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Capítulo I Três vidas

49 LIMA, 1973 50 COSTA,

51 CASTRO, 1985 52 SYDOW; FERRI, 1999

José Gonçalves, não desempenha um papel político como dom Helder o fazia e a Igreja se isola. No entanto, alguns integrantes dos sub-secretariados da CNBB fazem uma reorganização interna que vai ter como resultado o Plano de Pastoral de Conjunto, aprovado pelos bispos de Roma. Isso faz com que ela passe a ter uma estrutura de acordo com método de planejamento experimentado em países da América Latina e organismos internacionais. “Essa organização mais articulada, em torno de seis ‘linhas de pastoral’, vai dar à CNBB uma consistência que, com riscos a longo prazo de burocratização, nos anos difíceis da década seguinte, e já com outra direção mais ousada e aberta, poderá enfrentar os embates de um aparelho de Estado autoritário e repressivo.”53

A política é pano de fundo para os artigos de Tristão de Athayde no Jornal do Brasil. Já no início de 1963, Alceu falava das novas esperanças que chegavam junto com a posse de Miguel Arrais. Para o jornalista, Arrais significava um novo valor na política nacional brasileira – era um nordestino que falava a linguagem social, condenava os sectarismos e havia ganho as eleições sem compromissos políticos ou econômicos. Alceu recebe críticas por ter aplaudido o discurso de posse de Arrais, dizendo que ele estaria “fazendo o jogo dos comunistas”. Em artigo intitulado “Seráficos”, o escritor discorre sobre os que, em sua opinião, estão realmente “fazendo o jogo dos comunistas”. Se gundo ele, estes são os que estavam favoráveis a situações que davam condições para a conquista do poder através de um golpe – queriam pior situação política do Brasil, menos entendimento entre as classes e sofrimento das massas espoliadas.

Em janeiro de 1964, Tristão dedicou alguns artigos para tratar (e criticar) os boatos sobre a chegada de um golpe.

Esses cupins de nossa vida cívica murmuram baixinho, em nossos ouvidos, cada amanhã, que é para já o golpe. Que o presidente esgotou a paciência. Que des ta vez vem mesmo. Que não haverá eleições para 1965. Que o contragolpe também está preparado. Que a demissão de um grande ministro foi a gota de água. E com ela se rejubilaram as forças da Oposição, pois assim mais facilmente vai acabar a indecisão.

No mesmo artigo, Amoroso Lima diz que, venha de onde vier, o golpe deveria ser repelido e que era importante o povo brasileiro ter consciência de que a continuidade da política oposicionista do ‘quanto pior melhor’ levaria à vitória dos boatos. Finaliza, lamentando que “a leucemia social fará do Brasil, ao menos por certo tempo, qualquer coisa de irreconhecível”.

Tristão também faz do comunismo um tema freqüente em sua coluna. Sob o título “Convivência ou morte”, também em janeiro de 1964, ele critica a opinião de grande parte dos católicos que prega que a Igreja deve declarar guerra contra o comunismo. Alceu admite que há uma incompatibilidade radical entre a doutrina marxista-leninista e o Cristianismo. Mas que concorda com a postura de João XXIII e Paulo VI, de promover a convivência “de todos os homens e de todos os regimes em vez de incentivar a guerra, o isolamento ou a divisão do mundo em áreas incomunicáveis”.

Nada do que lembrava o Alceu dos anos 40 se vê por aqui, o homem que dizia ser o ceticismo de mocrático algo perigosíssimo que preparava o terreno para a campanha totalitária do Partido Comunista, disposto a todas as dissimulações para alcançar o poder.54 Na década de 1960, Amoroso Lima criticava a maneira como o comunismo estava sendo combatido pelos direitistas. “Julgar todo o mundo ‘comunista’, simplesmente porque não é conservador ou liberal é não julgar ninguém comunista.” E também era contrário ao modo como a Igreja lidava com a questão, dizendo que torcia para que o que chamou de mobilização apostólica realmente levasse a uma cristianização da sociedade, à luta contra as injustiças sociais, contra a miséria e contra o “mundanismo ateu”. Poucos dias depois, Alceu vai confessar à filha, em carta, não temer o comunismo, mas sim o militarismo e o golpismo.

Ao mesmo tempo em que acompanha toda a movimentação político-social dos dias anteriores ao 31 de março, ele ressalta com sua pena que considerava importante distinguir ação religiosa da ação política. Foi assim que fez em “O indiferentismo”, ao comentar um comício político em Belo Horizonte.

A situação política do Brasil no início de 1964 era crítica. O clima no país era tenso antes da deposição de João Goulart. Em discurso preocupado, o presidente falara da aproximação do golpe. Um cheiro de pólvora no ar denunciava a tomada militar de 31 de

março. Exército, Marinha e Aeronáutica declararam guerra contra Jango. Com a subida dos militares ao poder, o país se abre ao capital estrangeiro, há compressão salarial, concentração de renda nas mãos de pouc os e os sindicatos são silenciados.

A mão forte do regime militar, imposto ao país no dia 31 de março daquele ano, mexeu de forma entranhada com as idéias de Amoroso Lima, a ponto de ele acusar o golpe de ser um retrocesso, “um novo Estado Novo de tipo getulista e paratotalitário, direitista e neofascista”55. No próprio dia 31 de março de 1964 e nos dias seguintes ao golpe, Alceu se mostrava descontente com Jango e temia que o golpe viesse do próprio Governo com propósitos “continuístas”. Já no dia 1º de abril, porém, em carta enviada à filha, Alceu lamentava o rompimento da continuidade civil do governo e a transferência para a área militar. “E por quem? Pelo nosso amigo Magalhães Pinto, que inicia assim a nova era dos golpes e contragolpes”56. No mesmo dia, críticas ao cardeal do Rio de Janeiro, dom Jaime Câmara, não faltaram. “E a esta hora o inefável cardeal do Rio estará aplaudindo o golpe, como acaba de justificar o uso do ‘rosário em cerimônias cívicas’... O cúmulo. Entendam- se – cerimônias cívicas que estejam de acordo com suas próprias preferências políticas. No caso: o mais obscurantista reacionarismo.” 57

Alceu opina, em sua coluna, sobre os motivos que resultaram no movimento que ele definiu “ao mesmo tempo militar e civil de 30 de março”. Daí ter intitulado o artigo de “Polarizações”. Segundo Tristão, o golpe se deu por uma gangorra política, dividida pela polarização esquerdista por parte do governo e direitista por parte da oposição.

Assim como o regime de JG caiu por ter inclinado perigosamente para a esquerda, estamos agora ameaçados de pender para o pólo oposto, na base das tendências extremistas dominantes. Ora, a ação reacionária é tão perigosa e unilateral como a ação revolucionária. O direitismo é tão antidemocrático como o esquerdismo, embora a Esquerda e a Direita devam conviver pacificamente e estimular-se reciprocamente numa democracia autêntica.

55 Id.

56 Carta de Alceu à filha Maria Teresa no dia 1 de abril de 1964 57 BARBOSA, 1984

A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi um grande movimento de oposição ao governo de João Goulart, organizado por setores da Igreja Católica e defensores da direita. Reunindo milhares de pessoas, foi um dos estopins da derrubada do presidente. Quando aconteceu a Marcha no Rio de Janeiro, em 2 de abril de 1964, Alceu já reconhecia ser o militarismo o maior problema a ser enfrentado e não o comunismo.

Até abril de 1964, o pensador tinha uma posição política fervorosamente anti- comunista, demonstrada em entrevistas, artigos e livros. A sua coluna no Jornal Brasil a partir de 7 de maio daquele ano representou um marco na vida do militante católico, mas não só para ele. Alceu tornou-se ali, quando publicou o texto “Terrorismo cultural”, uma das primeiras vozes a se ouvir publicamente contra o golpe militar.

Com o artigo “Terrorismo cultural”, Tristão denuncia a existência de uma política cultural caracterizada por atos violentos, a repressão sobre a liberdade de pensamento58. E inaugura em sua vida intelectual uma nova fase, como paladino a favor da liberdade e contra o autoritarismo. No próprio dia em que foi publicado, Alceu previa que o texto ainda o traria muitas amarguras, já que a repercussão foi grande, inclusive com um telefonema do então presidente Castelo Branco, que ligou pessoalmente para o escritor no dia 7 de maio para dizer que este não estava bem informado sobre a infiltração comunista.

O golpe militar de 1964 não encontrou má vontade por parte da Igreja. As Marchas da Família com Deus pela Liberdade foram motivadas pela hierarquia católica, que estava engajada na campanha anticomunista junto com as elites conservadoras. A Comissã o Central da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lançou um documento no dia 2 de junho que endossava o que estava acontecendo. Era assinado por dom Jaime Câmara, cardeal do Rio de Janeiro, dom Augusto Álvaro da Silva, arcebispo da Bahia, dom Vicente Scherer, arcebispo de Porto Alegre, dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, arcebispo de São Paulo, dom José de Medeiros Delgado, arcebispo de São Luís do Maranhão, e dom Fernando Gomes dos Santos, arcebispo de Goiânia. Entre outras coisas, dizia: “Ao rendermos graças a Deus, que atendeu as orações de milhões de brasileiros e nos livrou do perigo comunista, agradecemos aos militares que, com grave risco de suas vidas, se levantaram em nome dos supremos interesses da nação, e gratos somos a quantos concorreram para libertarem-na do abismo iminente.”

Mas, se por um lado a Igreja era, em grande parte, conservadora, alguns nomes já apareciam como contraponto a essa situação. Como mostrado, Dom Helder Câmara e Alceu Amoroso Lima, este no papel de leigo, eram exemplos disso. São homens que podem ser chamados renovadores da Igreja, que defenderam o primado do bem comum, em que o indivíduo se subordina à coletividade e a coletividade se subordina à pessoa, à liberdade e à justiça, usando palavras do próprio Alceu. Nesse sentido, Amoroso Lima considerava a dissidência entre o catolicismo tradicional e o catolicismo renovado um bem – que ele próprio ajudou a estabelecer59.

As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) surgem nessa época e são tema para vários artigos de Amoroso Lima. As CEBs foram um caminho para que a Igreja chegasse ao povo. “Disto resultou uma intensa meditação dentro da Igreja sobre a religiosidade popular (até então tratada com desprezo e como sinal de ignorância religiosa) e um compromisso cresce nte com as lutas populares.”60 As comunidades eclesiais de base foram nascendo em igrejas locais de várias partes do Brasil e se constituíam em grupos de discussão, com a participação de representantes de setores diferentes da comunidade, sobre os problemas do dia-a-dia em relação a saúde, educação, trabalho, entre outros, além de serem um espaço para celebração da fé. Foram um braço muito importante para que a Igreja chegasse ao povo.

Todo esse quadro passa a ser matéria-prima para o que Tristão passa a dizer em sua coluna. Os efeitos de Terrorismo Cultural e o peso de Alceu como pensador de uma época é o que estudaremos na parte seguinte desta pesquisa.

59 LIMA, 1973

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