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Levantamento da legislação de “gênero e política” publicada entre a redemocratização e 2012 (01/01/2012)

O primeiro dos objetivos foi levantar a legislação federal ou nacional, de ambos os países, que impactasse direta ou indiretamente os direitos políticos femininos. Para esse objetivo, as fontes utilizadas foram: os sítios eletrônicos das Câmaras dos Deputados e os sites especializados em legislação GLIN (Global Legal Information Network), no caso da

Argentina, e LexML, no caso do Brasil. Essas duas fontes foram agregadas porque foram encontradas eventuais desatualizações nos sítios das casas legislativas e porque ambas ofereciam mecanismo de busca mais eficazes.

Foram considerados “legislação” os seguintes documentos: Constituição, Códigos, Decretos (numerados e não-numerados), Decretos-Lei, Decretos Legislativos, Estatutos, Instruções Normativas, Leis (Ordinárias, Delegadas e Complementares), Medidas Provisórias e Resoluções. Foram descartados Atos Declaratórios Interpretativos, Atos Regimentais, Enunciados, Ordens de Serviço, Portarias (inclusive Conjuntas e Interministeriais) e Recomendações.

Considerou-se “legislação de gênero e direitos políticos” matérias que influenciam direta ou indiretamente o exercício dos direitos políticos pelas mulheres. Ou seja, mesmo que não haja a palavra “mulheres” no documento, este pode impactar fortemente sua inserção em partidos, listas eleitorais e sindicatos. Por isso, foi necessário realizar duas triagens de legislação: uma primeira lista retornou as matérias que incluíam a palavra “mulher” / “mujer”, enquanto uma segunda levantou as que incluíam os termos “política” / “política”, “poder” / “poder” ou “eleições” / “elecciones”.

Tanto na primeira quanto na segunda triagens, o procedimento foi o mesmo: a leitura completa dos documentos e o descarte dos que tratavam de outros temas (saúde, violência, educação, direitos humanos, orçamento, trabalho, previdência, assistência social), no caso da primeira lista; e dos que tratavam de aspectos políticos que não possuem recorte de gênero, na segunda.

Este último ponto merece esclarecimento. Em minha dissertação de mestrado (RANGEL, 2008), apontei que muitos elementos influenciam o exercício dos direitos políticos das mulheres, em especial o de se candidatar a cargos eletivos e suas chances de sucesso. Clara Araújo e José Eustáquio Diniz Alves (2007) e Tremblay (2007) apontam que um dos fatores que ajudam a compreender resultados distintos em países semelhantes é o tipo de sistema eleitoral, uma vez que suas características, apesar de não serem decisivas, influenciam as chances de elegilibidade das candidatas. Estudos apontando a associação entre representação feminina e sistemas eleitorais não são novidade: ainda na década de 1950, Maurice Duverger (1955) destacara a relação positiva entre sistemas de representação proporcional e presença de mulheres nas câmaras legislativas. Contudo, somente nos anos de 1980, com os trabalhos de Pippa Norris (1985) e Wilma Rule (1987),

é que se consolidou a relevância do sistema eleitoral no acesso das mulheres ao Legislativo.

O sistema de Representação Proporcional (RP), segundo Jairo Nicolau (2004), possui duas preocupações centrais: garantir que a diversidade de opiniões da sociedade seja refletida em assembléia e assegurar a correspondência entre votos recebidos pelo partido e sua representação. Em outras palavras, este modelo se fundamenta na noção de “microcosmo” contida na definição de representação simbólica e busca reproduzir a configuração da sociedade convertendo votos de cada partido em cadeiras no parlamento. Uma das conseqüências diretas disso é o favorecimento de arranjos multipartidários e a reprodução da diversidade da comunidade política no Parlamento (TREMBLAY, 2007). É por esse motivo que esse sistema é, segundo Araújo & Alves (2007) e Tremblay (2007), apontado como mais favorável à eleição de mulheres. Um estudo realizado com base no índice da Freedom House em 2005 indicou que assembléias legislativas formadas com base em sistema proporcional acolhem quase o dobro de mulheres em relação ao majoritário (TREMBLAY, 2007).

Segundo Pippa Norris (1993), há três elementos cardeais nos sistemas eleitorais que influenciam a representação: o sistema de votação, a magnitude dos distritos e o grau de proporcionalidade entre votos e cadeiras. Para ela, é mais fácil conseguir representação feminina em distritos plurinominais, com um alto número de cadeiras por distrito. Já falando de magnitude dos distritos eleitorais e grau de proporcionalidade entre votos e cadeiras, para Nélida Archenti e Maria Inês Tula (2008a), a combinação de distritos plurinominais de alta magnitude com lista fechada favorece o acesso das mulheres aos cargos legislativos. Isso ocorreria por dois motivos: 1) os partidos têm chances de ocupar mais cadeiras, pois há mais vagas em disputa e 2) o sucesso de eleição para uma mulher não é tão condicionado ao lugar que ela ocupa na lista.

Já em relação ao tipo de lista eleitoral, segundo Archenti & Tula (2008a), a fechada possui a vantagem de impedir que se anule o pré-ordenamento de uma lista confeccionada com observância de alternância de sexo, uma vez que o eleitor não pode alterar a ordem dos nomes dos candidatos na cédula. Por esse motivo, argumentam Marx et al.(2007), as cotas por sexos apresentam maiores chances de obter sucesso quando são aplicadas em sistemas de lista fechada, como na Argentina, do que em lista abertas como no Brasil. Archenti & Tula (2008a) explicam que listas abertas rompem acordos e equilíbrios que se

tentam alcançar no âmbito político institucional, além de tornar o processo eleitoral personalizado.

Nesse sentido, as “cotas femininas”, ou vagas de candidatura reservadas para mulheres, também se apresentam como um fator de impacto imediato no processo de feminização das casas legislativas. Elas funcionam como mecanismos de discriminação positiva para combater o problema estrutural da baixa participação feminina. Esse artifício foi recomendado em 1986 pela 1ª Conferência Ministerial Européia5 sobre a igualdade entre homens e mulheres e hoje é uma estratégia ampla e crescentemente utilizada. O ponto de partida institucional para a adoção das cotas como políticas e ação afirmativa, contudo, foram as recomendações das Nações Unidas, organização que instaurou o debate acerca da exclusão política feminina a partir da década de 1970. A ONU desenvolveu uma Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres em 1979 e posteriores Recomendações e Plataformas de Ação das Conferências Mundiais de Nairobi (1985) e Beijing (1995), que marcaram as pautas. Esses instrumentos internacionais tiveram grande impacto nas agendas dos governos e motivaram o desenvolvimento de três tipos de estratégias institucionais para a promoção das mulheres em processos e arenas de decisão política: Planos e Programas de Igualdade e Tratamento, Escritórios da Mulher (nos Executivos) e a incorporação de Ações Afirmativas ou cotas no sistema político-eleitoral.

Tratando-se de políticas de ação afirmativa ou cotas para sexo para amenizar ou eliminar o desequilíbrio de gênero que existe na política institucional, seus principais benefícios são, segundo Drude Dahlerup e Lenita Freidenvall (2003): aumentar a representação feminina em assembléias legislativas num curto espaço de tempo; promover, por meio do condicionamento das práticas sociais, transformação da cultura política; e forçar a entrada nos partidos de mulheres competentes que, na ausência das cotas, ficariam de fora da disputa eleitoral. Desde que entraram em vigor, as cotas elevaram a representação feminina no Congresso de 6% para 40% na Argentina, de 16% para 39.8% na Costa Rica, de 11% para 29.2% no Peru e de 9% para 23.2% no México.

No mundo, segundo a organização intergovernamental IDEA, 74 países dos 186 que possuem instituições legislativas, têm aprovada alguma legislação eleitoral de cotas por sexo, seja ela de cunho constitucional, ordinário ou partidário. Segundo Jutta Marx et

5 Esta adotou a Declaração sobre a igualdade entre as mulheres e os homens e a Resolução sobre políticas e

al. (2007:27), 40 países do mundo (entre eles 10 Estados latino-americanos) adotam cotas obrigatórias para eleições legislativas nacionais, e em mais de 50 países, há partidos políticos que adotaram cotas voluntárias. Um olhar sobre as legislações que os países vêm adotando nos permite perceber a ausência de um padrão único ou um critério uniforme: as cotas variam de 20% a 50%. Foram porcentagens arbitrárias que resultaram de processos de negociação distintos em cada país. Ou seja, a decisão carece de um parâmetro para a representação da distribuição real das mulheres nas sociedades.

Tendo em vista o exposto, foram consideradas matérias de interesse das mulheres aquelas que, mesmo sem referência explícita ao termo “mulher”, referem-se a sistemas eleitorais (sistema de votação, magnitude dos distritos eleitorais e grau de proporcionalidade entre votos e cadeiras, sistema de listas), outros fatores políticos (sistema partidário e competição legislativa, cotas, recrutamento de candidatos e atitude dos "gatekeepers", oferta de candidatos); fatores econômicos (financiamento de campanha e recursos do fundo partidário); e fatores culturais (atitudes culturais relativas às mulheres na política e os movimentos feministas) que impactam as chances reais de candidatura e eleição de mulheres. A investigação desses fatores se insere no campo de estudo da teoria política, nas análises de participação, representação e democracia como regime político.