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1. LEITURA LITERÁRIA

1.4 Ler O Cortiço na contemporaneidade?

Proporcionar aos estudantes o acesso aos clássicos da literatura pode ser um caminho para oferecer-lhes condições para que melhor entendam o mundo onde vivem, o que pode ser feito partindo de situações vividas por eles no presente para uma viagem de retorno ao passado visando conhecer o que se tem realizado historicamente pela humanidade de modo a entender as bases do que existe hoje. Nesse sentido, Calvino (2007, p.14) afirma que “para poder ler os clássicos, temos de definir 'de onde' eles estão sendo lidos, caso contrário tanto o livro quanto o leitor se perdem numa nuvem atemporal”.

Também é importante escolher o ponto de chegada para que o estudo delimite um período e o contexto de pesquisa que possibilite estabelecer as relações necessárias ao entendimento da ligação entre passado e presente.

Assim, como o objetivo da sequência proposta é o estudo da obra O Cortiço, podendo ser abordada de modo a buscar entendimento sobre a formação cultural do Brasil, definiu-se o Naturalismo porque é ali que a obra se situa , pois “ele corresponde, historicamente, à maturação da nacionalidade, tendo visto a realização de muitas das grandes tarefas iniciadas depois da independência, como a modernização das cidades, a codificação racional das leis, o equipamento técnico, o ensino superior” (CANDIDO, 1978, p. 89).

Nota-se que nesse período os escritores brasileiros desenvolveram uma literatura que se afastava da influência portuguesa gradualmente, iniciando uma literatura de espírito nacional e um esboço de identidade e de base cultural do que é o Brasil hoje em sua diversidade cultural.

Com a definição temporal escolhida para o estudo é possível que o estudante se coloque em uma posição na qual fique evidente de onde se parte e aonde se quer chegar, possibilitando ao professor instrumentalizá-lo para que crie uma noção espaço-tempo delimitada, de sorte que é possível preencher esse período com o conhecimento obtido a partir da leitura literária, estabelecendo as relações históricas e relacionando os diferentes fatos esteticamente representados na obra literária de modo a notar as relações sociais, culturais e econômicas presentes na narrativa.

Assim, com o apoio do professor, a leitura literária visa possibilitar aos estudantes entendimento do ambiente escolar como um espaço propiciador de relações possíveis entre a obra e o mundo no qual estão.

Acredita-se que a abordagem do texto literário como possibilitador para o entendimento de mundo junto aos estudantes de maneira que eles superem um desconhecimento do lugar onde vivem crie um elo entre eles e o texto literário, pois a leitura passa a fazer sentido em suas vidas ao mesmo tempo em que contribui para o processo de humanização para viverem em sociedade, já que entenderão os diferentes ambientes de circulação, as relações humanas e institucionais.

Essa relação entre diferentes papeis que a literatura assume, aproxima os estudantes de uma educação para os Direitos Humanos, atendendo ao que define o Parecer número 08/2012 - Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, as quais versa sobre os princípios definidos pelo Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação:

Cabe chamar a atenção para a importância de alicerçar o Projeto Político Pedagógico nos princípios, valores e objetivos da Educação em Direitos Humanos que deverão transversalizar o conjunto das ações em que o currículo se materializa. Propõe-se assim que, no currículo escolar, sejam incluídos conteúdos sobre a realidade social, ambiental, política e cultural, dialogando com as problemáticas que estão próximas da realidade desses estudantes. Com isso pretende-se possibilitar a incorporação de conhecimentos e de vivências democráticas, incluindo o estímulo a participação dos/as estudantes na vida escolar, inclusive na organização estudantil, para a busca e defesa dos direitos e responsabilidades coletivas (CNE/CP, 2012, p. 14).

Assim, para que esses objetivos sejam alcançados, espera-se que a sequência didática em suas diferentes fases sirva de apoio instrumental para que o professor proporcione aos estudantes um contato mais aprofundado com o conhecimento literário, sua posição enquanto ser social em um país e, consequentemente, no mundo. Desse modo, o professor poderá apontar a obra com seus diferentes recursos e estratégias utilizadas por Azevedo para compô-la, demonstrando que, como aponta Veiga Neto (2007, p. 85)

[…] as distinções radicais entre as diferentes maneiras de ler, bem como as diferentes funções da leitura, Larrosa mostra a possibilidade de fazermos da prática da leitura, na escola ou fora dela, um rico processo de subjetivação, em prol da liberdade e da capacidade de auto-governamento, de nós mesmos e de nossos alunos.

Por isso, proporcionar que os estudantes tenham acesso às obras clássicas da literatura é possibilitar que a arte literária contribua com seu papel humanizador no sentido de possibilitar que eles possam compreender seu lugar enquanto cidadãos do mundo e do país onde vivem.

Dessa maneira, obras como O Cortiço, entre tantas outras, com sua característica intemporal, carregam consigo significados que ultrapassam a barreira do tempo, podendo dizer muito sobre o homem do passado e do presente, sobre o mundo real e o ideal, oferecendo aos estudantes grande carga de significados relativos à outras épocas e ao tempo dos leitores.

E, em se tratando dos alunos da contemporaneidade, vale reforçar que cabe aos interessados em propor-lhes um contato maior com os textos literários analisar as potencialidades dos aparelhos eletrônicos que os estudantes utilizam, em um

esforço para que esses equipamentos sejam aplicados em sala de aula como ferramentas auxiliares a serviço do profissional da educação preocupado em formar novos leitores, pois muito do que tem sido produzido artisticamente pela humanidade encontra-se disponível em ambientes virtuais.

Uma vez que é sabido da potencialidade das redes de computadores na difusão de informação, cabe aos interessados em um mundo mais humano desenvolver estratégias que possibilitem aos indivíduos terem contato com as obras literárias de modo a resgatar seu potencial, o que pode ser feito com o apoio dos instrumentos tecnológicos no sentido de apresentar caminhos alternativos que direcionem os leitores aos textos literários.

Nas palavras de Barthes, apontadas por Compagnon (2009, p. 52), “A literatura não permite caminhar, mas permite respirar”, não se pretende criar uma função instrumental para a literatura.

Almeja-se, isto sim, o uso instrumental do aparato tecnológico para que o leitor tenha acesso à obra, para que, daí em diante, sinta-se à vontade para lê-la em sua “finalidade sem fim, assim como a arte se define desde Kant. […] Se ela [literatura] sozinha pode ter a função de laço social, é, com efeito, em nome de sua gratuidade e de sua largueza” (Compagnon, 2009, p. 43) que se pretende apoiar as ações para a aproximação entre leitores e obras literárias.