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LETRAMENTO ACADÊMICO E LETRAMENTO PARA O LOCAL DE TRABALHO

No documento leomarfrancisco (páginas 42-45)

3 LETRAMENTO DO PROFESSOR EM FORMAÇÃO INICIAL

3.2 LETRAMENTO ACADÊMICO E LETRAMENTO PARA O LOCAL DE TRABALHO

O presente trabalho aproxima-se particularmente das atividades de aprendizagem na universidade e na escola, na formação de professores para atuação profissional, como venho destacando nas seções anteriores. Logo, a problematização levantada sobre as práticas de letramento na formação de professores em formação inicial tem, ou deveria ter, estreita relação com o objetivo profissional dos envolvidos. Na esfera acadêmica, existe um objetivo de formar professores, de iniciar cientificamente um sujeito na pesquisa e amadurecê-lo teoricamente. Pressuponho que estes objetivos sejam assumidos pelo formador, pela instituição de ensino e pelo próprio graduando, mas que possa haver dissonâncias entre o letramento para o local de trabalho e para a academia.

Partindo destes possíveis objetivos da graduação, é relevante refletir sobre qual modelo de letramento adotar, no ensino-aprendizagem de professores, para atender demandas assumidas pela/para esfera acadêmica. Vianna et al. (2016), alinhada a Lea Street, resume três possíveis práticas sociais desempenhadas por meio da escrita que estão ligadas diretamente ao contexto acadêmico: para transferir conhecimentos, para socializar com o ambiente acadêmico e para a construção de sentidos e identidades.

Uma prática de letramento comum na esfera acadêmica é o aperfeiçoamento da escrita para atender aos fins específicos do fazer científico. O graduando, ao compreender que a escrita deve considerar o leitor, os objetivos do texto e uma modalidade padrão da língua, está se envolvendo numa prática social específica: a de escrever um texto acadêmico. Essa prática social mediada pela escrita é uma demanda não opcional para aqueles que estão nessa esfera como graduandos; é uma prática social que acaba mesurando as capacidades do escritor em estar em tal esfera, além de causar nele um constante esforço pela aceitação, pela sociabilização com professores e alunos. Em conformidade com Motta-Roth et al. (2016):

Cada comunidade disciplinar caracteriza-se por um ciclo contínuo de entrada de novos membros, cuja participação aumenta gradativamente no sistema de atividades dessa comunidade, principalmente por meio de consumo e produção de textos. O aumento gradativo da participação dos membros no sistema acontece em deslocamentos, desde uma ação mais periférica até uma ação mais protagonista e central (MOTTA-ROTH et al., 2016)

A escrita de gêneros canonicamente acadêmicos funciona, portanto, não só como recurso de agenciamento de teorias, mas como fator necessário à socialização e à construção de identidade. Arrisco afirmar que o letramento acadêmico aconteça, em grande parte, como maneira de sobrevivência daqueles que não conseguem, por muitos fatores, colocar-se com naturalidade nessa esfera – o que ocasiona a constante segregação dos denominados “maus alunos” ou “alunos fracos” para a academia. Entre outras coisas, o letramento acadêmico contribui para a manutenção de silenciamentos daqueles que não são considerados “bons”, o que remonta à grande divisão apontada por Street (2014).

É fato que há uma variedade grande de práticas sociais, em esferas também variadas. Retomar uma distinção específica para cada esfera ou prática e denominá-la letramento X, Y ou Z não é apropriado por estabelecer uma relação direta entre os letramentos e habilidades, ignorando as práticas sociais nas quais a escrita e leitura estão inseridas, como dito anteriormente - não é o que este campo pretende. Entretanto, não pressuponho que todas as esferas sociais contenham práticas linguísticas/sociais iguais, mas que as práticas sejam

consideradas de forma contextualizada e atendendo aos sujeitos que nela estão. Por exemplo, o professor em formação: não é possível imaginar que o graduando em letras tenha as mesmas práticas sociais mediadas pela linguagem quando comparado a um médico em formação, uma vez que são esferas distintas; logo, compreender as especificidades exigidas profissionalmente no futuro desses sujeitos precisa ser uma preocupação frequente.

As práticas sociais desempenhadas no meio acadêmico (que não se resumem a gêneros escritos) e no meio profissional podem não encontrar pontos comuns, na maioria das vezes. Visto pelo exemplo que esbocei para a academia, o letramento para a prática docente não consiste somente numa socialização entre pares e formadores, mas também numa prática social de gerenciamento de situações, conteúdos curriculares e saberes. Cada uma destas esferas tem objetivos, contextos e demandas distintas.

Na academia, como pontuado, o graduando tem demandas de socialização, aprendizado e construção de identidade; na profissional, no caso do professor, os letramentos estão relacionados à gestão de materiais, às interações diversas deste ambiente e à manutenção da sua identidade profissional – compreendendo, também, que estas não são as únicas práticas medidas pela escrita nestas duas esferas.

Trata-se, portanto, de pensar que a escrita e a leitura estejam sendo significativas. Uma escrita significativa é aquela que serve para agenciar conteúdos e desempenhar ações relevantes, com propósitos situados (que sejam propostos ou emergentes) e que sejam aceitos pelo participante que a desempenhará. Além disso, uma prática de letramento significativa, no caso da formação de professores, é aquela que confere autonomia, que emancipa (SIGNORINI, 2006; LIBERALI, 2008; GARCEZ, 2013; SCHLATTER, 2013; VIANNA et al., 2016; FREIRE, 2018 [1996]). O entrave é definir o que é significativo para as esferas acadêmica e profissional, tendo em vista que elas não parecem aproximar-se (GARCEZ, 2013).

A proposta desta seção não é opor estes dois letramentos; tampouco indicar a valorização de um em detrimento da outro. Pelo contrário: a partir da compreensão de que ambos são importantes e que ambos têm suas especificidades, a proposta é de que pensemos escritas que sejam significativas e que permitam a prática social situada nestas duas esferas que se cruzam. A partir da ideia vygotstkiana de interação como local de desenvolvimento e aprendizado, as práticas de letramentos, se significativas para as duas esferas, permitem avanços profissionais – na pesquisa e/ou na docência - e sociais.

No documento leomarfrancisco (páginas 42-45)