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o light na cultura contemporânea

No documento o sínodo da Palavra de Deus (páginas 72-75)

A rigor, não existe uma cultura light enquanto sistema ela-borado de significações de um determinado grupo humano, identificável a partir de características étnicas, sociais, de gê-nero ou geracional. O termo light serve como aproximação conceitual. Ele dá conta de explicar uma forma de conceber o mundo e de comportar-se que está presente em diferentes grupos na sociedade contemporânea, com intensidade tam-bém distinta. A expressão light é uma imagem, uma analo-gia, que reúne algumas características do que se convencio-nou chamar de cultura "pós-moderna" ou "modernidade líquida" (Zygmunt Bauman). A expressão remonta a um famoso livro de Enrique Roj as, El hombre light (Madrid: Ed.

Temas de Hoy, 1992), atualmente na 20' edição.

Light, em inglês, tem muitos sentidos. O primeiro é o substantivo "luz". Daí deriva o adjetivo que significa "cla-ro", como, por exemplo, na expressão light blue (azul claro).

O termo light ganhou importância e novo significado na

sociedade atual por causa da associação com alimentos de baixo teor calórico. No supermercado ou na padaria encon-tramos vários produtos light. Eles apresentam, no mínimo, a redução de 25% de determinado nutriente que fornece energia (carboidrato, gordura e proteína), em comparação com o alimento convencional. O diet, por sua vez, diz res-peito a alimentos e bebidas completamente sem açúcar ou gordura, originalmente destinados a quem tem alguma li-mitação na saúde, como diabetes ou colesterol elevado.

As pessoas consomem cada vez mais produtos light e diet para manter o peso, não engordar e conservar o padrão es-tético que se determinou como ideal. Alimentam a ilusão de que podem comer e beber à vontade, fruir o prazer de sabores e odores sem pagar o preço de engordar.

A partir dessa referência, no imaginário atuallight se asso-cia à "leveza", não somente física, mas também psicológica, comportamental e institucional. Uma pessoa light rejeitaria a rigidez, ou seja, aquilo que é duro (hard) e pesado (heavy).

Cultivaria, em contrapartida, a flexibilidade, a pró-ativida-de e um olhar encantado com o mundo. Tal é a conotação afirmativa da expressão light, que é diferente daquela que lhe concede E. Rojas.

Que valores da cultura light são positivos se desenvolvidos em perspectiva humanizadora, ou seja, voltada para a evo-lução da humanidade e compreendida de forma pessoal e coletiva? Citemos alguns.

o Leveza: consiste em cultivar a gratuidade, a alegria, o contentamento e o senso de humor como elementos de-cisivos da vida, em contraposição ao pessimismo e ao perfeccionismo. É o valor básico do light. A leveza é um contraponto às exigências dem.asiadas do mercado, base-ado na competição e nos resultbase-ados a qualquer custo.

o Flexibilidade: a pessoa aprende a relativizar o que antes parecia intocável e inquestionável. Critica a rigidez dos códigos de comportamento e aprende a exercitar o diá-logo com os outros.

o Cotidianidade: consiste no desejo de viver o hoje com intensidade, sem excesso de preocupação com o futuro.

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Formar para a fidelidade numa cultura /ight

• Estética: Desenvolve-se a sensibilidade ao belo, em várias instâncias. Desde as embalagens até o corpo humano, contemplando também os designs da casa e da cidade.

Abre-se a oportunidade de uma nova síntese entre a bondade e a beleza, desde que a aparência não seja o elemento determinante e sim a porta de entrada para o ser-que-se-manifesta.

• Corporeidade: consiste no respeito e na valorização do corpo. Critica-se a violência física contra os fracos, es-pecialmente as crianças e as mulheres. Após séculos de negação, abre-se a possibilidade de uma visão unifica-dora de corpo-espírito. O corpo é expressão carnal da pessoa e de seu mistério.

A leveza, como característica humana predominante do light, se assemelha a uma jangada. Comparada aos barcos tradicionais, parece frágil. Com a habilidade, o esforço e a determinação do jangadeiro, surfa pelos mares, enfrenta on-das, serve-se dos ventos favoráveis. Ao mesmo tempo, está sobre a superfície da água e em meio a ela. É simples e bela.

No entanto, o light pós-moderno, gelatinoso, perdeu algo fundamental do mundo dos valores. Assemelha-se a um barco inflável, de plástico, artificial, padronizado, usado por alguém que não sabe para onde quer ir. Deixa-se levar pelas ondas e pela correnteza. É leve, mas não tem direção. Boia sobre a água, mas não tem remos.

Enrique Rojas, na obra citada, caracteriza o ser humano pós-moderno como light, associando ao adjetivo uma série de limitações e graves defeitos:

Não há no ser humano light grandes entusiasmos nem hero-ísmos. A cultura light é uma síntese insossa: tudo suave, leve, sem riscos, visando à segurança. Uma pessoa assim não deixará pegadas. Em sua vida não há rebeliões. É frio, não crê em quase nada, suas opiniões mudam rapidamente e ela.abandonou os va-lores transcendentes. Por isso se torna cada vez mais vulnerável e fácil de ser manipulado. Fez concessões sobre questões essen-ciais. Assim, os desafios e esforços não apontam para a forma-ção de um indivíduo mais humano, culto e espiritual, mas sim para a busca do prazer e do bem-estar a todo custo. (pp. 16s.)

Portanto, os traços da cultura light são ambivalentes. Têm um lado luminoso (como o nome evoca) e um lado te-nebroso. O problema reside na forma unilateral como se manifestam.

Além disso, há um contexto que lhes deu origem e favo-rece sua explicitação. Por exemplo: na sociedade contem-porânea, a luta pela sobrevivência devora grande parte da energia vital das pessoas. Cada vez mais não se tem seguran-ça a respeito do futuro profissional. O ambiente de trabalho, por causa do clima de constante competição no mercado, é tão estressante e exigente que, como forma de compensação e alívio, as pessoas tendem a sonhar com a situação oposta, na qual possam provar a leveza, a ausência de cobranças, a fruição e o prazer. Mesmo que isso não seja real para a gran-de maioria, permanece como gran-desejo e igran-deal.

Outro fato elucidativo: na sociedade midiática, da ima-gem e da simulação, só existe o que aparece. O estético saiu das igrejas antigas, dos museus e das galerias de arte e invadiu o cotidiano. Isso é bom, pois significou uma forma de democratização. É compreensível que as pessoas este-jam mais sensíveis ao aparente e se extasiem com o belo. O problema é quando o estético substitui o ético. Passa a ser considerado bom aquilo que é produzido, de forma artificial, como beleza, a serviço do consumo.

Com espírito de fé, descobrir-se-ão nos "sinais dos tempos"

do ser humano light não somente as ameaças, mas também as oportunidades para a humanização e o Reino de Deus. Isso exigirá das pessoas a disposição para avaliar seus hábitos e posturas, investir no auto conhecimento e querer crescer.

No documento o sínodo da Palavra de Deus (páginas 72-75)