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4. UMA HISTÓRIA PARA UM MONUMENTO: ENTRE O PASSADO E O PRESENTE

4.1 LEMBRANÇA E ESQUECIMENTO: INSTRUMENTOS DE CONSTRUÇÃO E

O manuscrito que conta a história dos Stoch foi redigido por Padre Luiz. Seu trabalho acaba por remeter a um questionamento sobre o papel da narrativa nos acontecimentos históricos na escrita de História. Destaca-se as diferenças entre a narrativa do religioso e do historiador. A primeira mais romanceada, sem compromisso com o real. A segunda, chamada de narrativa histórica, preocupada em se aproximar ao máximo possível da verdade. A narrativa regenerou-se com o passar dos anos. A narrativa histórica tem como proposta o relacionamento entre os acontecimentos e a estrutura, dando uma amenizada a disputa história entre os historiadores estruturalistas e narrativos. Desta forma, o trabalho do historiador está em interpretar os acontecimentos e assim, poder criar uma forma de narrativa dentro dos trabalhos científicos (BURKE, 1992).

Através da narrativa romanceada do religioso, promoveu-se uma pequena releitura para compreender o discurso do religioso acerca do imigrante italiano. Percebeu-se que, o enunciador escreveu a história do casal sem ignorar os fatos ruins, porém ele apresentou sua versão. Ao proporcionar seu ponto de vista, enfatizou alguns aspectos, os quais merecem ser recordados pela comunidade através da construção de um monumento. Esta edificação cristaliza na memória local os elementos considerados positivos pelo padre. Os outros elementos que seriam considerados negativos não são ignorados, mas sim, amenizados como forma de não comprometer a figura mitológica criada pelo religioso.

Se o intuito era fazer com que a comunidade lembrasse alguns fatos da trajetória desses imigrantes, a construção da narrativa não poderia estar sozinha. Com isso, edificou-se um monumento à família Stoch, no qual são contemplados ao público através de uma missa católica e de uma festividade, que foi denominada como I Festa da família Stoch38. Durante a celebração, a história foi narrada pelo padre às pessoas presentes e, enquanto se organizavam

38 É um costume de a região promover festas de família, que são encontros entre parentescos próximos ou distantes, no qual reúnem-se para conhecer as inúmeras histórias que envolvem desde os primeiros ancestrais e como o tronco familiar foi dividindo até os dias atuais. Essas festas são regidas por missa católica e por uma festividade que equivale a comida e música.

os preparativos do evento, fragmentos da história do casal circulavam entre as conversas da comunidade39. Estes elementos tornam-se materiais na memória dos moradores da localidade da Linha Três, pois os mesmos participaram dos preparativos. Todos esses instrumentos fazem com que as pessoas do local provoquem suas memórias a lembrar do que foi contado e como foi contada desta história do casal Stoch. Isso acontece porque, segundo Tedesco (2004, p. 93):

O individuo isolado teria dificuldade de mensurar e ter a consciência do tempo; poderia, inclusive ignorar a sua passagem. O individuo necessita de referência, de representações sociais do tempo, de testemunhos, de discurso que o sustente, memórias e experiências de outros, de influência social [...].

Nesse sentido, os moradores da localidade dificilmente conseguiriam lembrar-se dos fatos sozinhos. Com o auxílio do padre, a comunidade relembra o crime através da organização da festa e com a edificação do monumento. Para o religioso, é provável que a manutenção da história desses imigrantes seja apenas uma forma de manter viva a saga da imigração italiana, para que esta lembrança seja das dificuldades e sofrimentos dos primeiros colonizadores. Sob o olhar histórico, é possível ver esta ação como uma maneira de reafirmação da identidade italiana, tentando criar assim um grupo étnico homogêneo entre os moradores da comunidade de Linha Três.

Além disso, a construção de uma narrativa e um monumento tem como intuito a perpetuação do discurso do bom imigrante e das dificuldades enfrentadas na saga migratória para as futuras gerações. Pensando nisso, o que merece ser lembrado daquilo que foi narrado pelo padre? E o que dever ser esquecido, ocultado ou até mesmo apagado da memória sobre a história dos Stoch?

A função de glorificação, segundo Pozenato (2000), visa impedir o processo de degradação cultural, sendo necessária, a lembrança das raízes. Pensando nisso, a história do casal é cristalizada da memória local através do monumento. Contudo, alguns pontos da história narrada pelo padre merecem serem lembrados e perpetuados para as gerações futuras. Como, por exemplo, a trajetória em si do casal, apresenta o imigrante que não conseguiu realizar o sonho de fazer a América e ainda o teve destruído por um brutal crime. Nesse sentido, a preocupação é mostrar as dificuldades enfrentadas pelos italianos no período da imigração.

Outro ponto da narrativa que merece ser lembrada é o assassinato de uma mãe e seu filho de colo, isso acabou acarretando a fragmentação de uma família de imigrantes italianos e

39 Existe um filme amador desta festividade que inaugurou o monumento. Este vídeo encontra-se no acervo do Padre Luiz, o Centro de Pesquisas Genealógicas, em Nova Palma.

dos laços que a unem. O monumento construído pela égide do padre presta uma homenagem às “mães de imigração”. Segundo Favaro (1996, p.282):

Sob o ângulo das histórias de família, são os mesmos critérios –agora coletivos- que dão suporte a construção de identidade do grupo, acrescido de elementos de afetividade, tais como amor (maternal, filial, conjugal), dedicação e solidariedade, seja na família nuclear, seja no parental. O pano de fundo? A alegria e a fé, apesar das agruras e percalços do caminho.

E o primordial nessa história é a acusação de um inocente, no caso Ângelo. Segundo a narrativa do religioso, ele foi acusado de assassinar a esposa e o filho, sendo que jurava a sua inocência. Depois de anos de cárcere em uma cadeira de Vila Rica, o verdadeiro assassino aparece e, somente assim, Ângelo volta à liberdade. Porém, encontrou sua vida destroçada com a morte da esposa e de um dos filhos, sendo que os outros foram distribuídos para famílias diferentes.

Nesse sentido, o que deve ser lembrado da historia narrada, constrói o discurso do bom imigrante considerado um herói, no qual é perpetuado para futuras gerações. Com isso, se estabelece duas ações: uma de reforçar a saga imigrante e a outra de reafirmar a identidade italiana entre os moradores da localidade. Segundo Pozenato (2000, p.122), os discursos “são contextualizados na perspectiva de glorificar o passado para assegurar uma identidade cultural no presente”.

Porém, existem pontos da narrativa que merecem ser esquecidos, ocultados ou até mesmo deixados de lado, como aconteceu com a vertente tradicional da historiografia da imigração. Esses pontos desconstroem o discurso do bom imigrante que o padre propagou na região e assim, sob a ótica histórica, não auxiliariam na manutenção da identidade italiana. Com isso, merecem ser esquecidos os fatos que levaram Ângelo a ser acusado de assassino: as desavenças que ele teria com a esposa. Além das discórdias do casal, havia a possibilidade de afastamento de Ângelo da família pra trabalhar na estrada de ferro. O religioso chegou a abrir possibilidade que Stoch queria se afastar da família. Estes embates revelam a desarmonia familiar no qual conviviam os imigrantes italianos, obviamente nem todos, mas a omissão destas brigas pode ser respondida com a forma que se deram as narrativas, dotadas de uma moralização religiosa.

Além disso, a circulação de imigrantes italianos também se deve manter oculta nos discursos, pois expõe a movimentação dentro da região, apresentando a não permanência dos colonos nos lotes. Simplificando: alguns imigrantes abandonavam os lotes recebidos do governo, desmistificando a figura do colono trabalhador, que fez da terra o seu sustento. Complementa Constantino (2011) algumas ideias são transformadas em mitos e são

propagadas para as comunidades, na tentativa de formar identidades relacionadas aos grupos étnicos.

Nesse sentido, percebeu-se que existem elementos na narrativa escrita pelo padre que constroem e desconstroem o discurso do imigrante pregado nas comunidades em Nova Palma. Trabalhando com a memória, alguns pontos do manuscrito são lembrados e outros são esquecidos. Para o religioso, foi a maneira encontrada de recordar a saga da imigração e, sob o olhar do historiador, percebeu-se as formas de reafirmação da identidade italiana utilizadas pelo padre entre os moradores da comunidade da Linha Três. E como forma de consolidar o discurso do bom imigrante, foi necessário construir um monumento, assunto que será tratado no próximo subcapítulo.

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