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3 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA MUNDIAL E ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL

3.2. O Japão e a corrida para a superação da crise

3.2.1. O modo de produção Japonês (Toyotismo)

A racionalização do processo produtivo, Dotada de forte disciplinamento da força de trabalho E impulsionada pela necessidade de implantar Formas de capital e de trabalho intensivo, Caracterizou a via toyotista de desenvolvimento Do capitalismo monopolista no Japão e seu processo

De liofilização organizacional e do trabalho. (ANTUNES, 2003, p. 55)

É relevante destacar que, antes da crise do petróleo, os japoneses não haviam parado para observar o “novo modo de produção” que surgia e se desenvolvia no interior da Toyota. Essa forma de produzir, nascida da necessidade de sobreviver ao momento crítico vivenciado pelo pós-guerra (1945), tinha como objetivo central a total

eliminação de desperdícios e, assim, pretendia chegar ao estoque mínimo, facilitando a convivência com o crescimento econômico lento. Para tanto, modificou a forma de gerir o processo produtivo, adotando como elementos centrais o just-in-time (o melhor aproveitamento possível do tempo de produção) e a autonomação, ou seja, a automação com um toque humano. Pode-se dizer que é uma transferência de inteligência às máquinas, que, além de um alto desempenho, são capazes de identificar problemas.

Tal medida tecnológica diminui sensivelmente o número de produtos com defeito, contribuindo para a erradicação dos desperdícios. Acrescentam-se às máquinas dispositivos ativados ao se depararem com qualquer situação que possa ocasionar danos à produção. Isto eliminava passo a passo cada excesso de produção, bem como muitos dos trabalhadores que, diante dessa nova forma de expansão das forças produtivas, perdem em grande parte a funcionalidade nas atividades laborais: “Como resultado, um trabalhador pode atender diversas máquinas, tornando possível reduzir o número de operadores e aumentar a eficiência da produção”.(OHNO, 1997, p. 28).

Sob essa perspectiva produtiva, referenciada em uma empresa “enxuta” e apoiada em avançados meios tecnológicos, o modo americano de produção em massa vai sendo gradativamente substituído no Japão, uma vez que o mercado não mais estava respondendo à compra de tudo quanto era produzido. O trabalho e o trabalhador assumem um caráter flexível, superando a rigidez da fabricação em larga escala, sem, no entanto, desvencilhar-se da intensificação do ato laborativo, tendo em vista o aumento da responsabilidade e do teor das atividades do operário que precisava produzir mais, operando um número maior de máquinas no menor espaço de tempo possível. Contribui Antunes (2003):

[...] tem sido possível constatar exemplos crescentes de intensificação do trabalho onde o sistema just in time é implantado. [...] a ‘nova ortodoxia’, baseada na idéia de que as mudanças técnicas estão forçando os empregadores ao estabelecimento de um relacionamento mais cooperativo com o trabalho, está sendo revista pelas novas pesquisas que mostram tendências diferenciadas (p.49).

Em meados dos anos 70, seguindo a necessidade de superar o contexto crítico do padrão de acumulação taylorista/fordista, expresso como uma crise estrutural do capital – que se estende até os dias atuais -, a era da acumulação flexível implementada pelo chamado toyotismo chega também ao Ocidente, conquistando os países centrais do capitalismo. O capital, para se recuperar dos “ganhos sociais” proporcionados pelo

keynesianismo, repondo seu projeto de dominação hegemônica, inaugura um complexo processo de reestruturação produtiva. Nesse preceito, como já vimos, abandona-se o Estado de Bem-Estar Social e instala-se o Estado mínimo, elegendo o mercado como regulador social, respondendo a uma política neoliberal.

Isso porque o declínio da produção em larga escala atingiu âmbitos mundiais, necessitando de um aprimoramento das forças produtivas. O mercado passa a exigir, por conseguinte, maior variação de produtos, sendo necessário produzir menores quantidades de grandes variedades, processo que já era implementado na Toyota desde 1945. A industrialização teve que se adaptar às novas demandas do mercado consumidor, que se tornava mais exigente e competitivo.

No entanto, é imperativo realçar que, mesmo com as inúmeras transformações sofridas pela forma flexível de acumulação do capital, a produção não perdeu seu caráter essencial capitalista. Pelo contrário, as mudanças são o reflexo da necessidade incontida do capital de expandir-se. Sendo assim, exige-se cada vez mais da classe trabalhadora, que passa proporcionalmente a valer menos para a classe dominante. Temos o advento do “discurso de exigência” de um trabalhador, mais qualificado, mais participativo, multifuncional e dotado de maiores responsabilidades, pronto a servir à nova empreitada do capital. Mas, com a divisão dos mercados, a divisão global do trabalho, o capital volátil, o fechamento de unidades, a reorganização financeira e tecnológica, a força de trabalho termina por enfrentar o desemprego e a falta de amparo social.

Cabe esclarecer que essa qualificação profissional sugerida pela acumulação flexível não visa à formação cultural e crítica do trabalhador. Nada mais é que uma forma de manipulação capitalista, em essência, propiciando um campo fértil para a proliferação do trabalho alienado:

A qualificação e a competência exigidas pelo capital muitas vezes objetivam de fato a confiabilidade que as empresas pretendem obter dos trabalhadores, que devem entregar sua subjetividade à disposição do capital (ANTUNES, 2003, p.52).

Cumpre lembrar que o grande impacto do sistema industrial japonês no mundo ocidental se deu por sua forma flexível de acumulação, seu desenho organizacional e seu avanço tecnológico, além do fato de apontar uma saída para a crise do taylorismo/fordismo. Cada realidade nacional, naturalmente, fez as devidas adaptações às suas particularidades. Essa reorganização do trabalho, refletindo a intensificação das

condições de exploração da classe trabalhadora, tornou-se atraente por anunciar uma possibilidade de expandir o crescimento financeiro.

Tal proposta, a orientar-se por uma lógica puramente mercantil, demandava que as empresas passassem a dispor de um menor contingente de força de trabalho e que, apesar disso, tivessem maiores índices de produtividade; em contraposição ao apogeu do Modo Fordista de Produção e Regulação Social, em que a relevância empresarial era proporcional à quantidade de operários trabalhando.

As empresas toyotizadas possuem uma estrutura horizontalizada diferente da verticalização fordista, o que permite ao mesmo trabalhador executar mais de uma função no chão de fábrica. Contudo, a maior parte da produção não é realizada no interior da fábrica principal, ao transferir a terceiros grande parte do que é produzido, acarretando a terceirização e, com ela, a precarização das relações de trabalho. Isso porque grande parte dos trabalhadores perde o vínculo empregatício e passam a ser subcontratados por empresas menores que prestam serviços, muitas vezes apenas temporários.

As empresas terceirizadas, por sua vez, também seguem os processos implementados pelo toyotismo, difundindo ainda mais suas técnicas. Referida transferência, como já discutimos, ocasiona a terceirização de serviços e, com ela, a dissolução dos vínculos empregatícios, causando a precarização do trabalho. Temos os exemplos da nova era produtiva, que origina uma nova fase capitalista denominada por François Chesnais (1996) de “a mundialização do capital”, caracterizada pelo controle de qualidade total, gerência participativa, sindicalismo de empresa, e subcontratação.

A ocidentalização do toyotismo estabelece um misto entre os elementos presentes no Japão e as práticas exercidas nos países receptores, decorrendo desse processo modelos diferenciados e particularizados. Para adaptar-se à divisão mundial do trabalho, cada país reestrutura-se internamente, a fim de lidar com as novas demandas. Essa assimilação vem realizando-se tanto em empresas de países centrais quanto nos de industrialização intermediária, associando-se ao neoliberalismo.

A vigência do neoliberalismo ou de políticas sob sua influência, propiciou condições em grande medida favoráveis à adaptação diferenciada de elementos do toyotismo no Ocidente. Sendo o processo de reestruturação produtiva do capital a base material do projeto ideopolítico neoliberal (ANTUNES, 2003, p.58).

Do que se pôde depreender até aqui, percebe-se que não há uma tendência única e absoluta nas novas demandas do mundo do trabalho. Como acentua Antunes (1995), houve um movimento contraditório e diferente que se instalou em cada nação capitalista, mas que, indiscutivelmente, de forma geral, fragmentou e fragilizou a classe-que-vive-do-trabalho:

Pode-se se constatar, portanto, de um lado, um efetivo processo de intelectualização do trabalho manual. De outro, e de sentido radicalmente inverso, uma desqualificação e mesmo subproletarização intensificadas, presentes no trabalho precário, informal, temporário, parcial, subcontratado etc. (ANTUNES, 1995, p. 54).

Pode-se então dizer, que a tendência à intelectualização do trabalho manual, como afirma Antunes (1995), corresponde às exigências vindas da automação e, por sua vez, a citada (des)qualificação é contemplada pela lógica depreciativa da economia de mercado. Nesse sentido, é mais uma vez importante nos perguntarmos sobre os possíveis caminhos para a classe trabalhadora e para a sociedade de uma forma geral, pois se vê em curso a destituição de valores, a desarticulação dos movimentos trabalhistas, a individualização do proletariado e a perda de identidade de classe. Prosseguiremos, pois, com nossas investidas teóricas, no intuito de nos aproximarmos cada vez mais das características do fenômeno em pauta.