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3.1 LGBT: NÃO É TUDO A MESMA COISA

Em setembro de 2015, algumas semanas antes da realização da Parada da Diversidade, o Gema (Núcleo Feminista de Pesquisas em Gênero e Masculinidades da Universidade Federal de Pernambuco) promoveu, em parceria com o Fórum LGBT, o evento Memória e Sexualidade. Na ocasião, o Professor Durval Muniz realizou a conferência de abertura do evento, que contou com a participação de Chopelly Santos, Íris de Fátima, Thiago Rocha e Wellington Medeiros, lideranças do Fórum LGBT antigas e atuais.

Durante a fala, o historiador remontou a trajetória da Parada da Diversidade, trazendo para o debate a questão política dos corpos nus - ou seminus - na Avenida. Após a exposição, era a vez das pessoas que representam a militância em Pernambuco falarem sobre o movimento. Se começamos este capítulo resgatando o debate do evento é porque a fala de

Chopelly Santos, representante das travestis e transexuais do Fórum LGBT e da Amotrans (Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco), trouxe uma reflexão importante para este capítulo.

Se tratássemos a construção sobre a história da Parada da Diversidade - e, em algum sentido, sobre a trajetória do Movimento LGBT em Pernambuco -, através dos jornais e relatos de jornalistas, o olhar seria para a história do movimento homossexual (e não LGBT) a partir da construção de um discurso por gays e lésbicas. A crítica era principalmente à invisibilização de pessoas bissexuais, travestis e transexuais na mídia, que seria reproduzida pelas pesquisas acadêmicas na construção de discursos sobre o movimento (informação verbal)62.

Quando olhamos para os principais autores no campo acadêmico, esta fala é verificada: Trevisan (2002), Green (2005), Fry (1982) e MacRae (1990) trazem enquanto objeto, principalmente a trajetória e a problematização da homossexualidade masculina no Brasil. E, apesar de um crescente discurso sobre a diversidade do segmento LGBT a partir dos anos 2000, ainda é pequena a discussão e visibilidade das siglas que trazem o debate sobre identidade de gênero.

Por certo que o Movimento Gay Leões do Norte ganhou proeminência no cenário político pernambucano: é o mais citado pelos veículos nas matérias e pelos/as jornalistas, embora o Fórum LGBT tenha sido criado, assim como o Leões do Norte, ainda na primeira metade dos anos 2000. Neste sentido, julgamos necessário fazer um resgate sobre a trajetória do cenário no qual o Movimento LGBT surge em Pernambuco. No contexto brasileiro, é no final da década de 1970 - marcado pela redemocratização, contracultura e visibilidade de versões modernas dos movimentos feminista e negro - que surge o grupo Somos (1978), em São Paulo (FACCHINI; SIMÕES, 2009), pioneiro na luta homossexual.

Já na década de 1980, é bastante comum na literatura acadêmica a presença da história de movimentos como o Triângulo Rosa (Rio de Janeiro) e o Grupo Gay da Bahia (GGB). Mas pouco é falado sobre o Gatho (Grupo de Atuação Homossexual), que surge em maio de 1980 em Pernambuco. Preocupados com os assassinatos de homossexuais no Recife e, segundo Jackson Cavalcanti Junior, pela forma como os jornais os noticiavam, o movimento é criado: "o grande motor do surgimento do Gatho foram os crimes contra Tony Vieira e contra Bamba, que era pianista do Grande Hotel. A gente tinha uma faixa que era: 'pare de matar os

62 Fala de Chopelly Santos durante o evento Memória e Sexualidade no dia 9 de setembro de 2015 no

homossexuais'" (informação verbal63; DISCURSO..., 2010). Quanto aos jornais, a crítica era feita tanto ao Diario de Pernambuco quanto ao Jornal do Commercio mas, principalmente, ao já extinto Diário da Noite que publicou, à época, uma notícia que dizia: "Era só o que faltava: sindicato das bichas" (Ibid).

Entre as ações do Gatho estão, principalmente, a articulação do 1º Encontro de Grupos Homossexuais Organizados do Nordeste (1980), em Olinda, - que contou, inclusive, com a participação do Somos - e a conquista, em 1985, em uma ação articulada nacionalmente, da retirada da homossexualidade do Código de Doenças do instituto nacional de Previdência Social pelo Conselho Federal de Medicina (FACCHINI; SIMÕES, 2009; CARVALHO et al, 2011)64.

No contexto de uma "eclosão da epidemia do HIV-Aids" (FACCHINI; SIMÕES, 2009), há um aumento no número de ONGs em torno da organização de campanhas contra a doença que vai funcionar como elemento aglutinador das associações LGBT. Neste sentido, passa a surgir, a partir da década de 1990, uma série de grupos em Pernambuco. Entre eles, destacamos o Amhor (Grupo Articulação e Movimento Homossexual do Recife e Região Metropolitana), criado em 1991, que teve, entre as diretoras, Íris de Fátima.

É do Amhor que surge o Movimento Gay Leões do Norte em 2001. E é este o grupo que, em parceria com o Amhor e Satyricon (Grupo de Apoio e Defesa da Orientação Sexual) vai promover a primeira Parada da Diversidade de Pernambuco em 2002. O Leões do Norte surge em dezembro de 2001 e, em março de 2002, faz um seminário de formação com a participação de ativistas que foram do Gatho para discutir a possibilidade de fortalecimento de uma militância LGBT no Estado. Do seminário, surge a ideia de realizar uma Parada, com o objetivo de trazer visibilidade ao movimento:

O objetivo era dar visibilidade para dar impulso ao movimento. Lógico que a gente sabia que dependeria do resultado da primeira: se fosse um fracasso, ninguém participaria. Então a gente precisou pensar em tudo. Fizemos panfletagem em todos os lugares do gueto, marcamos no Mustang porque era, naturalmente, um ponto de encontro na sexta-feira e, se a gente fizesse na Praça Oswaldo Cruz, onde normalmente era feito pelos movimentos

63  Fala do ex-participante do Gatho Jackson Cavalcanti durante o evento Memória e Sexualidade no

dia 9 de setembro de 2015 no Recife.

64 O Conselho Federal de Medicina foi um dos primeiros a retirar a homossexualidade do rol de

patologias. Em 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e, em 1992, a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) seguiriam a mesma postura. Ainda há a utilização, porém, do sufixo -ismo (relacionado a patologias) principalmente enquanto recurso político para associar a homossexualidade à doença.

sociais, as pessoas estariam indo especificamente para a Parada. E todo mundo estava com medo, porque iam saber que a pessoa estava indo lá para participar da Parada. E, na Conde da Boa Vista, não. Escolhemos um horário que ia ter muita gente: os estudantes saindo, o engarrafamento no auge e, o bar, cheio. (informação verbal)65.

Mas a problemática em torno da realização da primeira Parada não se resumia ao público: a prefeitura passou a trazer uma série de problemas à realização da manifestação no dia 28 de junho. A questão era simbólica: fazer a Parada no dia 28 de junho era poder relembrar o evento que marca, até hoje, o Dia do Orgulho LGBT (à época, chamado de Orgulho Gay). Nesta data, em 1969, aconteceu, em Nova York, uma batida policial no bar

Stonewall (frequentado por pessoas LGBT). Decerto que não foi um evento isolado, a prática

policial era constante, mas foi a partir da reação dos frequentadores que teve início uma "emergência do Poder Gay" (FACCHINI; SIMÕES, 2009, p. 45).

Ainda em 2001, o então prefeito do Recife, João Paulo, sancionou a Lei 16.730/2001, que previa a reestruturação do sistema previdenciário do Município. Entre as mudanças estava a garantia de previdência para companheiras e companheiros de homossexuais. Sancionada no dia 28 de dezembro de 2001, a Lei foi notícia no Diario de Pernambuco:

O prefeito do Recife, João Paulo (PT), sancionou ontem a lei que cria o Regime Municipal de Previdência, considerado um dos projetos mais controvertidos da administração petista. Apesar da proposta ser pioneira no País, a maior polêmica girou em torno do artigo que estende a pensão para os companheiros ou companheiras de servidores homossexuais. Na Câmara de Vereadores, a idéia virou motivo de chacota e foi duramente criticada por alguns parlamentares. (PREVIDÊNCIA, 2001).

Em 2002, mais uma conquista para o movimento: o então Projeto de Lei contra a discriminação sexual é aprovado pela Câmara dos Vereadores. A comissão que organizava a Parada, então, passa a procurar João Paulo para que a Lei fosse sancionada no dia da Parada da Diversidade: "passamos meses atrás do prefeito e sempre esbarrávamos em algum assessor. Para nossa surpresa, no dia 27 de junho às 17h a assessoria liga e diz que o prefeito vai sancionar a Lei no dia 28 de junho em Casa Forte" (informação verbal)66. De autoria do ex-vereador Isaltino Nascimento, a Lei 16.780/02 prevê a aplicação de multa, suspensão

65  Entrevista concedida à pesquisadora pelo ex-presidente da ONG Leões do Norte, Wellington

Medeiros, Recife, Dezembro de 2015.

temporária do alvará e até cassação do alvará de funcionamento para estabelecimentos que exercerem qualquer forma de discriminação com base em orientação sexual.