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O que me levou a isso foram as posições culturais dos anos 1940 a 1945, a minha entrada para o Par-

tido Comunista, a necessidade de olhar e de com-

preender a problemática política, de estudar a pró-

pria nacionalidade a partir de uma ética fundada em

princípio racionais.

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Assim, a nova posição ideológica que adotava, se- ria a chave para a arquitetura moderna racionalista, na medida em que ela havia conquistado no perí- odo imediatamente anterior a condição de produ- ção capaz de representar a nação, constituindo-se num elemento de construção de sua identidade. Foi o projeto nacional-popular que o PCB incentivava, que levou Artigas a inibir o desenvolvimento de sua expressão wrightiana, moldando as caracterizações políticas do arquiteto americano e de sua produção. As suas primeiras obras deste novo posicionamento são de 44. Mais do que refletirem uma transição, a Casa Paroquial do Jaguaré e a Casa Benedito Levi representavam, de fato, o início de um período de

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interna dos cômodos. A casa resumia-se num diálo- go entre luz e sombra. O pano de vidro das janelas superiores alinhava-se com a parede inferior recua- da - salvo o recorte mais pro-fundo frente à porta. A luminosidade do volume superior, na verdade, fica- va retida na mol-dura, que ao ser, aparentemente, sustentada por um único

pilot

, resumia a construção ou tudo que uma construção devia prever: volume e apoio, dito de outra forma e estrutura.

Num artigo em Habitat, Lina Bo Bardi apresentando as primeiras residências de Artigas desse período afirmou que:

uma casa construída por Artigas não

segue as leis ditadas pela vida de rotina do homem,

mas lhe impõe uma lei vital, uma moral que é sempre

severa, quasi puritana. Não é “vistosa”, nem se im-

põe por uma aparência de modernidade, que já hoje

se pode definir num estilismo.

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A severidade que a obra de Artigas guardava, não era de ordem rudimentar, mas sim, da economia de meios e da tensão da forma arquitetônica. Em outros projetos iria aprofundar a relação com a obra corbu- siana e a arquitetura moderna carioca, ao mesmo tempo que desenvolvia uma linguagem própria. Na Casa Hans Trostli de 47, Artigas já exploraria duas proximidade com a obra corbusiana (racionalista), ajustando-se à vanguarda moderna brasileira. Po- rém, assim como ele não admitia facilmente um ali- nhamento à Wright, por vezes dificultou uma visão referenciada de sua obra à de Corbusier.

A Casa Levi representava de forma clara as idéias que Artigas defendia de

“moral construtiva”

. O vo- lume inferior neutro, principalmente, na situação co- tidiana da porta e da grande janela - de piso a teto - fechadas, Artigas desenhou-o recuado em relação ao volume superior. Este, “projetado” à frente, apa- recia leve, ao ter como elemento “virtual” de susten- tação um

pilot

em tom escuro, que se aproveitava do recorte maior no recuo inferior frente à porta e do contraste com o fundo branco, para anunciar a es- trutura independente, que a porta - também de piso a teto - e a grande janela já indicavam.

O volume superior era, todo ele, como que vazado. Enquadrava-o uma espessa moldura que salientava a estrutura independente. O grande vão desse pa- vimento, apresentava-se com um terraço contínuo, interrompido pela seqüência de portas-balcão - no- vamente de piso a teto - que poderiam ser também contínuas, caso não tivessem que admitir a divisão

características importantes para a sua produção, a tipologia do volume único e a eliminação da facha- da, esta última, era parcialmente sugerida pela pa- rede frontal semi-cega do segundo pavimento, isto porque, nenhum cômodo superior possuía aberturas para a rua, a única “abertura” na fachada superior advinha de um pátio, que incorporava um terço da planta do pavimento, ocupando toda uma ala lateral. Fechado ao alto pela cinta de concreto, esta aber- tura da fachada, que se repetia modularmente pela lateral, era semicerrada pela aplicação de elemen- tos vazados, o pátio configurava-se como um cômo- do diferenciado, para ele abriam-se as portas dos quartos, sendo que as janelas recortavam a parede lateral oposta. A concepção do bloco único era con- seguida agregando-se a ele a garagem que, a meio piso da rua, era encaixada na parte frontal, o mes- mo acontecia com o quarto de criada e um pequeno serviço, que eram incorporados na parte posterior do bloco. Diferentemente do andar superior, a frente do pavimento térreo era tomada pelo pano de vidro da sala e um curto recuo em relação à planta supe- rior expunha os pilotis. Todavia, mesmo isso, soma- do ao elemento vazado, não arrefeciam a presença do paralelepípedo único, compacto, que era a resul- tante principal do projeto. Assim, os elementos da

tipologia única, auto-centrada, que subvertia a or- dem de valores da planta tradicional, estava sendo gestada em experiências concretas.

Nesta linha, destacamos como significativa a Casa Domschke, de 48, implantada em lote tradicional - o lado maior do retângulo perpendicular ao alinhamen- to -, sobre seu projeto Artigas afirmou:

“marcou uma

nova fase em todo tratamento volumétrico e formal

daquilo que podia chamar fachada, que é a facha-

da, que a fachada desapareceu daí para frente. De-

sapareceu.”

12 o que certamente desaparecia seria a

necessidade da fachada, que em outras obras per- maneceria, mas não mais de forma usual, prenun- ciando a abolição completa de anos mais tarde.

A Casa Vilanova Artigas - a segunda residência do arquiteto -, de 49, seria a um só tempo, esforço de aproximação com a arquitetura moderna brasileira, que Costa e Niemeyer formatavam, e empenho na tarefa de edificar frente às condições que a indús- tria da construção possibilitava, bem como a sínte- se dos custos desta relação. Como em todo cruza- mento de idéias, existiam soluções que ficavam a meio caminho de futuras elaborações e outras, que já adiantavam essas formulações. O concreto usado

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continuidade ocorria. O limite da composição era o da justaposição. Assim, uma pequena ante-sala centrada em relação a planta e apenas insinuada pela parede dos sanitários à. esquerda e pela lareira à direita, era o local de acesso a casa propriamen- te dita. Voltada para a sala de estar, a lareira era o centro das atenções, deslocada da função geratriz dos ambientes, surgia como marco sólido no espa- ço transparente que a lateral do de estar, o terraço e o estúdio conformavam, antecipando a divisão do volume da casa em duas áreas: a desses ambientes e a outra, mais “protegida”, composta pelos próprios sanitários, pela cozinha e pelos três quartos.

Assim como a

casinha

, esta residência não obede- cia a implantação tradicional. O lado maior do volu- me retangular corria em paralelo à rua e, ainda que a parte posterior do lote não fosse explorada, como posteriormente Artigas o faria, esta implantação alte- rava a relação convencional de frente e fundo. Todos os ambientes estavam, por assim dizer, no “meio”, apenas os quartos possuíam um resguardo maior. A face envidraçada lateral da sala e o pátio corta- do pela escada que dava acesso ao estúdio, pos- sível pela altura da cobertura em “asa de borbole- ta” na extremidade, estabelecia com a parte mais na estrutura, como em todas as obras do período, inclusive a Casa Levi, era revestido a exemplo das obras de Niemeyer e do conjunto do grupo carioca. O que aparentava um refinamento técnico, era pos- sível porque advinha de um processo artesanal, que encarecia as obras e não representava a expressão da indústria da construção. Ou seja, de alguma ma- neira a solução veio com um artificio construtivo, que não devia ser original. O problema de uma indústria desaparelhada, além de atrasada, era revelado com maior clareza na obra através dos detalhes e do aca- bamentos, como o do ponto de luz, que tinha o

pla-

fond

- uma cavidade côncava - esculpido na laje de forro, porque para o arquiteto, a indústria nada tinha a oferecer condizente com o projeto.

A residência compunha-se de um volume de planta retangular, ao qual se agregava em ângulo um outro volume que continha a garagem, a área de serviço e a cobertura de entrada. O eixo deste volume traça- va angulo de 90° com o eixo de entrada da

casinha

, construída no mesmo lote. Entretanto, esse volume em angulo “morria” no limite da planta retangular. Na medida em que essa planta estava ordenada a partir da lógica interna da continuidade, nenhuma penetração dos espaços, que interrompesse essa

resguardada uma tensão, uma competição, onde vedos e vãos disputavam a melhor performance arquitetônica. A cobertura em “asa de borboleta” era composta de telhado de cimento amianto sobre laje de concreto, como nas outras casas do período, as duas águas invertidas que elas sugerem, mesmo não sendo visí- vel o telhado propriamente dito, seriam sugestivas o suficiente para não permitir uma leitura como as ca- sas de Warchavchik induziam. Numa entrevista, que veremos adiante, Artigas citou, sem precisar data, a influência da

Maison au Chile

de Corbusier na elabo- ração de sua arquitetura do período. A única referên- cia possível seria a Casa Errazuris, de 1930, projetada por Corbusier e construída sem o seu acompanha- mento. Esta casa, tinha a cobertura exatamente em asa de borboleta, sendo que, numa das extremida- des possuía um mezanino. Entretanto, o volume era maciço, de pedras, sem as aberturas do terraço e transparências que a estrutura independente do pro- jeto de Artigas permitia. Salvo engano, este projeto que antecipou a fase “matérica” de Corbusier e cuja linguagem também aparecia na

Maison de Vacantes

a Les Mathes

, serviu de base para Artigas estabele- cer um diálogo entre a arquitetura corbusiana e as suas preocupações.

Repassando o seu percurso do período wrightiano até assumir a linguagem corbusiana, sob o viés fun- damental da sua concepção de

“moral construtiva”

, Artigas perguntado se conhecia a obra de Corbusier, apesar de ter optado, inicialmente, pela referência de Wright, afirmou:

É e conhecia muito bem. Mas é interessante que você

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