobre o quê?

Pedido de esclarecimento com detalhamento da resposta esperada Mecanismo nominal de retomada Mecanismo de interrogação 73 Alunos: Tudo sobre.... Espelhamento

incompleto

Mecanismo nominal de retomada

74 P3: Tudo o que está acontecendo no Ta? Pedido de esclarecimento com acréscimo do detalhamento da resposta esperada Mecanismo nominal de retomada Mecanismo de interrogação Mecanismo verbal de

processo material

75 Alunos: Tuapé, tudo sobre o Tatuapé.

Esclarecimento simples Mecanismos nominais de retomada 76 P3: Tudo bem? Pedido de esclarecimento Mecanismo conversacional de interrogação

77 Alunos: tudo. Esclarecimento genérico Mecanismos nominais de retomada

78

P3: então aqui está, a Folha (Folha de São Paulo) novamente eu trouxe a Folha.

Depois eu vou dar um pra

cada um. Depois, pra gente

estudar mais e o ‘Retrato’, que eu consegui pegar. E tem mais um, da Gazeta do Tatuapé. Tá bom? Pedido de esclarecimento com detalhamento da resposta esperada Mecanismo conversacional de complementação Mecanismo de conexão de exemplificação Mecanismos nominais de retomada Mecanismo de conexão de tempo Mecanismo de distribuição de vozes em 1ª pessoa do singular para marcar a ação que a professora vai realizar

Mecanismos verbais de processo material (vou dar, consegui pegar) Mecanismo verbal de processo mental (estudar) Mecanismos de distribuição de vozes em 2ª pessoa e 1ª pessoa para implicar os alunos Mecanismo verbal de processo existencial (tem) Mecanismos de valoração apreciativa Mecanismo conversacional de

interrogação

79 P3: e depois vai ter muito

mais e, por hoje é isso!

Mecanismos de conexão de tempo Mecanismo verbal de processo existencial Mecanismo de valoração apreciativa

Durante a aula, a professora P3 revela uma preocupação em apresentar os jornais aos alunos. Ela realiza várias perguntas do tipo: “o que é esse aqui?”. Os alunos prontamente respondem “o jornal”, demostrando conhecer o que a professora queria saber. Um indicativo de ausência de desafios da atividade.

Em outro momento, a P3, apontando para o nome do jornal, pergunta “outro aqui que eu trouxe pra vocês, é a Gazeta do?” e os alunos respondem “Tatuapé”, enfim, as respostas rápidas, unânimes e corretas da turma do quarto ano mostram que aquela atividade está fácil, que eles já sabem ler o que a professora apontou para ser lido.

Ao perguntar aos alunos “e o que vai ter dentro desse jornal aqui?”, eles respondem tudo”. O uso do pronome indefinido “tudo” não estabelece o que deve ter em um jornal. Quando os alunos dizem tudo, a professora poderia perguntar se “tudo” não é muita coisa? O que geralmente há em um jornal? Porque, provavelmente, os alunos já devem ter algumas noções sobre isso. A pergunta da professora é tão generalizante quanto a resposta dos alunos: “tudo o que está acontecendo no Ta?”/ “tudo sobre o Tatuapé”. Será que em um jornal escolar cabe tudo o que está acontecendo em um bairro da cidade? Evidencia-se, nesse tipo de pergunta, a concepção de leitura que comporta uma única interpretação, para a professora.

A aula segue com a professora P3 indicando os nomes de cada jornal e fazendo perguntas sobre o que teria neles, mas, conserva-os sobre a sua mesa, em seu poder. Possivelmente, parte da ideia de que os alunos precisam que lhe digam os nomes dos jornais, antes que possam efetivamente lê-los com mais autonomia.

A concepção inicialmente apresentada pela P3, nessa aula, indica que os alunos precisam de uma apresentação formal e didática para que possam, depois, realizar a leitura de jornal com alguma autonomia na sala de aula. Isto é, a leitura autônoma dos alunos

somente pode acontecer no momento em que a professora decide que eles estão preparados para ler e, por isso, os autoriza a ler.

Enfim, tanto no primeiro HC filmado, como nessa aula, a minha intenção como pesquisadora não era intervir em nenhum momento, mas sim conhecer o trabalho realizado na escola e, a partir disso, estudar as formas de produção de dados e a minha participação, com possíveis intervenções ao longo da pesquisa.

Baseada nos pressupostos teóricos do grupo de pesquisa LACE, esses dados foram objeto de estudo, tendo em vista elaborar um plano de ação para contribuir com a gestão da formação contínua dos professores, em relação ao ensino de leitura na escola. Esse estudo me forneceu elementos para que eu pudesse discutir com a CP sobre a gestão do HC, considerando:

1. Em que momentos do HC, a CP orientou sobre o trabalho com a leitura compartilhada?

2. Quais foram os momentos em que as professoras puderam compartilhar os sentidos atribuídos a essas orientações e os significados construídos?

3. Quais as implicações, na sala de aula, decorrentes desse modo de gerir o HC? Primeiramente, foi necessário levar o vídeo da sala de aula para a análise da CP. Depois de assistir a aula, durante uma sessão reflexiva (SR), ambas discutimos as questões acerca do entendimento que a professora P3 demonstrou ter tido, a partir das orientações recebidas no HC. Ao assistir ao vídeo da aula da professora P3, a CP admite que esse modo de compreender a atividade de leitura compartilhada era inesperado, não havia sido cogitado por ela. Em outras palavras, não havia um significado compartilhado entre a CP e a professora P3 a respeito da atividade de leitura em sala de aula.

Nessa sessão reflexiva (SR), ao discutir os desdobramentos das orientações dadas no HC, analisamos mais detalhadamente os encaminhamentos da aula da professora P3, em interação com os alunos. Decidimos pelo replanejamento e retomada da formação contínua das professoras, no que se referia à proposta de leitura compartilhada.

Essa ação aconteceu no momento de estudo e planejamento (MEPL), do qual participaram pesquisadora e CP. O MEPL consistiu em estudar outra forma de orientar as

professoras sobre a concepção de leitura compartilhada em pauta43, assim como os encaminhamentos didáticos necessários para ensinar os alunos a ler jornal, por meio dessa atividade.

Concluiu-se que, na verdade, o trabalho idealizado pela CP se tratava de uma atividade conhecida na Rede Municipal de Ensino como roda de jornal. Nessa atividade, a professora disponibilizaria diversos jornais e os alunos poderiam escolher uma notícia ou uma reportagem de jornal ou revista para comentar com os colegas. Durante esse trabalho, a professora poderia fazer perguntas e promover discussões na classe, que contribuíssem para o entendimento do texto por parte dos alunos.

A atividade proposta no HC às professoras, denominada de leitura compartilhada, conforme relatada na fundamentação teórica deste trabalho, teria outro encaminhamento. Nessa atividade, a professora reproduziria uma notícia de jornal para todos os alunos e ela conduziria a leitura dessa notícia, coletivamente, mediando o processo. O propósito desse trabalho consiste em que, ao ler e discutir sobre o que leram juntos, os sentidos que os alunos fossem atribuindo ao texto, pudessem ser compartilhados.

Depois desses estudos, passamos a pensar nos próximos passos no HC. Com o intuito de orientar novamente as professoras sobre o trabalho em sala de aula, porém, de uma forma mais dialogada, eu propus à CP uma mudança no modo de gerir o HC.

Assim, sugeri a realização de uma performance. Por meio dessa atividade, as professoras vivenciariam uma prática de roda de jornal no momento da formação contínua da escola. Ao realizar essa performance, a CP faria o papel da professora e as professoras vivenciariam o papel dos alunos na sala de aula.

O objetivo desse trabalho era construir significados comuns para a prática de roda

de jornal na sala de aula. Essa atividade, que precederia uma atividade de leitura compartilhada, justificava-se como consequência das análises realizadas da aula da P3.

43 A atividade de leitura compartilhada, faz parte das atividades da escola e está registrada nos documentos oficiais da PMSP/SME/DOT/Guia de Planejamento e Orientações Didáticas para o Professor do 4º ano – Ciclo I (2008 p. 246, 268, 278, 286, 331, 334, 336). Consiste em que o professor distribua uma cópia do texto para cada aluno fazendo uma leitura compartilhada. Se preferir, pode escolher um aluno para fazer a leitura em voz alta e ele – o professor – segue fazendo comentários que julgar necessários, fazendo pausas para as questões que forem surgindo, garantindo que todos tenham entendido o texto.

Após discutirmos e planejarmos a performance, entretanto, a CP revelou sentir-se insegura para a realização dessa tarefa. Diante disso, com o intuito de contribuir para a realização desse trabalho, ofereci-me para conduzir a performance com as professoras, mas com a condição de que ela também participasse da atividade. Ou seja, durante essa performance, eu desenvolvi o papel de professora e a CP, junto com as professoras exerceram os papel de alunos.

A seguir, relato o segundo momento desta investigação.