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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.2 LIGAÇÃO CRUZADA QUANTITATIVA DA CALMODULINA

Como mencionado anteriormente, o estudo de mudanças conformacionais de proteínas aplicando a técnica de ligação cruzada associada à espectrometria de massas é recente e a abordagem utilizando a quantificação label-free ainda é inexplorada. A fim de obter um conjunto de dados inicial para o desenvolvimento e validação do método, foi escolhido o sistema apoCaM/Ca2+CaM como alvo inicial, pois

este possui dois estados conformacionais diferentes muito bem caracterizados e estimulados pela presença de Ca2+. Devido a essas características, a Calmodulina

mostrou-se um alvo interessante de validação para esta etapa do trabalho.

Inicialmente foi analisada a sequência primária da CaM e as espécies formadas do tipo dead-end. O processamento mostrou que o mapa de cobertura de sequência foi aproximadamente de 90% para a proteína CaM com e sem ligante (Figura 9). Vale lembrar que a espécie desse tipo é formada quando o agente de ligação cruzada se liga a um resíduo reativo e por não ter outro resíduo próximo ele hidrolisa a outra extremidade do DSS. Sendo assim, foram avaliadas todas as lisinas e serinas que sofreram reação com o agente de ligação cruzada hidrolisado (espécies do tipo dead-end). A amostras apresentaram uma cobertura de 100% dos resíduos de lisina modificadas pelo DSS em espécies do tipo de dead-end tanto para apoCaM quanto a Ca2+CaM e 75% e 50% para os resíduos de serina para apoCaM e Ca2+CaM,

respectivamente. Esse tipo de espécie dá informações sobre a acessibilidade ao solvente da cadeia lateral dos aminoácidos da proteína na estrutura terciária e pode fornecer dados adicionais no estudo de mudança conformacional.

Figura 9. Mapa de cobertura para a Calmodulina.

O desenvolvimento do método foi realizado baseado na identificação, validação e quantificação das espécies de XL por espectrometria de massas na ausência e presença do ligante cálcio. Em uma etapa inicial as espécies de ligação cruzada do tipo intermolecular e intramolecular foram identificadas utilizando o software SIM-XL (LIMA et al., 2014), desenvolvido pelo nosso grupo em colaboração

MADQLTEEQI AEFKEAFSLF DKDGDGTITT KELGTVMRSL GQNPTEAELQ DMINEVDADG NGTIDFPEFL TMMARKMKDT DSEEEIREAF RVFDKDGNGY ISAAELRHVM TNLGEKLTDE EVDEMIREAD IDGDGQVNYE EFVQMMTAK

com o grupo do Prof. Dr. Paulo Carvalho e o Dr. Diogo B. Lima. Nessa etapa foram aplicados valores mínimos de score a fim de obter dados mais confiáveis e assim evitando atribuições equivocadas. Em seguida os espectros de MS/MS foram validados manualmente. Esse procedimento foi realizado utilizando os mesmos parâmetros para a CaM e Ca2+CaM.

Uma vez validados todos os espectros de íons fragmentos obtidos em ambas condições, o mapa de restrições foi gerado e é mostrado na Figura 10. É possível observar a distribuição de todas as restrições de distância obtidas por meio das espécies de ligação cruzada para sequência da CaM. Esse mapa mostra, em duas dimensões, as espécies interpeptídeos e intrapeptídeos que foram identificadas, sendo possível observar que uma quantidade menor de espécies de XL foi formada na Ca2+CaM quando comparada com apoCaM. Esse resultado está de acordo com

dados estruturais da proteína que mostram que a apoCaM adota uma conformação mais compacta, permitindo que um maior número de resíduos estejam próximos o suficiente para que a reação de ligação cruzada ocorra, enquanto que quando ligada ao metal a proteína adota uma conformação mais estendida e aberta, com menor número de espécies de XL possíveis. Também, nota-se na Figura 10 uma distribuição diferenciada dessas espécies na estrutura primária das proteínas.

Figura 10. Mapa bidimensional das ligações cruzadas identificadas para a apoCaM (20

espécies) e Ca2+CaM (13 espécies).

Além disso, foram calculadas as possíveis espécies de ligação cruzada a serem formadas usando o DSS como agente de ligação cruzada. Para isso, foi utilizado um software desenvolvido por nosso grupo de pesquisa em parceria com o Dr. Leandro Martínez (IQ/UNICAMP-SP), chamado Topolink, que calcula a distância topológica (menor distância acessível ao solvente) entre possíveis resíduos reativos de acordo com a especificidade e tamanho do ALC dada a estrutura terciária da proteína (FERRARI et al., 2019). Com isso, após os cálculos teóricos, observou-se que é possível formar até 18 e 10 espécies usando o DSS como ALC para a apoCaM e Ca2+CaM, respectivamente. Esses dados corroboram aos obtidos

experimentalmente, em que se observa uma maior quantidade de restrições de distância para a apoCaM em relação a Ca2+CaM. Nota-se, também, um maior número

de espécies geradas nos dados experimentais em relação aos dados teóricos. Isso pode ser explicado pelo fato da técnica de XL-MS ser capaz de fornecer informação de outros estados conformacionais que não são amostrados pelos dados teóricos

apoCaM

utilizando uma estrutura rígida, já que a reação de ligação cruzada ocorre em solução e existe uma dinâmica da proteína.

Um total de 20 espécies de XL foram identificadas para apoCaM, sendo 4 do tipo intrapeptídeos e 16 interpeptídeos. Para a análise de Ca2+CaM foram

identificadas 13 espécies, sendo 4 do tipo intrapeptídeos e 9 interpeptídeos.

Foram identificadas 5 espécies exclusivas para a apoCaM, sendo que três apresentaram uma baixa qualidade do espectro, não fornecendo uma informação confiável. Na Figura 11A e B é mostrada uma dessas espécies exclusivas identificada na amostra apoCaM que envolve a ligação entre os resíduos K76 e K116. Na estrutura da apoCaM, esses resíduos se encontram a 14 Å (distância topológica) enquanto na Ca2+CaM a distância topológica é de 42 Å, em concordância com os dados

experimentais. Uma possível explicação para esse aumento na distância entre os resíduos K76 e K116 na estrutura holo pode ser o fato que o resíduo K76 na estrutura apo está em uma região de alça, permitindo maior flexibilidade dos resíduos nessa região e maior proximidade dos resíduos K76-K116, enquanto na holo a K76 encontra- se em uma alfa-hélice. Esse mesmo comportamento é verificado para a espécie K95- S81, que na apoCaM a distância é de 24 Å enquanto na Ca2+CaM é de 29 Å (Figura

11C a D). Neste caso, o resíduo S81 está em uma região mais flexível na estrutura apo em relação a holo. Outro dado que reforça essa explicação é o fato que esse resíduo (S81) forma espécie do tipo dead-end apenas na apoCaM confirmando sua maior exposição ao solvente nessa condição. É bom destacar que a reação de ligação cruzada somente ocorre entre resíduos de aminoácidos espacialmente próximos na estrutura em solução. A distância topológica máxima considerada de reatividade para as espécies de ligação cruzada modificadas por DSS é aproximadamente de 25 Å entre os átomos de carbono alfa entre resíduos de lisina e de 23 Å entre resíduos de lisina e serina. Essa distância leva em consideração o comprimento da cadeia espaçadora do DSS (~11,4 Å), o comprimento das cadeias laterais dos resíduos de lisina (~7,6 Å) e a flexibilidade conformacional do agente de ligação cruzada e proteína (KAHRAMAN et al., 2013).

Figura 11. Representação das espécies de ligação cruzada entre os resíduos K76 e K116 (A

e B) e entre os resíduos K81 e K95 (C e D) e suas respectivas distâncias topológicas. Estruturas da A) e C) apoCaM (PDB 1DMO) e B) e D) Ca2+CaM (PDB 3CLN) geradas pelo

software PyMOL. K76 K116 14Å K76 K116 42Å

B

A

29Å K95 S81 K95 S81 24Å

D

C

Para as espécies identificadas em ambas as conformações, o cálculo de abundância relativa das espécies modificadas foi feito extraindo a corrente iônica (XIC) utilizando o software SIM-XL. Para a quantificação relativa foi utilizada a razão das áreas das espécies nas formas apoCaM e Ca2+CaM. Foram quantificadas quatro

espécies modificadas em ambos os sistemas, sendo uma do tipo interpeptídeo e três intrapeptídeo. A Figura 12 mostra as espécies quantificadas na estrutura da proteína.

Figura 12. Ligações cruzadas quantificadas e suas respectivas distâncias topológicas em A)

apoCaM (PDB 1DMO) e B) Ca2+CaM (PDB 3CLN).

Os dados de quantificação revelaram que, das quatro espécies quantificadas, três apresentaram maior abundância dos XIC na estrutura apoCaM

K31 K22 K76 K78 K95 S102 12Å 11Å 36Å K31 K22 K76 K78 K95 S102 16Å 28Å

B

A

(K76-K78, K76-K95 e K95-S102), enquanto que uma espécie (K22-K31) teve maior abundância na condição contendo o metal. Um exemplo é o interpeptídeo K76-K95, que foi quantificado com uma razão de 3,6 (apoCaM/Ca2+CaM). Esse dado sugere

que essa espécie é formada em maior quantidade na apoCaM e essa informação pode ser confirmada a partir das distâncias topológicas desse peptídeo modificado. É possível observar que há um aumento considerável na distância entre os resíduos no estado da Ca2+CaM, mostrando que há uma mudança conformacional significativa

quando a calmodulina se liga ao Ca2+, dificultando a formação da espécie nesse

estado. Os espectros de MS/MS desta espécie e o XIC estão representados na Figura 13. Esses e os demais espectros confirmados mostram uma excelente cobertura dos íons fragmentos no MS2 para as cadeias alfa e beta para espécies intermolecular e

intramolecular e um XIC com bom perfil cromatográfico.

Figura 13. Exemplos de espectros de íons produtos anotados para as espécies de ligação

cruzada do tipo intermolecular (K76-K95) nas condições apoCaM (A) e Ca2+CaM (B) e seus

respectivos XIC (do inglês, Extracted Ion Chromatogram). Em azul: os íons fragmentos referentes a cadeia alfa da espécie de ligação cruzada. Em vermelho: os íons fragmentos referentes a cadeia beta da espécie de ligação cruzada. Em verde: os íons marcadores da espécie de ligação cruzada.

apoCaM

Ca2+CaM

B A

Houve um aumento também na distância topológica para a espécie do tipo intrapeptídeo K95-S102 na Ca2+CaM, que tem uma distância 3 Å maior na estrutura

da Ca2+CaM em relação à da apoCaM. Além disso, os dados obtidos das espécies do

tipo dead-end mostram que o resíduo S102 não forma espécie desse tipo na Ca2+CaM, sendo assim, menos acessível ao solvente, corroborando os dados de

quantificação que sugerem que na apoCaM esse peptídeo é formado em maior quantidade. Para a espécie intrapeptídeo K76-K78, os dados de quantificação sugerem uma maior abundância na apoCaM, o que está de acordo com o aumento da distância em 3 Å na estrutura da Ca2+CaM em relação à apoCaM. Já para a espécie

K22-K31, uma maior quantidade foi formada na proteína no estado complexado com o metal e esse dado está novamente coerente com o dado de variabilidade conformacional avaliado pelos dados estruturais da Figura 11. Na Tabela 1 estão compiladas as quatro espécies quantificadas e suas respectivas razões, como foi discutido anteriormente.

Tabela 1. Espécies de ligação cruzada identificadas e quantificadas e as respectivas

distâncias topológicas entre os resíduos modificados e a razão entre área dos íons produtos da apoCaM/Ca2+CaM. Posição do resíduo A Posição do resíduo B Distância apoCaM (Å) Distância Ca2+CaM (Å) Razão apoCaM/Ca2+CaM K 22 K 31 16 9 0,9 K 76 K 78 9 12 1,8 K 76 K 95 28 36 3,1 K 95 S 102 8 11 1,9

Assim, os dados obtidos para o sistema apoCaM/Ca2+CaM mostram que a

quantificação sem marcação se correlaciona muito bem com as mudanças estruturais causadas pela ligação do cálcio, criando uma nova metodologia para o estudo conformacional de proteínas. Uma vez validado estruturalmente os dados de quantificação, este método foi aplicado a um sistema bem mais complexo e de grande interesse biológico: a conformação da Hsp90 dependente da ligação de nucleotídeos, conforme discutido a seguir.

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