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FIG 6 – PÁGINA DE UMA LISTA CLASSIFICADA AMERICANA

3. a leiTura em língua eSTrangeira

Sinto-me agora em posição de poder progredir para a segunda parte da minha exposição na qual considerarei o papel da leitura na língua estrangeira como factor de desenvolvimento dos conhecimentos linguísticos e a acção que os professores podem desempenhar no reconhecimento desse papel. Como objectivo último, interessa-me a possibilidade de o aluno poder utilizar as suas leituras independentes como fonte de auto-aprendizagem através da reflexão sobre a língua.

Considerarei o caso de textos que estão acima dos conhecimentos linguís- ticos que os alunos manifestam, textos que caberiam dentro do que Krashen (1982) (1985) denomina de comprehen sible input. O input compreensível é o input que vai um pouco além da competência real do aluno num determinado

momento e que, para constituir um factor de aquisição da língua, deverá incluir aspectos linguísticos que os alunos, embora ainda não conheçam, possam, todavia, compreender em virtude do contexto em que ocorrem. Krashen representa esta noção através da fórmula i+1, correspondendo i ao nível de competência/realização e i+1 ao estádio seguinte.

Se correctamente utilizada, esta perspectiva de utilização do texto como fonte de input compreensível parece-me interessante não só porque se pode enquadrar na concepção de leitura apresentada pelos modelos interactivos, mas também porque a minha experiência de ensino e aprendizagem de línguas me diz que a leitura ajuda a adquirir o domínio da língua, nomeadamente nos aspectos vocabulares e estruturais e na dimensão cultural que lhe é inerente. Por um lado, serve de suporte para os elementos linguísticos que já ouvimos oralmente, mas cuja representação visual ajuda a consolidar; por outro lado, confirma ou infirma hipóteses que levantámos no nosso processo de desenvolvimento da língua, favorecendo deste modo a transição da interlíngua para a língua alvo; mais ainda, ajuda-nos a inferir novos conhecimentos através da contextualização que nos oferece. Resumindo, poderia dizer que permite utilizar os conhecimentos fornecidos pelos nossos es- quemas cognitivos para chegar ao conhecimento sistémico da língua. Ou, para utilizar uma terminologia mais pedagógica, permite chegar ao novo a partir do dado, ao desconhecido a partir do conhecido.

O problema que agora gostaria de abordar refere-se à questão da interven- ção do professor em todo este processo. Deve o professor manter-se à margem e deixar que o aluno leia o que quiser e como quiser e souber? Ou deve o professor ajudar o aluno a ler e a desenvolver as suas capacidades de leitor independente?

Creio não haver uma resposta única para estas perguntas. As respostas dependem do nível de conhecimentos dos alunos, da sua capacidade de se de- sembaraçarem sozinhos na complexa tarefa da leitura e dos objectivos da própria actividade. Parece-me, todavia, importante salientar a acção do professor em determinados estádios com vista a ajudar o aluno a resolver os problemas que o texto lhe apresenta para um dia, mais tarde, os resolver sozinho.

É neste contexto que gostaria de retomar a ideia de zona de desenvol- vimento próximo apresentada pelo psicólogo russo Vygotsky nos anos 30. Vygotsky define a zona de desen volvimento próximo como a distância que medeia entre aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha e aquilo que ela é capaz de fazer se for um pouco ajudada por outros (pais, amigos, professores). Segundo este autor, a zona de desenvolvimento próximo define as funções ou competências que irão manifestar-se mais tarde, mas que por enquanto se encontram num estádio embrionário uma vez que a criança ainda não domina a estratégia processual que a tarefa exige. A interacção social entre

a criança e uma pessoa com mais experiência ajuda a desenvolver essa es- tratégia, segundo Vygotsky. O adulto desempenha no processo uma função reguladora, interpsicológica, necessária à criança neste estado transitório antes de ela poder exercer, por si só, uma função auto-reguladora. A transição do funcionamento interpsicológico para o funcio namento intrapsicológico tem lugar na zona de desenvolvimento próximo13.

A transferência deste conceito para a situação escolar é importante por várias razões. Em primeiro lugar, exige uma redefinição do conceito de pré-requisitos não como aquilo que o aluno é efectivamente capaz de fazer, mas como aquilo que é potencialmente capaz de fazer e que já faz se for ajudado. Em segundo lugar, sugere orientações pedagógicas que apontam para uma aprendizagem guiada, mas atenta às possibilidades virtuais do aluno.

Vygotsky afirma ainda que a auto-regulação é um fenómeno relativo. O facto de uma criança já ter atingido o nível de auto-regulação numa deter- minada tarefa não quer dizer que a tenha desenvolvido em relação a todas as tarefas. No caso concreto do tópico que tenho vindo a desenvolver, parece-me também de acentuar o carácter relativo do domínio das estratégias de leitura e o recurso à regulação interpsicológica quando a tarefa se apresenta difícil, ou a estratégias de auto-regulação com monólogo ou diálogo interior14, aliás na

linha das investigações de LaBerge e Samuels (1974) e Perfetti (1985). LaBerge e Samuels demonstraram que os sub-processos de leitura se tornam cada vez mais automáticos à medida que o leitor progride na sua capacidade de ler. Perfetti provou que o leitor, mesmo o leitor fluente, recorre a processos analíticos quando depara com dificuldades no texto.

13 Cf.Vygotsky,1960: 450 (citado em Valsiner, J.)”...the crucial characteristic of instruction is the fact that instruction creates the zone of proximal development, i.e. elicits in the child, promotes, and brings to movement a number of internal developmental processes, which at the present time are available for the child only in the sphere of relations with the people around and in joint action with peers, but which later, undergoing internal course of development, become then the internal property of the child himself”(1988:146).

14 Sobre a noção de monólogo interior como fase de aquisição do conhecimento pela criança, veja-se Galperin (1959). Segundo Galperin, as acções mentais ou esquemas cognitivos desenvolvem-se de acordo com cinco fases: a) ideia preliminar da tarefa; b) domínio da acção através da manipulação dos objectos; c) domínio da acção através do discurso oral; d) transferência da acção para o plano mental; c) consolidação da acção mental. Aplicando à leitura a teoria de Galperin, van Parreren (1975) considera que a verbalização da maneira como os alunos ultrapassaram determinadas dificuldades os ajuda a manterem em memória os processos utilizados, os quais constituem potenciais a serem transferidos para situações paralelas. Ao tentarem resolver dificuldades, utilizam estratégias no sentido heurístico que lhes dá van Dijk e Kintsch, isto é, como “working hypotheses” (1983:11).

É minha convicção que, ao ajudar o aluno a explorar as suas possibi- lidades para vencer as dificuldades encontradas, o professor contribui para acelerar o seu desenvolvimento linguístico e estabelece a interacção entre os fenómenos de desenvolvimento e de aprendizagem, tópico a que Vygotsky dedicou especial atenção.

É neste enquadramento composto pelos modelos interactivos de leitura e pelas noções de input compreensível e de zona de desenvolvimento próximo que relato uma actividade pedagógico-didáctica desenvolvida com alunos de alemão do ensino secundário no princípio do segundo ano de aprendizagem da língua. Trata-se da utilização de um texto autêntico, retirado da revista Brigitte, conhecida de grande parte dos nossos alunos.

Deparamos, logo de início, com a problemática da utilização dos textos autênticos na sala de aula. Com efeito, desde o momento em que são utilizados na sala de aula, os textos autênticos deixam de o ser. De objecto de leitura na vida real passam a objecto de leitura na sala de aula com a finalidade de aprender a língua15. Embora mantendo as características de coesão e coerência,

são-lhe alteradas as características de intencionalidade, aceitabilidade, informa- tividade, intertextualidade e situacionalidade que, na opinião de Beaugrande e Dressler (1981) definem um texto. Ao afirmar são-lhe alteradas, não excluo a possibilidade de estas características estarem presentes no documento autêntico trazido para a sala de aula. Parece um paradoxo, mas não o vejo como tal. Ao trazer um documento autêntico para a sala de aula, o professor sobrepõe-se ao autor do texto; à situação de leitura do texto na vida real, sobrepõe uma nova dimensão situacional, uma nova intenção e valores informativos e intertextuais diferentes. Para que o texto autêntico apareça como texto autêntico para fins didácticos, o professor tem de criar uma situação autêntica na qual enquadra a original. Temos então a leitura de um texto autêntico, genuíno, numa situação genuína de ensino/aprendizagem. Criar essa situação passa, evidentemente, por uma preparação do aluno para a leitura do texto.

Farei de seguida uma descrição sumária das actividades desenroladas na aula e que se desen volveu de acordo com as seguintes fases:

15 Widdowson aborda este problema ao distinguir entre o carácter genuíno e o carácter autêntico de um texto. ‘The extracts are, by definition, genuine instances of language use, but if the learner is required to deal with them in a way which does not correspond to his normal communicative activities, then they cannot be said to be authentic instances of use. Genuineness is a characteristic of the passage itself and is an absolute quality. Authenticity is a characteristic of the relationship between the passage and the reader and it has to do with appropriate response. One of the difficulties about extracts, then, is that although they are genuine, the fact that they are presented as extracts imposed on the learner for language learning purposes necessarily reduces their authenticity” (1978: 80).

1 - Preparação para a leitura.

2 - Exploração do título e da gravura.

3 - Exploração do sub-título e dos dois primeiros períodos do texto. 4 - Levantamento de hipóteses relativas à informação provável neste tipo

de texto.

5 - Leitura do texto até ao final.

1 - preparaçãoparaaleiTura

Tratava-se, como já disse, de um texto (Fig. 7) retirado de uma Brigitte, texto esse que anunciava algo de interesse para a juventude dos nossos dias.

FIG. 7 - Texto retirado de BRIGITTE (1986:10).

Em primeiro lugar foi necessário criar a situação de leitura. À situação real da leitura do anúncio sobrepunha-se a situação da realidade didáctica da leitura de um texto autêntico com o fim de:

a) entusiasmar os alunos pela leitura independente de textos em alemão, tentando demonstrar-lhes as suas potencialidades de leitores; b) ajudar a desenvolver estratégias de leitura a nível da compreensão

global e pontual;

c) proporcionar a aprendizagem de novos elementos linguísticos a partir da leitura do texto e num espírito de descoberta inferencial;

d) consciencializar os alunos para a recompensa da reflexão sobre a língua e sobre a construção pessoal do conhecimento.

Uma pergunta do tipo “Acham que já são capazes de ler uma revista em alemão, por exemplo, a Brigitte?” motivou os alunos e criou a situação, apesar de a resposta ter sido negativa. Foi então o momento de lhes dizer que iam tentar ler um texto que tinha sido retirado de uma dessas revistas e ver se conseguiam ou não percebê-lo. Explorou-se em seguida o título e a gravura.

2 - exploraçãodoTíTuloedagravura

“O que é que a gravura representa?” perguntou a professora16 e chamou a

atenção para a presença do computador no barco. “O que é que significará o título: Computercamps?” Curiosamente os alunos sugeriram poder tratar-se de um texto so- bre os campos de aplicação do computador. Perguntou-lhes em seguida que palavras relacionadas com camp conheciam em alemão? em português? em inglês? em francês? E ainda se o título poderia ter alguma ligação com a gravura, pergunta que levou os alunos a admitir poder tratar-se de um campo de férias onde se pudessem jogar jogos de computador. Revelou-se então mais alguma informação através da exploração do sub-título e dos dois primeiros períodos, precedida da pergunta “A quem poderá interessar este campo?”

3 - exploraçãodoSub-TíTuloedoSdoiSprimeiroSperíodoSdoTexTo

De imediato os alunos reconheceram a linguagem dos computadores (Basic, Bytes). Repetida a pergunta “A quem poderá interessar este campo?”, responderam junge Leute e alguns, com certo medo, leram o começo do primeiro período (Für alle, die endlich wissen wollen, was es mit “Bytes” “Modems” oder der Computersprache Basic), ficando-se por aqui. Não admira o medo. Trata-se de um período complexo com uma oração rela- tiva intercalada a especificar o pronome indefinido alle, seguida de outra relativa, duas ordens transpostas e algumas expressões desco nhecidas (auf sich haben e Spezialveranstalter ). A professora chamou a atenção para alle como referente de die e perguntou a quem, mais especificamente, se destinava o curso. Aqui houve um pequeno silêncio, interrompido por um aluno que disse Anfänger e Könner. A professora pediu-lhe para explicar como tinha chegado a essa conclusão, visto que as palavras eram novas para estes alunos. A partir de können chegou a Könner, explicou ele e, por oposição, deduziu Anfänger, servindo-se também da analogia com o verbo anfangen. Esta altura foi aproveitada para explorar com os alunos

16 Desejo expressar aqui os meus agradecimentos à professora que tão gentilmente acedeu a preparar comigo esta aula e a leccionou.

outros substantivos portadores do sufixo -er e derivados de verbos (Lehrer, Maler, Schauspieler).

4 - levanTamenTodehipóTeSeSrelaTivaSàinFormaçãoprovávelneSTe TipodeTexTo.

Como preparação para a continuação da leitura e numa tentativa de ajudar os alunos a pensar nos possíveis conteúdos, foi-lhes perguntado o seguinte: “Uma vez que se trata de um anúncio, que tipo de informação esperam encontrar?” As respostas dadas iam sendo escritas no quadro de tal forma que se chegou a uma espécie de ficha informativa com as seguintes entradas:

local duração

custo (o que inclui) alojamento

transporte

pessoa ou organização com quem contactar como contactar

actividades

possibilidades de comprar computadores com desconto.

Com a leitura subsequente do resto do texto, procuraram-se elementos para completar esta informação.

5 - leiTuradoTexToaTé aoFinal.

Relativamente ao local, não encontraram um só, mas sim três, que reconhe- ceram pela recorrência do título Computercamps no texto, pelo aparecimento. do numeral drei e pelo uso das preposições in e an.

Facilmente encontraram também os elementos relativos à duração (Eine Woche) e ao custo (650 Mark) e ainda informação sobre a organização a con- tactar e como fazê-lo, patente no final do texto através do nome, direcção e número do telefone. Conseguiram igualmente identificar as actividades (Surfen, Reiten, Schwimmen, in die Disco gehen) embora não percebessem a palavra Entspannung que ficou em suspenso.

Como é natural, tiveram dificuldade em saber o que é que o preço incluía. Conseguiram perceber inklusive e Vollpension, ambas com muitas semelhanças com o português, mas desconheciam Unterrichtsgebühren e Betreuung. A pro- fessora sugeriu que decompusessem Unterrichtsgebühren uma vez que conheciam a palavra Unterricht e parafraseou Gebühren. Relativamente a Betreuung foi

altura de justificar o uso do dicionário. Um dos alunos procurou o significado e informou os colegas.

No que respeita ao alojamento, conseguiram deduzir Gäste quando a professora lhes sugeriu que pensassem numa palavra inglesa com um som semelhante ao da palavra alemã. Mehrbett zimmer deduziram também através da decomposição da palavra nos seus vários elementos e da sua relacionação com Einbettzimmer e Doppelbettzimmer, palavras já conhecidas.

Maior dificuldade causou o problema do transporte. Este foi o segundo aspecto a ficar em suspenso. Abordaram de seguida o problema da organização bietet ein Spezialveranstalter an. A palavra Veranstalter era-lhes desconhecida e era difícil deduzir o seu significado, pelo que, também neste caso, foi sugerido o recurso ao dicionário.

Quanto à venda dos computadores com desconto, não encontraram ne- nhuma referência. Se os vendiam, o texto não o dizia e o aliciante do desconto também não figurava.

Foi então o momento de os alunos reconhecerem com surpresa que tinham conseguido perceber quase toda a informação contida no texto, tendo recorrido ao dicionário para procurar o significado de, apenas, duas palavras.

Faltava resolver a questão do transporte. A professora voltou então a esse aspecto. Neste caso, teve de ter um papel mais activo porque a informação aparecia expressa por uma forma idiomática ainda por cima envolta numa estrutura gramatical desconhecida para estes alunos (Angereist wird auf eigene Faust). À pergunta sobre o verbo que esperavam encontrar relacionado com transporte, os alunos responderam fahren e reisen. A professora remeteu-os então para a frase Angereist wird auf eigene Faust que teve de parafrasear para ser entendida. Aproveitou para fazer uma breve referência à construção passiva, relacionando-a com a outra frase na passiva que aparecia no texto e que, apesar de desconhecida, não lhes tinha causado problemas de sentido (Die Gäste werden in Mehrbettzimmern untergebracht). Foi dito aos alunos que numa das próximas aulas apren- deriam a voz passiva.

Como trabalho suplementar, foram indicadas várias actividades relacionadas: a) Leitura extensiva de um texto sobre a história dos computadores

retirado da revista pedagógica “Das Rad”.

b) Pesquisa de anúncios semelhantes em revistas alemãs.

c) Exercício de composição escrita: simulando encontrar-se num desses campos, escrever um postal ilustrado, descrevendo as actividades e fornecendo pormenores sobre a região.

d) Pesquisa de alguma informação cultural a partir da localização dos sítios dos campos num mapa da Alemanha.