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CAPÍTULO 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.8 LETRAMENTO CRÍTICO

A concepção de gênero como ação social pode nos auxiliar, enquanto docentes, a desenvolver uma pedagogia que ensine aos estudantes a perceberem os gêneros não apenas como formas textuais abstratas, mas como formas de vida e de ação que se constituem como poderosas ferramentas para a formação de um sujeito ativo e engajado na vida de sua comunidade. O trabalho escolar que assume esse compromisso pode proporcionar aos estudantes a oportunidade de vivenciar experiências significativas com os gêneros textuais que circulam socialmente, explorando situações discursivas novas e particulares que irão desenvolver as suas habilidades retóricas. Como declara Freire (1996),

O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar” dos objetos cognoscíveis [...]. “É exatamente neste sentido que ensinar não se esgota no “tratamento” do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível” (FREIRE, 1996, p.13).

Consideramos que o trabalho desenvolvido com o gênero anúncio publicitário cumpre o papel pedagógico ressaltado por Freire (1996)de “reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão”. A leitura crítica minuciosa das estratégias persuasivas e dos valores veiculadas pela publicidade, contribui para o desenvolvimento de uma consciência mais crítica, levando o estudante, como ser social, a responder ativamente ao discurso retórico da publicidade, valorizando os papéis que pode assumir na sociedade em que vive, levando-o, inclusive, a questionar as marcas que usa ou os bens que possui. Essa postura nega a submissão e a aceitação passiva dos valores capitalistas que põe o ter cima do ser, manipula e orienta nossas escolhas, modificando também nosso comportamento, nossos valores e nosso modo de ver o mundo, pois, segundo Freire (1996),

A leitura verdadeira me compromete de imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou e de cuja compreensão fundamental me vou tornando também sujeito. Ao ler não me acho no puro encalço da inteligência do texto como se fosse ela a produção apenas de seu autor ou de sua obra. Esta forma viciada de ler não tem nada que ver, por isso mesmo, com o pensar certo e com o ensinar certo” (FREIRE, 1996, p.13).

Em nosso modo de ver, o ensino de língua, sobretudo aquele apoiado na leitura que compromete cada pessoa, por estar voltado às práticas reais e discursivas, contribui para aprendizagens significativas, tanto de educadores quanto de educandos, visto que “[...] nas condições de verdadeira aprendizagem, os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo.” (FREIRE, 1996, p.13). Dessa forma, as aulas de Língua Portuguesa podem se constituir um espaço de interação, troca de experiências e de reflexão sobre a linguagem e seus usos, nos diferentes contextos, com vistas ao letramento crítico.

Segundo Kleiman, (2007), o modelo de ensino que se mantem nas instituições escolares não estabelece relação com as experiências sociais dos sujeitos envolvidos. A escola adota um currículo rígido e segmentado, apresentando uma organização dos conteúdos que se distancia da realidade linguístico-discursiva dos estudantes, visto que essa organização desconsidera a diversidade dos conhecimentos culturais que eles já possuem, visto que já vivenciam situações reais de comunicação na sociedade letrada.

Reforçando o exposto por Kleiman (2007), Street (2014) observa que a realidade das instituições de ensino revela que todos os elementos envolvidos no processo de ensino- aprendizagem (as instituições, o texto, os sujeitos) possuem o mesmo tratamento, independentemente dos diferentes contextos históricos e sociais que os envolvem. Dessa forma,

a escola apresenta-se como um ambiente descontextualizado da realidade, com seus modelos fechados de ensino e suas práticas tradicionais, que estimulam a passividade dos estudantes.

Contrapondo-se a esse modelo de letramento adotado nas escolas, Street (2014) defende um “modelo ideológico” de letramento, que envolve a interação social entre indivíduos, o que nos remete às discussões do Círculo de Bakhtin, considerando sua participação ativa nas diversas sociedades e culturas. Assim, para compreendermos o letramento em termos de práticas concretas e sociais, é necessário considerarmos que as práticas letradas são produtos da cultura, da história e dos discursos, pois os sujeitos vivenciam situações sociais concretas, nas quais diversas ideologias e relações de poder atuam, de modo determinante sobre suas ações.

Assim, com base no modelo ideológico dos letramentos de Street (2014), consideramos que o trabalho pedagógico envolvendo a leitura e a escrita deve priorizar atividades que tratem dos múltiplos letramentos, valorize as práticas discursivas escolares e não-escolares, analisando suas implicações para o processo de ensino-aprendizagem. Desse modo, as práticas de leitura e escrita nas aulas de língua materna aproximam-se dos usos reais da linguagem, possibilitando aos estudantes um melhor desempenho diante das diversas situações comunicativas de que participam em situações sociais do cotidiano.

Street (2014) reconhece também a importância dos professores neste processo, enquanto planejadores, que precisam levar em consideração as diferenças culturais, históricas e sociais dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, refletindo sobre o papel transformador da leitura e escrita em suas vidas. O autor ressalta ainda que é preciso nos concentrar, como educadores, nas possibilidades de ajudar os participantes no processo de letramento, de maneira a facilitar aos mesmos um letramento contextualizado e apropriado a sua realidade. Além disso, é preciso engajarmos o letramento individual, de maneira que este possa se construir mais sintonizado com a realidade familiar, maturacional e cultural dos estudantes.

Street (2014) considera os letramentos como múltiplos, sujeitos às relações de poder. Nessas relações, as pessoas realizam novos letramentos a todo momento, variando de uma comunidade para outra, de acordo com as condições socioculturais. À medida que o sujeito assume papéis sociais distintos, desenvolve sua identidade e autonomia, visto que as pessoas cumprem diferentes funções na sociedade e, em cada uma, usam de forma diferente a linguagem, desenvolvendo, assim, letramentos múltiplos, a depender da situação de interação comunicativa, em que estão envolvidas

As pessoas cumprem diferentes funções na sociedade e, em cada uma, usam de forma diferente a linguagem, desenvolvendo, assim, letramentos múltiplos, a depender da situação de interação comunicativa em que estão envolvidas, pois à medida que o sujeito assume papéis sociais distintos, desenvolve sua identidade e autonomia.

Portanto, o presente trabalho assume uma concepção social e interacionista de linguagem, associada à visão de letramento como prática social, levando em consideração a heterogeneidade dos contextos, dos sujeitos e dos letramentos em todo o processo de organização e desenvolvimento da pesquisa.