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CDD 410 Capa: Lucas de França Nário Oliveira

LETRAMENTO: LEITURA E ESCRITA COMO PRÁTICAS SOCIODISCURSIVAS DE LINGUAGEM E DE INTER(AÇÃO)

Marcos de FRANÇA Cláudia Rejanne Pinheiro GRANGEIRO “[…] defende-se hoje em dia que o letramento é um direito humano

universal.” (F. Coulmas)

Introdução

É gritante, ainda, a situação, mesmo com os avanços dos estudos linguísticos (ou das ciências da linguagem), em que se encontram os níveis de leitura e de escrita do alunado brasileiro de um modo geral. A expressão “analfabeto funcional” (cunhada no final dos anos 70 pela UNESCO, segundo Soares [2004a]), hoje, mais do que nunca, é aplicada àquele que consegue decodificar o código linguístico, mas não consegue estabelecer uma relação de sentido(s) àquilo que leu, ou seja, ele consegue decifrar o código em letras, sílabas e frases, mas não consegue compreender. Se há alguns anos esse domínio era suficiente para se considerar uma pessoa alfabetizada, e suficiente para atender algumas demandas sociais, hoje, a realidade é outra, porque há outras necessidades que ser apenas alfabetizado já não atende, como, por exemplo, o domínio das tecnologias digitais, como a telemática, e dos gêneros textuais que circulam nesse suporte, como os hipertextos. Nesse caso, na literatura corrente, se diz que estamos diante de alguém que é alfabetizado, é verdade, porém ele tem um baixo nível de letramento. Ou seja, como ele não tem um domínio que o torne proficiente em leitura e escrita, dentro da perspectiva que aqui abordamos, o indivíduo não é letrado1.

Ser proficiente em leitura e escrita permite dispor dos bens culturais existentes na sociedade e implica um posicionamento crítico e uma participação política ativa nessa sociedade. O domínio pleno dessas duas habilidades possibilita ao indivíduo posicionar-se como cidadão ativo politicamente, posto que só assim ele poderá ter “voz e vez” na sociedade na medida em que se torna um agente social consciente de seu papel sócio-político, portanto, um sujeito político, no sentido pleno de ser cidadão. Sendo assim, a leitura e a escrita devem ser encaradas como práticas discursivas e sociais de linguagem, como ações linguageiras que implicam ação sócio-política ativa na sociedade em que o sujeito vive ou atua.

Essa perspectiva de domínio proficiente em leitura e escrita tomadas como práticas de linguagem sociodiscursivas e como ferramentas de ação sócio- política é o que aqui entendemos como práticas de letramento. Porém, é consensual entre os estudiosos do tema, como Soares (2004a, 2004b, 2006), Tfouni (2006)2 e

1 O sentido aqui empregado não é o de “literato, erudito, instruído, literato, jurisconsulto”, como

encontrado no dicionário, mas no sentido de ter letramento.

2 A autora realizou sua pesquisa com informantes analfabetos e aplicou questões de silogismo para

avaliar se eles são capazes de elaborar respostas dentro do raciocínio lógico, considerado como uma ação cognitiva de caráter altamente abstrato só possível para indivíduos com certo nível de

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Street (2014), que é possível haver alguém com certo nível de letramento e não ser alfabetizado assim como pode ser alfabetizado e não ter domínio de certo nível de letramento (com proficiência em leitura e escrita). É preciso dizer, portanto, que essa é uma perspectiva de letramento grafocêntrica, altamente valorizada pela atual sociedade tecnológica. De acordo com Coulmas (2014, p. 8):

A estratificação social das habilidades letradas que observamos hoje é uma herança antiga […], pois aqueles que sabiam ler e escrever tinham controle sobre o fluxo da informação escrita na sociedade desde o início, e quanto mais importante se tornou o exercício do poder através da escrita, mais pesada se tornou sua influência. Aprender a ler e a escrever sempre tem sido algo ligado a privilégio e vantagem social. As conexões entre letramento e estratificação social são bidirecionais: a classe social tem influência na distribuição das habilidades letradas, e o consumo e [a] produção de material escrito são indicadores da classe social.

O surgimento na Língua Portuguesa do termo “letramento” em detrimento do termo alfabetização foi impulsionado por esses aspectos socioeconômicos da estratificação social que, por sua vez, são uma consequência de uma sociedade tecnológica que exige cada vez mais mão de obra especializada e atualizada com os novos avanços da tecnologia. Dentro dessa perspectiva é que se constituiu a concepção de letramento em contraponto com a de alfabetização, sem, no entanto, se opor a esta ou procurar negá-la. Por isso, o que se defende é que a alfabetização é um requisito necessário para o processo de letramento, daí um processo, necessariamente, não excluir o outro. Pelo contrário, são complementares e interdependentes.

Mas para se chegar ao nível de letramento tão desejado, seria necessário provocar uma mudança na concepção de linguagem que norteia o fazer pedagógico no ensino de língua materna, desde a alfabetização, e conceber a leitura e a escrita como práticas sociais de linguagem.3 A concepção de alfabetização, que antes era

suficiente para atender à demanda socioeconômica, já não atende ao que o momento histórico-ideológico requer para uma formação crítica de leitores e escritores, visto que codificar e decodificar o código linguístico mecanicamente (o suficiente para se considerar o indivíduo alfabetizado) não possibilitam ao indivíduo agir como sujeito em práticas sociais de linguagem. E essas práticas devem ser tomadas como ações que devem atender também às demandas do mercado de trabalho, um dos espaços da sociedade onde se requer ações linguageiras concretizadas em algum gênero textual produzido, geralmente, em usos formais de linguagem.

É na trilha desta perspectiva que discutiremos, aqui, numa abordagem sociodiscursiva, o letramento como uma prática social e discursiva de linguagem que se concretiza no uso proficiente da leitura e da escrita empregado em algum gênero textual (oral ou escrito) que circula na esfera social como forma de exercício de cidadania. O uso da leitura e da escrita de forma crítica caracterizaria

letramento. A autora constatou que a falta do rigor lógico é substituído pelas narrativas explicativas, o que demonstraria um certo nível de letramento.

3É claro que isso teria que passar também pela formação do professor que trabalha nas formações

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essa prática social tornando o indivíduo um sujeito. Este implica ser um agente de ações e práticas sociais e políticas por meio de usos da linguagem, tornando-se um actante, um ator social e político atuante na sociedade.

Este capítulo tem por objetivo discutir os usos da leitura e da escrita como práticas sociais que caracterizam o processo de letramento para além da alfabetização. Nesse sentido, nossa discussão ocorre no contraponto entre a concepção de alfabetização e a concepção de letramento como dois processos complementares e não excludentes. Com base em autores como Soares (2004a, 2004b, 2006), Tfouni (2006), Street (2014) e outros, sustentaremos nossa discussão sobre as concepções de alfabetização e letramento, visto que na atualidade se discute com certa veemência o fato de que ser alfabetizado não é garantia de pleno letramento; pelo contrário, a existência dos chamados “analfabetos funcionais” se apresentarem como o produto final de quatro anos ou mais de escolarização é prova cabal da ineficiência da escola em proporcionar um nível de letramento que faça da leitura e da escrita uma prática social de linguagem. A nossa proposta, portanto, é mostrar que o uso da leitura e da escrita como prática social de linguagem só é possível/viável para o exercício ser/estar em sociedade quando o indivíduo passa por um processo de letramento e não apenas de alfabetização, tornando-se, portanto, um sujeito menos “assujeitado”, como diria Althusser (1974) ou capaz de resistências, como diria Foucault (2001), no âmbito das ações sócio-políticas.

Para alcançar esse intuito, num primeiro momento, defenderemos que a concepção de linguagem como interação social e a de leitura e de escrita como processos e produções de sentidos estão atreladas à adoção de uma concepção de letramento, a qual está condicionada a uma perspectiva de leitura e de escrita como práticas sociodiscursivas de linguagem. Esse condicionamento foi favorecido por um contexto sócio-histórico-ideológico que proporcionou rever a concepção de alfabetização e o surgimento de uma nova concepção que atendesse aos interesses do momento presente, no caso o conceito de letramento.

Num segundo momento, discutiremos, em contraponto, as concepções de alfabetização e letramento e os seus contrastes, não como concepções que se opõem, se excluem, mas como conceitos que se complementam. Nesse sentido, o processo de codificação/decodificação (alfabetização) é necessário para se atingir o processo de produção de texto e de sentidos (letramento), que é o almejado.

Na terceira seção, analisaremos alguns textos que circularam na esfera social nos meios digitais (internet: uma notícia e uma tirinha) com base na discussão aqui levantada sobre o letramento como prática social de linguagem e a importância do papel da escolarização no processo de formação do sujeito como um agente sócio-político de ações de linguagem por meio do domínio pleno da leitura e da escrita. Por fim, apresentaremos as nossas considerações finais, onde exporemos as nossas conclusões resultantes das leituras e das análises realizadas a partir do corpus selecionado.

O nosso propósito é de contribuir, modestamente, porém de forma significativa, com os debates contemporâneos no campo de estudos sobre leitura, escrita e letramento, principalmente na relação com o ensino de português como língua materna.

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Nesta seção, discutimos qual a concepção de linguagem, entre aquelas correntes na literatura linguística, que atende à proposta e concepção de letramento que se defende para este momento histórico marcado por fronteiras fluidas, assim como as concepções de leitura e escrita estão interligadas à concepção de linguagem como interação.

Linguagem Como Interação Social

Como uma consequência das diferentes abordagens de estudos sobre a linguagem, Geraldi (2008) diz que se pode apontar pelo menos três concepções de

linguagem, a saber: i) a linguagem como expressão do pensamento; ii) a linguagem

como instrumento de comunicação; iii) a linguagem como uma forma de interação. Cada uma delas aborda a linguagem sob um determinado enfoque.

Para Travaglia (2003, p. 21), “A concepção de linguagem é tão importante quanto a postura que se tem relativamente à educação”, ou seja, há uma estreita relação entre as concepções de língua e linguagem e o ensino de língua (aqui o ensino de Língua Portuguesa), posto que é a partir da concepção de tais termos assumida pelo sujeito de ensino que se moldará o tipo de ensino a ser ministrado.

Conforme Oliveira e Wilson (2009, p. 236), “Em termos de ensino, assumir uma concepção formalista significa considerar a linguagem uma entidade capaz de encerrar e veicular sentidos por si mesma, expressar o pensamento.” À concepção de linguagem como “expressão do pensamento” está atrelada a ideia de que só se expressa bem, de forma correta, quem pensa corretamente, assim, como correlato, dentro dessa concepção, as pessoas não se expressariam bem porque não pensariam de forma lógica, por isso, não organizam o pensamento.

Já para a terceira concepção, linguagem como “forma ou processo de interação”, o que “[…] o indivíduo faz ao usar a língua não é tão-somente traduzir e exteriorizar um pensamento, ou transmitir informações a outrem, mas sim realizar

ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)” (TRAVAGLIA, 2003, p. 23,

grifo nosso). Isso porque, para essa concepção, a linguagem é vista como um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico determinado.

Conforme afirmam Bakhtin/Volochínov ([1929] 2006), a verdadeira substância da língua é o fenômeno da interação verbal realizada por meio de enunciações. A relação da linguagem com o seu exterior lhe é constitutivo, no entanto, é essa relação com a exterioridade que lhe confere também um caráter de incompletude. Orlandi (2006) afirma que a incompletude é a condição de existência da linguagem, por isso, “Como a linguagem tem uma relação necessária com a exterioridade, a ideia de unidade (de todo) não implica a de completude: a linguagem não é uma coisa só e nem é completa” (ORLANDI, 2006, p. 23). Em vista disso, a autora afirma que o estudo da linguagem não pode estar apartado da sociedade que a produz porque os processos que entram em jogo na constituição da linguagem são histórico-sociais, consequentemente, o discurso é um produto histórico-social cuja materialidade é linguística e/ou multissemiótica, conforme discutido em Grangeiro e França (2018).

Vista desse modo, a linguagem não pode ser apenas um suporte de pensamento ou instrumento de comunicação, como é encarada sob a perspectiva estruturalista. A noção de estrutura limita o trabalho com o simbólico e com a

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materialidade, que é o que atende a uma abordagem de análise discursiva do texto. No entanto, a concepção de linguagem como “forma ou processo de interação” parecem atender às expectativas de uma abordagem discursiva.

De acordo com Brandão (2004, p. 11), “[…] a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente e nem natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia.” Sendo assim, ela não pode ser concebida como uma entidade abstrata, “[…] mas como o lugar em que a ideologia se manifesta concretamente, em que o ideológico, para se objetivar, precisa de uma materialidade […]” (BRANDÃO, 2004, p. 9). É a linguagem em uso – em movimento, em funcionamento, a linguagem como interação – que materializa o discurso e o discurso por sua vez materializa a ideologia. Consequentemente, ao se adotar uma concepção de linguagem como a aqui defendida, implica uma mudança de concepção de leitura e escrita.

É sobre as concepções de leitura e de escrita que discutiremos na subseção seguinte.

Concepções de Leitura e Escrita

Dependendo, portanto, do momento histórico-ideológico, do foco ou da abordagem teórica, as concepções de leitura e de escrita mudam. Neste momento, em que predominam as teorias da corrente funcionalista da ciência da linguagem, a leitura e a escrita são concebidas como processos sociodiscursivos cuja palavra- chave norteadora é “interação”.

Concepções de Leitura

Se há concepções de leitura, é porque há diferentes correntes teóricas que tratam o objeto sob o seu olhar particular, da perspectiva teórica na qual se filia dentro da Linguística. Aqui, apresentaremos, de forma superficial, algumas que se filiam a uma perspectiva de leitura discursiva, como a pragmática, a psicolinguística e a análise do discurso.

Sob a perspectiva da Pragmática, trabalhando com os conceitos de implícito e inferência, Fernandes (2011, p. 2) compreende “[…] a leitura como um processo cognitivo de inferências e como um processo sócio-discursivo que se realiza num contexto enunciativo”, por isso, é preciso promover numa prática de leitura exercícios que possibilitem fazer as inferências de um determinado texto para que o aluno perceba que o sentido do texto está além do que está posto, que é preciso ativar cognitivamente conhecimentos outros que não estão postos, mas são ativados por estes. E esse processo requer não só o conhecimento linguístico e ou multissemiótico, mas também um conhecimento de mundo por parte do leitor para que possa fazer as inferências plausíveis que o texto ofereça. Ora, sendo assim, é papel do professor de Língua Portuguesa, no processo de ensino-aprendizagem da leitura:

[…] conduzir o aluno ao estudo de aspectos semântico- discursivos, especificamente das noções de pressupostos e subentendidos, para o desenvolvimento de habilidades de leitura nos diversos níveis de escolaridade, com vistas a contribuir para a formação de leitores atuantes e críticos, capazes de encarar a leitura como um processo dialógico (FERNANDES, 2011, p. 2,

72 grifos nossos).

Fazer as devidas inferências no processo de leitura, portanto, é de grande relevância para se estabelecer sentidos num texto, pois esse processo de leitura, como assevera Fernandes na citação anterior, não só poderá favorecer a percepção do aluno-leitor de que a leitura é um processo dialógico (que um texto dialoga com outros textos, isto é, perceber a presença desses outros textos no texto em questão), como também desenvolver outras habilidades de leitura, tornando-se um leitor mais crítico e menos intuitivo, capaz de ler “nas entrelinhas” e compreender que a leitura está além do que está na superfície do texto, da mesma forma que estabelecer sentidos para um texto requer que o leitor faça relações com outros elementos que não estão explícitos no texto, mas que podem ser inferidos a partir dele, embora as inferências feitas, inicialmente, possam ser negadas em favor de outras no decorrer da leitura.

Entre outras concepções, “[…] a leitura [é concebida] como um processo cognitivo de inferências e como um processo sócio-discursivo que se realiza num contexto enunciativo” (FERNANDES, 2011, p. 2), portanto, ler é interação, é produção de sentido, é interpretação e compreensão. Em outros termos, é possível afirmar, sob a perspectiva de uma concepção de leitura pragmática, que “Saber ler um texto é saber fazer as inferências corretas ou plausíveis que cada trecho do texto propicia” (MOURA, 2007, p. 33).

Seguindo essa mesma perspectiva de abordagem cognitiva e sociodiscursiva, sob os aportes da Psicolinguística, Leffa (1996, p. 10) afirma que “Embora a leitura, na acepção mais comum do termo, processa-se através da língua, também é possível a leitura através de sinais não linguísticos. […]. Não se lê, portanto, apenas a palavra escrita, mas também o próprio mundo que nos cerca.” Isso quer dizer que não se lê apenas a palavra escrita, em linguagem verbal; é preciso considerar a massa de textos em outras semioses, como os não verbais e os virtuais, por exemplo, que circulam na esfera social. Além disso, é mister considerar que a leitura por ser uma prática social e histórica, sofre, por isso mesmo, transformações com o passar dos tempos. Hoje, por exemplo, a leitura de textos virtuais, dispostos nas telas dos computadores, impõe novas reflexões e desafios ao ensino aprendizagem da leitura (SILVA, 1999). Assim, norteado por uma perspectiva interacionista de leitura, Silva (1999, p. 16) afirma que: “Ler é sempre uma prática social de interação com signos, permitindo a produção de sentido(s) através da compreensão-interpretação desses signos”.

Sob os aportes da Análise do Discurso (AD), Orlandi (2006, p. 11) diz que “Saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz, mas o constitui significativamente.” Isso implica dizer que, de acordo com a autora, quando se lê, se deve considerar não só o que está dito como também o que não está dito, mas que também está significando pela ausência. Assim, para a AD, a leitura é um processo; e nesse processo se procura determinar o processo e as condições de produção do texto, por isso, é possível dizer que “[…] a leitura é o momento crítico da constituição do texto, o momento privilegiado do processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o processo de significação” (ORLANDI, 2006, p. 38). Para a autora, é no momento em que se realiza o processo da leitura, que também se configura o espaço da discursividade em que se instaura um modo de significação específico (ORLANDI, 2006).

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perspectiva de Magda Soares (2006) que nos parece dar a tônica do que de fato é leitura e o que envolve em seu processo de realização: “Ler é um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão: Veredas [...] ler é um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo

continuum [...]” (2006, p. 48, grifos da autora).

Em síntese, podemos concluir que todas as concepções de leitura aqui apresentadas têm como eixo norteador a concepção de linguagem interacionista, portanto, de caráter dialógico, cognitivo, inferencial, discursivo e pragmático o que implica acionar, no sujeito-leitor, uma série de habilidades e comportamentos que vão além do linguístico, da estrutura, do código. Exige também, pois, o extralinguístico, o conhecimento de mundo do sujeito-leitor e as condições de produção envolvidas no processo.

Não se pode deixar de anotar que a uma concepção de leitura, está atrelada uma concepção de escrita, que é o que apresentaremos e discutiremos na próxima subseção.

Concepções de Escrita

Responder à pergunta “o que é escrita?”, segundo Koch e Elias (2012, p. 31), “[...] é uma tarefa difícil porque a atividade de escrita envolve aspectos de natureza variada (linguística, cognitiva, pragmática, sócio-histórica e cultural).” Diante disso, qualquer conceito ou definição do termo pode correr o risco de cair num reducionismo por não abranger todos os aspectos que estão envolvidos no processo, como os elencados na citação anterior. No entanto, é preciso esclarecer que o conceito de escrita/escrever vai variar dependendo da abordagem e/ou da linha teórica.

Vejamos, inicialmente, como esse termo é definido em um dicionário comum. Como verbete de dicionário, a escrita é concebida como: “1. representação da linguagem falada por meio de signos gráficos. 2. conjunto de signos num sistema de escrita.”4 Essas definições do dicionário são reducionistas porque não

dão a real dimensão e complexidade do ato de escrever, não a toma como um