• Nenhum resultado encontrado

Ao longo dos séculos e de acordo com os estágios e as transformações pelos quais passaram as instituições e as técnicas de reprodução, a leitura experimentou diversas concepções, práticas, funções, modos e tipos de suporte. Segundo Fernandes (2013), nem sempre o mundo precisou de leitura da escrita. Essa necessidade foi construída historicamente pelas civilizações humanas, pois a leitura praticada como instrumento de transformação pessoal e social é concebida como um acontecimento. Por isso, é interessante traçarmos as condições históricas fundamentais da leitura. De acordo, com o que diz Possenti (2009), do século XIX até hoje, houve três estágios marcados pela mudança do elemento crucial para a determinação de como se lê:

a) em primeiro lugar, naquilo que se poderia muito genericamente chamar de leitura filológica, pode-se dizer que o autor desempenhou papel central ao acompanhar determinada concepção de língua [...]; b) com o advento do estruturalismo, o autor foi escorraçado. Seu lugar foi ocupado pelo texto, que supostamente fornecia a completa semiose que permitia a leitura a partir do texto propriamente dito; transposições para o texto de características da

langue de Saussure (código, sistema etc.) fortaleceram esta hipótese [...] e; c)

assim, chegou-se ao leitor, que é exatamente o que lê o que nem o texto diz, ou ainda que fica com todas as coisas que o texto diz ao mesmo tempo, ou, alternativamente, que numa leitura fica com uma coisa e em outra com outra – sejam essas leituras separadas ou não por grandes lapsos de tempo. Parece incontestável que quem lê é o leitor. (POSSENTI, 2009, p. 27).

Desse modo, Possenti explica que, para se chegar à concepção de leitor que temos hoje, passamos primeiro pela fase que constituiu a figura de autor, o qual se pensava

transparente em relação à língua. Já, na segunda fase, esse autor deu lugar ao texto e, em seguida, na terceira fase, o leitor passa a ocupar o lugar de sujeito, efeito de sentido constituído da história, da linguagem, em que os grupos de sujeitos estão situados em determinadas posições, que só leem como leem porque têm a história que têm.

Refletir sobre as histórias das leituras é uma das questões propostas por Orlandi (2012a) e, segundo a autora, a leitura apresenta um caráter mais prático e outro menos prático. A de caráter mais prático é a de fornecer subsídios para o ensino da leitura em uma escola que se queira crítica. A outra finalidade, de caráter menos prático, liga-se ao fato de que a leitura é um processo cuja explicitação envolve mecanismos de muita relevância para a Análise do Discurso. Ela afirma que as condições sócio-históricas dos sujeitos devem ser levadas em conta.

A compreensão de uma leitura perpassa por vários sentidos e só a referência à história faz com que alguns sentidos sejam lidos e outros não. Para Orlandi (2012a), a leitura não é uma questão de tudo ou nada, é uma questão de natureza, de condição, de modos de relação, de trabalho, de produção de sentidos, em uma palavra: historicidade.

A leitura instaurada em um espaço social se torna a base da nossa constituição como sujeitos, o homem em sua realidade utiliza a linguagem para transparecer seu universo histórico/social. E, se utilizamos a linguagem para nos comunicarmos, entendemos que ela nos oferece variadas possibilidades de leitura e, portanto, pode ser entendida como em sua acepção mais ampla como produção de sentidos (ORLANDI, 2012a). Segundo a autora, o cerne está no modo de relação (leitura) entre o dito e o compreendido. Podemos mencionar, por exemplo, tanto a fala de um aluno, um professor, um personagem de um conto ou história em quadrinhos, são suscetíveis de leitura. E, para essa estudiosa, também pode ter o sentido de leitura de mundo como uma “concepção” que reflete uma relação com a ideologia.

No confronto de forças políticas e ideológicas, Orlandi (2012a) explica que o homem faz história, mas a história não lhe é transparente, ou seja, os sentidos são historicamente determinados e, por assim, dizemos, que eles são construídos ideologicamente. E é no funcionamento da ideologia que o leitor se instala, produzindo sentidos, fazendo parte da história desse processo. Logo, entendemos que o leitor não só atribui sentido ao texto, pois é nesse processo que sujeito e sentido se unem para significar. Segundo Orlandi (2012a, p. 13) quando se lê, considera-se não apenas o que está dito, mas também o que está implícito: aquilo que não está dito e que também está significando. Portanto, saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz, mas o constitui significativamente.

seu propósito, mas também, o que o constitui como parte significativa, pois o(s) sentido(s) de um texto passa(m) pela relação dele com outros textos. Essas relações de força se tornam o lugar social dos interlocutores (aquele do qual falam e leem), é parte constitutiva do processo de significação. Assim, o(s) sentido(s) de um texto está(ão) determinado(s) pela posição que ocupam aqueles que o produzem (os que o emitem e o leem). (ORLANDI, 2012a).

As reflexões sobre leitura em uma perspectiva discursiva são apresentadas por Orlandi (2012a, p. 8) e passam pela ideia de interpretação e compreensão. A esse respeito, a estudiosa cita alguns fatos que se impõem:

a) o de pensar a produção da leitura e, logo, a possibilidade de encará-la como possível de ser trabalhada (se não ensinada); b) o de pensar que a leitura, tanto quanto a escrita, faz parte do processo de instauração do(s) sentido(s); c) o de que o sujeito-leitor tem suas especificidades e sua história; d) o de que tanto o sujeito quanto os sentidos são determinados histórica e ideologicamente; e) o fato de que há múltiplos e variados modos de leitura; f) finalmente, e de forma particular, a noção de que nossa vida intelectual está relacionada aos modos e efeito de leitura de cada época e segmento social. (ORLANDI, 2012a, p. 8).

Pensar o ensino da leitura encarando-o como um trabalho que percorre caminhos, instaurando sentidos é um desafio que deve ser levado em conta pelo professor, daí a importância de perceber que o sujeito-leitor não apenas deve refletir sua posição de leitor na leitura que produz, mas suas especificidades e sua história. Para chegar à compreensão não basta interpretar, é preciso ir ao contexto de situação (imediato e histórico). Por conseguinte, o sujeito que produz uma leitura a partir de sua posição, interpreta. O sujeito-leitor que se relaciona criticamente com sua posição, que a problematiza, explicitando as condições de produção da sua leitura, compreende.

Essa noção nos direciona para o que esta pesquisa se propõe, ao procurar tornar o ensino da leitura na sala de aula não só um meio de interpretar, mas também colocar o aluno na posição de um leitor que não só interpreta reproduzindo o que está no texto, mas que se situa em um contexto histórico. Desse modo, temos a noção de que, ao colocar o sujeito na posição de um leitor, estávamos cumprindo uma função social.

Comungando da informação citada acima por Orlandi (2012a), em que os sujeitos do discurso ocupam um lugar social, em que o(s) sentido(s) de um texto está(ão) determinado(s) pela posição que ocupam aqueles que o produzem (os que o emitem e o leem), iremos discutir em seguida sobre as concepções de leitura. Seguimos, de certo modo, os passos de Chartier

(1990), que traz a noção de apropriação, na direção de dar sentido à aplicabilidade da história cultural, propondo diferenciadas formas de interpretação para se trabalhar na construção de uma história social da leitura, ou seja, das interpretações, direcionadas para suas determinações fundamentais que são sociais, institucionais e culturais, inscritas nas práticas específicas que a produzem, constituindo sentido.

Portanto, é preciso perceber que os modelos de leitura vêm contribuir para que o professor possa fazer escolhas de leitura, visto que pode dirigir a história do aluno leitor para um mundo significativo. Por isso, para constituirmos um trabalho de leitura na sala de aula, precisamos estar atentos à realidade discursiva dos textos trabalhados na aula de língua materna.