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4 IMPLICAÇÕES POLÍTICAS E SOCIAIS DA NOVA SOCIABILIDADE CAPITALISTA

5- TRABALHADORES GRÁFICOS EM ANÁLISE: PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA EM MOVIMENTO?

5.2 As leituras e a dinâmica de estudo

Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente

querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.

(Bertoldo Brecht)

O grupo das terças-feiras está estudando, alternadamente, o texto da CLT e a coletânea de artigos de Marx e Engels - Sobre o Sindicalismo (1968). Percebemos, a partir de nossa atividade investigativa, que a escolha aconteceu, no caso da CLT, pelo fato de os trabalhadores envolvidos sentirem a necessidade de compreender melhor as bases legais que lhes asseguram alguns direitos trabalhistas. Nesse estudo, alguns dirigentes sindicais conhecedores da legislação vão lendo, em voz alta e pausadamente, as previsões legais para os trabalhadores, que acompanham a leitura com o texto em mão. Após a explicitação de cada nova informação, exemplos de infração ou cumprimento da lei são proferidos, na tentativa de orientar o leitor sobre que atitude tomar diante de cada situação mencionada.

Em seguida, abre-se um espaço para as discussões, nas quais os trabalhadores interferem com perguntas e depoimentos do cotidiano, procurando vincular o que estão lendo com o que vivenciam na prática: Eu faltei um dia e a empresa descontou dois, o que eu tenho que fazer?Reclamei e o patrão disse que quer ver a lei, ele disse que se eu levar a lei ele devolve o dinheiro (Depoimento de um trabalhador durante o ciclo de debates, junho/2006).

O debate vai seguindo uma dinâmica de conscientização da classe trabalhadora diante de direitos por ora assegurados a eles, uma vez que se sabe da provável reforma

trabalhista, proposta durante o atual governo (2006), a qual intenciona flexibilizar muitas das conquistas até então adquiridas. As análises e posições assumidas diante das leituras são de suma relevância social e intelectual. Percebemos a clara e sistemática elevação cultural em curso.

O grupo que se reúne aos domingos está lendo e discutindo as seguintes obras: Fundamentos de Economia Política, P.Nikitin (1967); O Caminho da Servidão28, Friedrich Hayek (1990) e Princípios Fundamentais de Filosofia, Politzer (1954). Os textos são lidos e discutidos sistematicamente. Percebemos que alguns trabalhadores sentem muita dificuldade na compreensão das leituras, mas as discussões elucidam as dúvidas. Nesse grupo, no entanto, os debates concernem mais a aspectos teóricos, embora a relação com a prática seja constantemente realizada.

As duas reuniões (terça/domingo) também são enriquecidas por filmes e documentários sobre o movimento operário, como o documentário sobre o golpe sofrido por Hugo Chavez na Venezuela; manifestações populares recém-vivenciadas na França; as polêmicas e contrapontos do governo atual; dentre outros. Os filmes e documentários são assistidos, discutidos e relacionados com o contexto atual vivenciado pela classe trabalhadora no Brasil, ou seja, as práticas educacionais baseiam-se em uma formação humana considerada dialógica por Paulo Freire (1987). Os trabalhadores participam de ciclos de debates que propiciam o amadurecimento teórico das discussões, como também são levados a assumir uma postura crítica diante dos fatos que lhes são apresentados.

Existem, no entanto, inúmeros aspectos que ainda precisam ser amplamente discutidos a partir de nosso objeto de estudo. Outros elementos vão surgindo diante do maior contato com o campo, fato que explicita a densidade do objeto, mas que também nos leva a refletir sobre as possibilidades que a educação comprometida com a emancipação humana pode desenvolver. Podemos, por conseguinte, observar que o âmbito educacional constitui um todo complexo, relacionando suas partes em um movimento dialético que, a partir de um devir histórico, gradativamente desvela o real. As observações até aqui desenvolvidas nos remetem a uma concepção ampliada de

28 O texto que preconiza o neoliberalismo, escrito por Friedrch Hayek, é lido a fim de desvelar as

intenções das teses neoliberais, sendo nesse sentido, duramente criticado e contestado pelo grupo. A escolha de tal leitura ocorreu para se “conhecer a teoria do inimigo”, expressão utilizada pelos trabalhadores.

educação, que transcende os espaços formais e pode vir a efetivamente assumir um caráter politizador.

Nessa trajetória, compreendemos que o devir investigativo, diante dessa práxis humana, não pode ocorrer de imediato, pois, “a primeira vista” (KOSIK, 2002), ele pede um detido aprofundamento das reflexões feitas, a partir dos dados colhidos e das observações desencadeadas. É necessário, então, que se confira um tratamento mais profundo às abordagens, principalmente por se tratar de um estudo que busca se deter em aspectos relacionados à subjetividade dos sujeitos investigados, até porque: “o indivíduo se move em um sistema formado de aparelhos e equipamentos que ele próprio determinou e pelos quais é determinado, mas já há muito tempo perdeu a consciência de que esse mundo é criação do homem”. (KOSIK, 2002, p. 74).

Nessa incursão, foi-nos possível perceber que as relações formativas que envolvem nosso cenário de investigação parecem relacionadas ao fortalecimento da luta de classes, ou seja, estamos diante de sujeitos que vislumbram, com a apreensão do conhecimento, mais uma forma de fortalecimento diante do domínio do capital. O referido grupo parece se constituir como uma forma de resistência ao ataque do qual o movimento sindical é alvo diante do desemprego estrutural e da implementação das teses neoliberais.

Estamos, por fim, diante de relevante temática, porquanto esta concilia aspectos formativos, políticos, ideológicos e sociais, perspectiva que suscita a aproximação com trabalhadores que elaboram um espaço educacional diverso, revelando, em parte, as limitações das instituições formais de ensino e a possibilidade de transformação/reflexão por intermédio da educação. Nesse sentido, investigar pessoas que buscam uma inserção político-educativa por meios próprios, partindo de intenções coletivas que demonstram uma autodeterminação admirável, mantendo-se evidentes interesses classistas, revela-se um desafio de relevância social e científica.