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1.1 A internacionalização da produção: teorias

1.1.3 Licenciamento, exportação e as questões locais

As constatações feitas nas subseções anteriores, de que o surgimento de uma ETN está ligado a fatores sistêmicos, relacionados aos movimentos de concentração e de centralização do capital, e de que o IED ocorre baseado em características da empresa e de suas estratégias de mercado, esbarram em algumas limitações. Tais limitações complementam-se, no entanto, com análises que levam em consideração os fatores relacionados ao ambiente do local do investimento.

A primeira discussão importante diz respeito aos fatores que levam uma empresa a preferir realizar o investimento físico em vez de explorar suas vantagens mediante a atividade de licenciamento. Três elementos são citados como os mais relevantes: (i) a precificação do ativo intangível; (ii) a cautela das empresas em relação à prática de transferência de tecnologia; e (iii) a segurança jurídica e as políticas dos Governos locais em relação à concessão de patentes (GONÇALVES, 2002).

No que tange ao primeiro fator, é relevante salientar que, para que o processo de licenciamento ocorra, é preciso que a empresa concessora e a empresa concessionária acordem quanto aos valores contratuais. Questões como as assimetrias de informação e outras dificuldades para precificar os ativos intangíveis podem gerar diferenças nas expectativas de retorno da empresa licenciadora com a empresa licenciada, impelindo a ETN a realizar o IED.

O segundo fator que envolve a concessão das licenças está relacionado aos riscos de perda de controle da tecnologia. A atividade de licenciamento envolve algum tipo de conhecimento embutido, e não é desejável que essa informação se difunda, pois a empresa perderia parcela importante de suas vantagens específicas. A fim de evitar o enfraquecimento dessas vantagens, crucial para garantir a posição confortável em mercados externos, as organizações preferem atuar por meio do IED, em oposição à concessão do conhecimento.

Por fim, com o intuito de desenvolver o campo da ciência e tecnologia, existe uma série de políticas governamentais que buscam a transferência do conhecimento e desses ativos intangíveis. Assim, uma atuação mais incisiva do Governo do país receptor do investimento tende a gerar mais cautela às empresas e a não conceder

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sua patente, mas produzir fisicamente em outro país. Nos setores mais intensivos em posse de bens intangíveis (caso dos setores farmacêutico, químico e de outros bens de alta tecnologia), haverá maior propensão à realização de IED por parte das ETNs.

Dunning (1993) tornou-se o principal autor da corrente dos determinantes relacionados ao local do investimento, ao desenvolver a Teoria Eclética da Internacionalização, a qual sugere que o processo de decisão da ETN entre produzir no país de origem ou em outras localidades dependerá, especialmente, da análise das vantagens diferenciais da empresa, da disponibilidade de recursos físicos ou intangíveis no outro país, do setor de atuação da empresa e das imperfeições de mercado. O autor procura associar teorias de comércio internacional, cuja principal característica é a impossibilidade de movimento de fatores (terra, capital e trabalho), e a diferença na posse desses fatores pelos países seria uma das variáveis-chave para a explicação da decisão do IED.

Na Teoria Eclética, as empresas podem contar com três tipos de vantagens – que não são apenas aquelas encontradas e desenvolvidas internamente. São elas: (i) a vantagem de localização, relacionada a uma região específica; (ii) a vantagem de propriedade, desenvolvida internamente pela própria organização, descrita também por Hymer (1978); e, por último, (iii) a vantagem de internalização, que compara os custos de transação associados à transferência de sua tecnologia a um produtor local, antes de realizar o IED. De acordo com Dunning (1993, p. 75, tradução nossa): “O núcleo da predição da teoria de internacionalização é que, dada uma distribuição particular de dotação de fatores, a atividade das multinacionais será positivamente relacionada aos custos de organizar mercados no exterior em produção de bens intermediários”9.

Ao alargar a teoria proposta por outros autores da área10, Dunning (1993) identificou quatro principais motivações e buscas por fatores no exterior realizadas pelas ETNs, além de outras causas de menor intensidade. Os motivos são assim enumerados: (i) busca por mercados consumidores; (ii) busca por recursos naturais; (iii) busca por eficiência; e (iv) busca por ativos estratégicos (DUNNING, 1993).

9 Texto original, em inglês: “The core prediction of internalization theory is that, given a particular

distribution of factor endowments, MNE activity will be positively related to the costs of organizing cross border markets in intermediate products”.

10 Dunning (1993) atribui os primeiros contornos dessa teoria como sendo de autoria de Jack Behrman.

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A busca por mercados visa ao fornecimento de bens e serviços para determinado mercado-alvo e países do entorno. Em geral, a opção por essa operação ocorre em mercados em que a ETN já realiza exportações, e o investimento ocorre com vistas a manter e proteger mercados já existentes, podendo ocorrer por razões distintas, como para seguir clientes e fornecedores em sua rede de produção global, para produzir localmente a fim de adaptar o produto ao consumidor local, para elevar custos na exportação (como elevações de tarifas, por exemplo) ou até para reduzir custos de transação relacionados à produção a distância.

O IED relacionado à busca por recursos pode ser subdividido entre aqueles que almejam: recursos físicos (insumos e bens primários essenciais para a cadeia produtiva da empresa); recursos humanos, como mão de obra barata e/ou pouco qualificada (em especial, ETNs manufatureiras oriundas de países em que os custos trabalhistas tornaram-se muito elevados); e recursos intangíveis, como capacidade tecnológica (habilidades técnicas e gerenciais não existentes no país de origem da empresa).

A principal motivação por detrás dos investimentos que buscam eficiência é a racionalização da estrutura de produção global estabelecida, como a organização dos IEDs baseados na busca por mercado e daqueles que buscam por recursos. Basicamente, a ETN se beneficia por uma governança comum, reduzindo a exposição a riscos e obtendo vantagens de diferentes fatores, como os arranjos institucionais, os sistemas econômicos e as políticas governamentais. Cabe observar que as ETNs podem concentrar a produção em diferentes locais, geralmente em número reduzido, e suprir múltiplos mercados (DUNNING, 1993).

A busca por ativos estratégicos ocorre, comumente, por meio de operações de fusões e aquisições que visam a sustentar ou fortalecer a posição competitiva da ETN. Entre os benefícios que podem ser citados, estão a criação de sinergias com a área de P&D, a elevação do poder de mercado e a queda nos custos de transação.

Em síntese, a explicação para a atuação internacional das empresas deve passar também pelos elementos locais. Questões como a imobilidade dos fatores de produção e a opção das empresas em proteger suas vantagens de propriedade, associadas às políticas públicas no país de destino do investimento, influenciam sobremaneira a decisão sobre os fluxos de IED das ETNs.

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1.2 As pequenas e médias empresas no processo de internacionalização da